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    [ Século XVI, Província de Minu, Asahi. ]

    Anos e anos se passaram e os triviais continuavam tratados como insetos.

    Em lares comuns, pais desesperados por um futuro melhor escolhiam dar chance aos herdeiros mais promissores ao que alimentar uma boca inútil. Na realeza, o desprezo era silencioso, mas não menos cruel, um filho desprovido de aura era humilhante para um sangue nobre, um segredo a ser apagado com um “conveniente desaparecimento”. Vilas samurais, obcecadas pela força e tradição, não toleravam fraquezas; triviais eram enviados para lavouras, forjas e tarefas servis longe dos olhos caros que esculpiam o destino baseado no que entendiam por dignidade e pureza.

    Já nos clãs ninja, a rejeição era ainda mais afiada.

    Sem aura, sem valor, crianças nascidas triviais não mereciam aprender as artes dos shinobi. Algumas eram vendidas como criadas, assassinadas a sangue frio, ou no melhor dos casos, simplesmente largadas às sombras da cidade.

    Todavia, essas sombras começaram a se fortalecer, e entre os becos, bueiros, e esconderijos mais fajutos e perfeitos, surgiu uma nova força com ideais protetores:

    Bakurou, o Clã das Kunoichi Esquecidas.

    As mulheres de lá não tinham brasões, marcas, tatuagens, ou qualquer honra real, na verdade, não tinham nem um nome verdadeiro; o que tinham era uma promessa sussurrada a cada mulher deixada para morrer no frio das ruas apagadas da Província de Minu: 

    Oi, psiiiu! Você aí, sozinha na calçada.

    — Hm? snif… T-tem alguém me chamando?

    Olhe para a escuridão.

    Iiisso, garota, o ponto mais escuro dessa noite, he he he.

    Tá bom, Humori, ela já entendeu!

    Silêncio as duas! Vão acabar espantando a garota!

    “Ai, meus deuses, por que tem seis olhos nesse beco? C-como eu prossigo?!” — … A-m… Quem são vocês?

    Sente-se rejeitada?

    — Se eu me sinto… rejeitada? N-não! É que o meu marido, o-ou melhor, ex-marido, me expulsou da família… Ele tem razão, não sou boa o bastante para servi-lo. Devo tentar achar uma nova casa. Mas sou taxada como inferior, é difícil que alguém me queira se não for por… por… favores… sujos… snif.

    — … Essa sensação é horrível, não?

    — Ser tratada como um objeto para depois ser ignorada e jogada fora como um lixo humano sem utilidade, restando assim, procurar um lugar sem nem inicialmente saber para onde ir. Os áuricos não têm dó de jovens com sonhos e propósitos como nós, o que é extremamente deplorável, pois acima de tudo, todos somos humanos. Só que nós não somos assim… Somos a união das isoladas, a ressurreição das sem vida, a explicação para encher a sua alma vazia!

    Você, cara irmã, precisa vir conosco. O clã Bakurou te espera para que possa encontrar o seu lar fora deste mundo injusto! Prometemos treiná-la, você será forte! Nunca mais será tratada como nada.

    — …

    Iiisso, desse jeito, venha. Prometemos que não irá se arrepender da escuridão.

    Você é jovem, e fica maravilhosa sob a luz lunar. A partir de agora, será reconhecida por Yuzuki, nossa dama entregue pela lua…

    Esses foram um dos inúmeros diálogos que convenceram mulheres perdidas a viverem longe dos olhos daqueles que as desprezavam.

    Entre becos e vielas, sob tubulações e esgotos, as Bakurou eram treinadas por mestras a defender, esgueirar e infiltrar. O lugar fedia, sim, mas era a estadia perfeita para locomoções furtivas e ataques surpresa, sem contar que a parceria daquelas que nunca trairiam uma irmã deixava o ar mais puro. Entre mais de cem membros, o cheiro era de prosperidade, e era naquelas condições, naquelas companhias, que aquelas mulheres tornavam-se informantes, ladras, espiãs, e até mesmo, assassinas.

    Entretanto… uma contradição pura ainda existia: para poderem comprar suplementos e viver às escondidas, era preciso depender dos mesmos que odiavam.

    O mercado negro de informações e serviços sujos girava em torno do poder áurico, e onde havia poder, havia lucro. Cada missão era, sem misericórdia, um golpe contra aqueles que as desprezavam, e inclusive, uma moeda no bolso.

    Com punho firme, a líder das Bakurou, a kunoichi mais ágil, forte, e inteligente, controlava tudo, seu trabalho era garantir que cada pedido de ganância dos poderosos fosse realizado, mesmo que fosse contra seus próprios ideais, aliás, as mulheres de seu clã nunca seriam aceitas pelo mundo, então, o certo era tomar dele tudo o que pudessem.

    Mas havia uma condição que estava sendo defasada: não atacar outros triviais, e o motivo? Era muito mais delicado do que parecia…

    — Líder! Líder! — Uma voz aguda ecoou pelas paredes curvas do covil.

    O alarde, apesar de escandaloso, não afastava o semblante frio da chefe, que oculta sob vestes shinobi e sentada em uma poltrona de metal perante um cenário dominado por sombras e tons esverdeados, ergueu os olhos cerúleos do pequeno livro que lia.

    A responsável pelos sons ritmados de passos sobre a água era uma jovem shinobi em disparada. O suor descia pelo único vão de sua máscara, incomodando os olhos, mas nem isso a fez diminuir a passada. Só quando chegou ao destino, com as mãos trêmulas e o fôlego entrecortado, ergueu o pergaminho selado. — A-m… É… é da Corte Áurica! — arfou ela, curvando-se enquanto estendia a mensagem com a reverência de quem carregava algo de suma importância.

    Por um momento, o silêncio caiu sobre o covil imundo. A líder viu de longe o nome de seus inimigos gravado na cera vermelha, um detalhe que, por mais que não fosse, já era olhado como uma provocação. 

    Mas, afinal, o que a Corte Áurica queria com um bando de triviais renegadas?

    — Passa pra cá — a líder pegou a carta, e com suas íris azuis indo de cima a baixo, começou a ler os ideogramas asahianos.

    Conto-lhes a história de um ronin trivial que após viver anos como um animal solitário entregou-se à adrenalina de matar e transformou-se em um caçador irracional inspirado em uma besta mutiladora. A origem: uma incógnita, o rosto: um mistério, e a habilidade: talvez um perigo, ou quem sabe, uma dádiva.

    Três homens camponeses da região perceberam que a fauna áurica estava desaparecendo e tentaram investigar. Mas ao adentrarem no Bambuzal de Arashi e encontrarem um ser transtornado vestido nas peles de um tigre… era tarde demais.

    Todos terminaram decapitados, suas cabeças foram empaladas no topo de bambus, uma notícia que espalhou-se rapidamente e alcançou os ouvidos da população.

    Ninguém sabe se aquela foi a primeira vez em que aquele homem matou humanos, mas está claro que ele não dá trégua para nenhuma espécie; e a floresta, outrora viva, tornou-se um cemitério de almas mortas com uma única exceção: um ronin, e sua espada.

    Todavia, a arrogância dos poderosos não permite que alguém “perca tempo” procurando por um trivial entre bambus. Por isso, o destino alinhou o trabalho para vocês, minhas queridas serviçais das sombras.

    Quero a cabeça deste na minha mesa até o amanhecer, qualquer coisa contrária resultará na caça em cima de suas “irmãs”.

    Você já falhou comigo várias vezes com seus serviços baratos. Não teste mais a minha paciência.

    — Mais uma missão, senhora?

    — … Avise todas que partiremos imediatamente. Não tolerarei atrasos.

    — Afirmativo, senhora! — Genuinamente animada por ser a porta voz da cabeça do clã, a garota partiu pelos túneis. — Meninas! Levantem-se de suas camas e afiem suas armas!

    Gritos e avisos alertavam as várias kunoichis que dormiam em instalações improvisadas pelo esgoto escuro, algumas ficavam juntas, outras, um pouco isoladas, mas o que importava era que, no final, todas se uniam por um propósito: servir à quem as fortificava.
    Mas em meio a tanto movimento e preparação, a cabeça do clã, em seu “trono prateado”, apoiava o queixo com a mão. Pensamentos preocupados atrapalhavam o foco. — … O que ele iria querer com um ronin trivial enfiado numa floresta de bambus? Ter os seppuku de Hide e Yodo esculpidos em sua mesa não é o suficiente? Haaah, que seja. Espero que a recompensa não seja as mesmas mixarias de sempre. Quem dera se existissem triviais com condição de pagar o nosso trabalho, até porque se existissem, nós não precisaríamos agir dessa forma… Tenho fé que um dia as coisas irão mudar — ela se levantou e passou a caminhar tranquilamente.

    A missão precisava ser executada em menos de duas horas…

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