A próxima parte é a final…
O Caçador Exilado, parte 6
O cheiro do ar mudou, o deslocamento da areia agia diferente.
O homem recuou um passo antes que escombros do chão o perfurassem, mas só aquilo não era o suficiente, uma grande pedra vinha em sua direção.
O bloqueio da lâmina lateralizada foi eficaz, mas o preço foi alto.
A katana cedeu, a lâmina partiu, restando apenas a empunhadura vazia na mão do guerreiro.
O velho apenas riu sarcástico, sua primeira ofensiva deu efeito. — Hoohohoo! Você luta como um animal selvagem, mas se expressa neutro como um monge — comentou ele, caminhando com serenidade e sem tirar os olhos do que, à sua frente, respirava forte — e agora? Sem essa sua katana patética? Como pretende continuar, trivial?!
As perguntas foram julgamentos incontestáveis. O ronin, mesmo inabalável, sabia que aquela era a verdade que sempre ignorou, mas que naquele momento, era difícil deixar de lado, seu corpo estava cansado.
— Hoh, sente-se limitado sem sua arma…? Entendo você. Acha que pode mudar algo, acredita que sua força pode reverter papéis, acha que pode ser o predador… Mas não vê, trivial? — O shihai abriu os braços, pedras se ergueram: objetos afiados, angulares como brocas. — Você já era minha presa desde o início!
O mundo nas costas do ronin, fechou-se: paredes de rocha formaram um arco perfeito e sem saída, um campo de execução.
A primeira pedra veio como um flash; o ronin desviou e tentou avançar, mas outra veio logo em seguida; o impacto, mesmo não direto, fez seu corpo voar e atingir a parede; ele caiu ajoelhado, e então mais uma… e mais uma…. e mais uma.
As dores não importavam, nem os cortes, os hematomas, as falhas nos reflexos, o que importava era a realidade: aquele trivial, que enfrentara bestas que a natureza conjurava, agora percebia… Não era como enfrentar um tigre selvagem, um enxame furioso ou uma manada descontrolada. Daquela vez, seu oponente, além de avassalador, possuía a experiência e a astúcia de um humano treinado.
Pela primeira vez, o homem sentiu-se subjugado na batalha… e nada parecia capaz de salvá-lo.
Levitando pedras, o velho continuava com seu veneno sonoro. — Sabe, gosto de uma definição para o seu tipo: gotas de garoa que insistem em cair num oceano que nunca aumentará. Triviais são pequenos, fracos, destinados… ao nada! — Mais uma pedra atirada.
Olhos brilhando entre a escuridão observavam a luta, e principalmente, sua líder, aguardando um comando. Mas a chefe não soltou um som, apenas levantou uma mão e apertou com mais força a empunhadura de uma das espadas em suas costas para sentir algo real entre os dedos enquanto presenciava um igual sofrer.
O homem que caçava áuricos, estava sendo caçado.
O macabro sorriso cortado se alargava a cada nova pedrada; um predador insatisfeito com o sofrimento da presa saboreava cada impacto e reação vazia do trivial ajoelhado.
As pedras ricocheteavam contra e músculos ossos, deixando hematomas profundos e cortes irregulares. Mas o homem não reagia, apenas mantinha a respiração estável, como se estivesse meditando, absorvendo a dor como um ritual. Ele não demonstrava desespero, raiva ou medo, apenas aceitava, aguardando algo.
Então, o ar rasgou.
Uma kunai cortou a escuridão e buscou a lateral da cabeça do velho shihai, mas foi interceptada pela rocha, que desceu em seguida e revelou o rosto sério da líder do velho perante o avanço da líder das kunoichi.
Com ambas as mãos segurando as empunhaduras das espadas curtas ainda embainhadas, a ninja corria com os olhos fixos no inimigo.
O velho shihai compreendeu, sua diversão momentaneamente foi interrompida. O homem foi deixado de lado.
Próxima o bastante, a kunoichi, em um movimento rápido, puxou as wakizashis e iniciou os ataques. Cada golpe vinha de um ângulo imprevisível: de cima, de baixo, cortes que buscavam articulações, que apesar de idosas, não eram alvos fáceis.
O shihai antevia as ofensivas, sua aura endurecia como escudos de pedra onde quer que fosse necessário. — Impressionante… — murmurou ele, desviando-se de um golpe rente ao pescoço. Ele viu um detalhe: uma das lâminas não apenas bateu contra a pedra, ela a cortou como papel.
As espadas afiadas e letais tinham anormalidades, o brilho tênue na lâmina… algo quase áurico, mas não completamente, era algo que desequilibrava a batalha.
O shihai saltou para trás, seus olhos brilharam em reconhecimento. — Ahh… entendo agora. — Ele girou os ombros, aquecendo um corpo que há tempos não se movia com esforço. — Você possui uma arma áurica.
Nada mais foi dito, as lâminas falavam pela kunoichi.
O combate recomeçou, entretanto, o shihai não pôde apenas desviar com tranquilidade. Os próximos passos exigiam mais que um simples gesto da mão, os cortes eram mais perigosos.
O sorriso de escárnio sumiu de lábios idosos. A aura de pedra, antes impenetrável, era cortada em fragmentos.
O trivial ajoelhado respirava, sentia a dor pulsante, seus olhos estavam na luta, porém, aquele olhar neutro finalmente conheceu outro sentimento: a aflição.
Ele reconhecia aqueles movimentos, acompanhava o fluxo, e mesmo sem forças, não queria que aquela cujo nunca tinha sentido antes se ferisse…
A kunoichi deslizou pelo chão de terra de joelhos dobrados e o corpo rente à areia, desviando de uma rocha que fora convocada do nada. O shihai girou a palma da mão e fez o solo abaixo dela trincar e explodir num estouro de pedras que deveriam tê-la jogado para o alto, mas não atingiu, e a resposta foi rápida. Uma das lâminas riscou a lateral de seu rosto, uma fina linha vermelha marcou-se na pele já cheia de cicatrizes.
O cheiro ferroso do próprio sangue o fez ranger os dentes. — Tch… — Pedregulhos adensaram-se1 ao redor dos punhos como placas brutas.
A ninja girou as espadas, alternou as pegadas, e partiu para mais cortes.
O rosto do shihai se fechou numa carranca, a diversão inicial foi suprimida pela veracidade do perigo. Porém, o que para ele era incômodo, para a kunoichi era estratégia.
O corpo leve deslizava os pés leves sobre a terra. As estocadas não tentavam golpear brutalmente, mas sim minar, testar, gastar a energia do alvo e encontrar o ponto exato para o corte decisivo. E por um instante, pareceu que conseguiria. O olhar treinado entre roupas pretas captou a sutil lentidão na defesa do adversário, uma brecha se abriu.
Mas para a investida final, a defesa foi sacrificada.
O punho envolto em pedregulhos disparou como um martelo, atingindo o peito da kunoichi com um impacto que rasgou o ar. O corpo dela foi lançado para trás, colidindo contra o solo com violência, rolando pela terra até se deter.
Em silêncio, o shihai abaixou o punho, estalando os dedos e sentindo o efeito residual do golpe. Envolvendo seu corpo, uma manifestação áurica oscilava num misto de cinza e marrom, intransponível. De olho na mulher caída, ele sorriu e começou a caminhar. — Admirável, admirável. Você me entreteve mais do que eu esperava, devo admitir. É veloz como uma cobra, e afiada como uma garça. Mas… — Ele parou a poucos metros, observando a mulher que tossia, tentando se erguer, mas o corpo se recusava a obedecer com a mesma firmeza de antes. — Agora, me pergunto… Você terá a audácia de se levantar, ou aceitará seu lugar, como todos os seus companheiros estão fazendo?
— N-ningueḿ… está entregue!
Uma explosão de fumaça engoliu o campo de batalha. As ninjas saltaram, várias sombras adentraram por aquela cortina cinzenta. O que acontecia por ali era mistério…
Sorrateiramente, uma quarta figura se moveu silenciosa nas sombras. Diferente das outras, essa não atacou. Ela se aproximou do trivial ajoelhado.
— A-m, senhor — com olhos tímidos e passos cuidadosos, uma kunoichi surgiu ao lado do homem caído — você ainda está em condições de continuar? Precisa de ajuda médica?
— …
— Olha — uma katana com detalhes vermelhos foi desembainhada da cintura — você pode usar esta katana… se ainda quiser lutar.
A lâmina reluziu à fraca luz, e o ronin ergueu o olhar. Seus olhos, antes envoltos em neutralidade, repousaram sobre o aço limpo da katana. A kunoichi, sem palavras, abaixou a cabeça. O trivial, em silêncio, aceitou a lâmina.
Mas não era suficiente.
O homem ergueu a outra mão e apontou para a empunhadura preta — quase roxa — visível nas costas da ninja, que se surpreendeu com a reação.
O pedido era claro: ele queria duas katanas.
— Essa aqui é um pouco grande, mas tudo bem se você quiser usar…
A fumaça dissipou-es, a própria noite revelou os corpos das kunoichis jazem inertes e espalhados, um contraste frio e brutal contra a terra manchada de dor e sofrimento.
No meio de tudo, o shihai permanecia de pé, marcado por ferimentos que ainda queimavam, mas o coração batia como um tambor de guerra, acelerado, fervilhando em raiva, aguardando o próximo ataque.
E ele veio.
Tão rápido que parecia ter atravessado o espaço em um piscar de olhos, o homem investiu contra o velho, com suas duas katanas riscando o ar com um zunido fantasmagórico. O primeiro ataque da lâmina mais longa arrancou uma fagulha das pedras que o velho conjurava em defesa, o segundo rompeu qualquer barreira, o terceiro foi direto contra a carne, afundando na pele enrugada e abrindo um rasgo profundo; e não parava, os golpes vinham, sobrepostos, a lâmina vermelha e a negra trabalhavam juntas como extensões de braços.
Mas a pergunta era: como seria possível um homem que claramente não tinha hábito com espadas duplas manejasse aquelas armas com tamanha fluidez?
A resposta estava posta em sua existência desde o início, seu pai quem a fez. Por anos observando movimentos, o homem não precisava de tempo, não precisava de treino, somente ver, entender e replicar.
Naquele momento, era o velho quem recuava. Cada passo para trás era acompanhado por um corte, cada tentativa de contra-ataque era destruída antes mesmo de nascer. As pedras que tentava erguer eram cortadas, estilhaçadas antes de tomarem forma, a confiança de um shihai diminuía conforme se via encurralado, forçado a se defender como um homem comum.
No exato instante em que olhos perceberam a inevitabilidade, um vulto surgiu entre a noite.
A kunoichi surgiu ao lado do guerreiro, suas wakizashi tilintavam com um brilho prateado; e antes que o velho pudesse reagir, a areia já voava em seus olhos, cegando-o.
Foi como um instante suspenso no tempo que os dois triviais se olharam; eles sabiam: o próximo movimento não poderia falhar.
As quatro lâminas se ergueram ao mesmo tempo, faixas de metal que refletiram a luz antes de cortarem de uma vez.
Foi tudo muito rápido, tão rápido que olhos normais mal conseguiriam acompanhar. O brilho do corte, a pele se separando, o sangue explodindo em um jato quente contra a noite. Não houve grito, não houve dor, somente o vermelho tingindo o escuro.
O corpo tombou em seguida, sem força, sem vida, e os dois triviais, envoltos pelo sangue da batalha, guardaram suas espadas nas bainhas. A noite se fechava mais uma vez, selando o destino daquele que ousou enfrentá-los.
- envolveram-se rígidos[↩]
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