Índice de Capítulo

    “Essas luzes piscando… Esse silêncio… Aqui está abandonado? Não, tenho certeza que não.” Akemi não conseguia afastar a sensação de que estava sendo observado.

    Cada sopro de vento gelado que passava, trazendo consigo um odor metálico de ferrugem, apenas aumentava a apreensão do rapaz, que esfregava os braços para aquecer-se. “Uuuuh, que frio! Por que eu concordei com isso mesmo? Ah, sim, só pode ser porque sou um idiota!”

    Continue agachado e fique perto de mim. Tem uma porta ali, nós vamos até ela — sussurrou Miya, seguindo próxima à parede pela direita. Seus passos eram tão cautelosos quanto os de um gato, não emitindo som algum.

    Como se você fosse me deixar ter outra escolha — murmurou Akemi, tentando imitar a postura furtiva da companheira. Passando as mãos pela parede, ele sentiu uma poeira espessa grudar em seus dedos. “Ugh, me pergunto se algum dia alguém já limpou esse lugar.”

    Eles avançavam com cautela até a porta de ferro de formato oval, cujas dobradiças enferrujadas testemunhavam anos de abandono.

    Agachado atrás de Miya, Akemi analisava a porta próxima. “Isso parece até a entrada de um sacrário gigante…”

    O que você acha que tem a-

    Espera! — Miya rapidamente cobriu a boca de Akemi com a mão — você ouviu isso…?

    — É! Você tinha que ter visto! — exclamou uma voz esnobe, escapando através da ventilação mais próxima, no rodapé da parede curva — a filha caçula daquela seorina estava em choque, matei todos! — O orgulho na fala destacou um tom cruel.

    Os jovens se entreolharam, refletindo surpresa e estranheza, logo após, eles se aproximaram ainda mais da ventilação para ouvirem melhor.

    — Senhor, por favor, não leve essas almas inocentes como conquistas — retrucou a voz de uma moça, suave e controlada, mas com um toque de irritação contida — o objetivo é consolidar o poder de Asahi, não precisamos executar qualquer um que vier pela frente.

    Bah, formalidades! — rebateu o pernóstico — seorinos não passam de camponeses, fáceis de manipular. Eles estavam aterrorizados demais para resistir. Foi divino torturá-los nas chamas da guerra! Estamos há muitos anos nessa, mas sinto como se só estivesse começando!

    — A resistência desse alvo é pequena, todavia a atenção que isso atraiu de Meilí é preocupante. Não será nada vantajoso para nós se eles decidirem disputar terras seorinas, ou talvez, usarem essa situação como uma ponte para se vingarem da gente.

    — Fala do país que nos tornou potência emergente no continente? Até superamos o elemento primário deles, aquelas técnicas chamejantes ridículas não nos incomodam mais.

    — Concordo, mas lembre-se de que os meilianos ainda possuem relações fortes com Medved.

    — Medved?! Hahahaaaa…! Esses aí estão em guerra civil há mais de cinco anos! Têm preocupações muito maiores do que o risco de uma nova derrota. Nosso exército áurico é o melhor de todo o continente, e a expansão de Asahi é inevitável! Vamos intimidar Meilí e sufocar Medved com nosso poderio. São ordens do Imperador Hero: DOMINAREMOS TUDO!!!

    — Que assim seja, senhor…

    Um silêncio interrompeu a conversa, sobrando apenas o medo de Akemi, que perdidamente buscava entender a situação.

    “M-ma-ma-ma-ma-mas o quê?! P-pensei que as guerras tinham acabado! Não estávamos em paz?!”

    A falta de informações faziam um coração disparar.

    “Ataques à Seorim? O que estão falando nessa porta? São militares? Parecem mais psicopatas! O que tá acontecendo…?! E espera um pouco…”

    Por outro lado, Miya exalava uma fúria fervilhante; os relatos que escutava pareciam atingi-la como um ácido, porém o que queimava em seu corpo era o mais puro ódio.

    Miya! — chamava Akemi, praticamente gritando em voz baixa ao perceber a reação da companheira que não dava respostas — Miya? Tá tudo bem? Responde! — Ele cutucava-a no braço, mas não recebia atenção.

    Os olhos verdes da garota brilhavam em laranja; pequenas chamas dançavam em suas íris. Para completar a feição raivosa, dentes flamejantes rangiam de frustração.

    Covardes — murmurou a garota, a fervura em sua voz era tão quente quanto suas emoções.

    “O-o que essa menina tem em mente?! Ela não vai entrar lá, né?!” Akemi se arrepiava de medo pelo que escutava, contudo, a ferocidade de Miya o deixava bem mais aflito. “Não, ela não pode continuar assim! Ela precisa se tranquilizar!” Ele sentia um calor se espalhando, uma breve degustação do poder latente de uma Miyazaki; mas ele tinha que tentar contê-la. — Ei, se acalme! Você não pode perder a cabeça aqui…

    Ao ouvir o pedido, Miya fechou os olhos lentamente; respirando fundo, ela tentou canalizar sua raiva para encontrar o foco que precisava.

    Mas antes que pudesse relaxar por completo…

    Tap… tap… tap…

    O som de passos, lentos e pesados, descia das escadas.

    Como se o mundo estivesse em câmera lenta, os jovens viraram a cabeça e espiaram pelo canto dos olhos arregalados. Seus corações batiam juntos, sincronizados pela tensão crescente.

    E então, vislumbraram apenas fragmentos: a barra de uma calça branca presa por uma bombacha, balançando calmamente acima de um coturno preto, completando assim a base do uniforme de quem descia as escadas.

    O barulho sutil do solado batendo vagarosamente no ferro das escadas trazia ao presságio uma vinda iminente…

    Miya agiu sem pensar duas vezes. Num movimento rápido e ágil, seus dedos encontraram a borda da grade próxima no rodapé. Com um impulso, ela a puxou para cima, tornando a ventilação desprotegida e acessível.

    “Mas o qu-” Akemi foi agarrado pelos tornozelos, não tendo tempo de reagir ao ser derrubado no chão como um boneco e puxado para dentro da abertura escura, ficando deitado ao lado de Miya, que logo fechou rapidamente a ventilação para usá-la de esconderijo.

    Apesar de todas aquelas ações, o barulho foi mínimo.

    O que você tá faze-

    A garota rapidamente cobriu a boca do falante. Não respire.

    Tentando ajeitar os corpos deitados, os jovens roçavam a pele no metal gelado. Apenas o bater de seus corações era audível dentro da ventilação, pois assim como Miya, Akemi nem cogitava respirar…

    Finalmente, a figura que descia as escadas passava, preenchendo o túnel com seu semblante autoritário.

    A identidade era inconfundível.

    “Não pode ser! O que o diretor faz aqui?!”

    Jin Ichikawa, um nome que Akemi conhecia bem, embora nunca tivesse imaginado encontrá-lo ali em uma presença avassaladora.

    Mesmo saindo da vista pela ventilação, os passos do diretor seguiam lentamente…

    Posteriormente, o barulho de uma porta metálica sendo aberta chegou aos ouvidos dos escondidos.

    — Marechal Ichikawa, qual o fim da convocação? — perguntou a moça pela chegada de mais um.

    — Vim informar sobre a guerra civil de Medved.

    — Rá! Tava falando disso agora — disse o esnobe — mas o que uma guerra interna de outro país poderia me interessar?

    — Meus infiltrados vasculharam alguns refúgios que foram destruídos, o estrago era grande, e estava cada vez mais difícil achar membros da resistência por entre a neve densa. Era questão de tempo para que os Volks dominassem Medved por completo.

    — Claro, entendo… — o vaidoso parecia impaciente — era de se esperar que triviais não tivessem a menor chance contra áuricos. Agora, conte-me o que isso tem a ver com a gente?

    — O Czar ressurgiu — afirmou Ichikawa, entoando a pronúncia medvediana como uma execração.

    A informação trouxe uma breve quietude.

    “C-Czar…?!”

    Os jovens escondidos tiveram seus olhares esvaziados, como se suas almas tivessem partido.

    — … Hãn?! Hahaaa! Foi mal, meu marechal, isso aí é impossível — comentou o arrogante, dessa vez com preocupação estampada na voz — ele foi morto há mais de quinze anos, eu mesmo vi com os meus próprios olhos.

    — Sei como se sente, eu também estava lá. Conquanto, acharam resquícios recentes da névoa negra em áreas recém-sucumbidas da resistência.

    — Você só pode estar de brincadeira, Jin. Deve ser outro alguém com a mesma aura, um herdeiro ou algo do tipo.

    — Negativo. É fato que o Czar eliminou todos seus possíveis sucessores. Sabemos o que ele buscava: ter herdeiros só o atrasaria. Só existiu uma pessoa com aquela aura, é inegável que ele ainda esteja vivo…

    “Czar… vivo? Não, isso só pode ser mentira!” Apavorado, Akemi observava Miya, percebendo que ela compartilhava do mesmo suor frio gerado pelo nervosismo; entretanto, a garota demonstrava um foco intenso na conversa que se desenrolava.

    — Senhor, o que faremos então? As missões em Seorim serão cessadas? — questionou a moça, também receosa.

    — Negativo. Soube que Meilí planejava disputar territórios seorinos com as nossas tropas, e se eles mantiverem a aliança com Medved em estado estável, teremos grandes problemas novamente.

    Bram!

    Alguém bateu em uma mesa.

    — Então vamos ficar aqui esperando igual panacas?!

    — Guerras territoriais são complexas e dependem de vários fatores. Por enquanto, manteremos as ordens sugeridas pelo império. Mas deixo-os avisados para que possam proteger suas famílias, principalmente a sua.

    Vup-wooosh!

    Juntamente de chamas ferozes, uma cadeira foi arrastada.

    — E-ei! General! Sente-se novamente! — alertou a moça.

    EU SEI MUITO BEM COMO DEFENDER MINHA FAMÍLIA!!! — Ffu-woosh! Ffu-woosh! Um som de fogo sendo manipulado enchia o ar, como se alguém estivesse em chamas. — NÃO SOU COMO O VERME DO MEU IRMÃO!!!Ffu-woosh!EU NUNCA DEIXARIA ALGO ACONTECER COM QUEM AMO!!!Ffu-woooshhh-pow!

    “Caramba! O que foi isso?! Quebraram uma mesa?!”

    — General! Por favor… — implorou a moça, angustiada.

    — Eu matava, degolava, esquartejava e queimava qualquer um que pretendesse machucar a minha esposa, independente se ela precisasse de ajuda ou não! É por essas e outras que somos uma família mais forte desde a última troca de mandatária!

    — Ho ho ho! Nem você concorda plenamente sobre sua colocação final — retrucou Jin, com um tom descontraído inicial. — Então, há mais algo a dizer, Katsuro?

    “K-Katsuro…?!” Akemi teve suas reações de surpresa alastrada drasticamente.

    — Argh! Me retirarei por agora! Uma perda de tempo vir a esta reunião medíocre! Tenho muitas ordens a dar e muitas táticas a planear! Até uma outra oportunidade!

    Braamm!

    A porta supostamente foi aberta com um chute, o barulho do impacto ecoou por todo o túnel. Sequencialmente, passos raivosos seguiam rumo à escada…

    O garoto de olhos arregalados abriu a mente ao ver a pessoa que passava na sua frente. “É-é… o General Katsuro Miyazaki…”

    Com passos de fogo, postura rígida e ombros largos, Katsuro Miyazaki, General de Exército do Quinto Regimento Áurico, extravasava seu nervosismo.

    Após participar de uma conversa que claramente não o agradava, Katsuro esfregava as mãos pelos cabelos médios penteados para trás. Sua barba grossa, por sua vez, sugeria que ele já tivesse passado dos quarenta anos de idade.

    Uma faixa rubra cruzava diagonalmente o peito, ostentando três medalhas, enquanto a farda vermelha e preta com botões e detalhes dourados brilhava com a intensidade da aura ígnea. O traje destacava o corpo robusto e definido do militar, juntamente de uma capa negra que, além de cobrir os ombros onde a patente era exibida, balançava suavemente ao sabor da brisa fria que acessava o corredor. Luvas claras e coturnos brancos completavam o conjunto, conferindo-lhe um ar heroico em contraste com a personalidade ardente do usuário de fogo.

    Cap-27-Scene-1   

    “Então era ele por trás desse papo o tempo todo! Como o marido da matriarca pode participar de diálogos assim…?! Miya deve ter uma resposta.”

    Akemi via o olhar desdenhoso da garota perseguindo o militar que passava. Aparentemente, ela já sabia da identidade de Katsuro desde o começo daquela conversa.

    — Perdão pelas ações dele, Marechal Ichikawa. 

    — Fique tranquila, você é apenas uma mediadora, não deve nada a ele. Vamos, preciso conversar com mais pessoas, ainda estamos no começo do dia.

    Como uma maré implacável, as informações pesavam sobre os jovens, que ainda escondidos, tentavam processar a enormidade daquela situação, mas era como segurar areia entre os dedos.

    Terminada a conversa, os restantes saem da sala finalmente passavam ao lado do duto de Miya e Akemi.

    Andando próxima a Jin, a suposta mediadora era exteriorizada, vestida em um hakama branco com um kimono de tecido escuro que refletia a luz piscante, destacando o mon — emblema de família — bordado em seu peito. O cabelo amarrado da moça realçava a elegância no olhar centrado. Realmente, era uma pessoa culta.

    Os jovens aguardaram em silêncio, o tempo se arrastou até o desaparecer dos passos na distância.

    Vamos — sussurrou Miya, aliviada ao abrir a grelha da ventilação.

    Ambos emergiram do largo duto retangular e sacudiram a poeira de suas roupas acadêmicas pretas.

    Naquele momento, o ambiente parecia menos opressivo, mas a urgência da situação não fugia.

    O-o que foi tudo isso?! — indagou Akemi, afobado apesar da voz baixa.

    Eu sei, é confuso, mas se o governo planeja cometer crimes e fazer coisas horríveis com países vizinhos, temos que impedi-lo.

    Tá louca?! Somos só nós dois contra shihais de grau altíssimo!

    Miya colocou uma mão firme no ombro do garoto, tentando transmitir coragem através do toque. — Não estaremos sozinhos. Temos aliados, só precisamos encontrá-los.

    Você não entendeu?! Não é só sobre essas invasões, há um perigo ainda maior! O que você acha que pode fazer se o Cza-

    Wwoooossssshhh…

    Sorrateiramente, depois de uma leve ventania, uma sombra destacava-se na luz falha entre os jovens…

    Ninguém movia um músculo sequer.

    Psicologicamente apavorado ao sentir a presença de algo, Akemi tinha o seu suor frio como o único movimento da cena. 

    — Huummm, vejo que há jovens aventureiros se intrometendo em assuntos fora da própria capacidade, que imprudência lastimável — a voz era familiar, porém, um tom ameaçador a modificou, envolvendo-a em uma incógnita que enregelava1 os alunos descobertos…

    1. Travava.
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