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    A noite foi inquieta. Os problemas com Eryk, as intrigas envolvendo minha Casa… tudo parecia se multiplicar em minha mente, tornando o sono escasso e fragmentado. Eu mal adormecia e já despertava, até que, em um desses momentos de vigília, fui tomado por uma sensação estranha, como se estivesse consciente, dentro de meu sonho, em um lugar escuro. Então, vozes começaram a ecoar ao meu redor.

    — Honestamente, não sei se essa é a resposta, meu amigo… — uma voz feminina, firme e sábia, murmurou ao longe, aproximando-se.

    Tentei virar-me para a fonte da voz e vi uma mulher de beleza impressionante. Devia ter uns 35 anos, com cabelos e olhos avermelhados que cintilavam sob a aba de um chapéu de feiticeira. Seu nome se projetou em minha mente: “Malena”. Como eu sabia disso, não fazia ideia, mas era como se seu nome sempre estivesse ali.

    E então, senti minha boca se mover sozinha, palavras fluindo como se eu estivesse repetindo um papel já ensaiado, era a lembrança de outra pessoa que eu estava vivendo.

    — Não há outra forma… — as palavras saíram, não da minha própria vontade, mas como se eu estivesse revivendo uma cena antiga.

    — Garton e Sixxas morreram lutando… Só restou a gente — continuei, lágrimas escorrendo em nossas faces, como se minha voz fosse um eco do passado.

    Malena me olhou com intensidade, dúvida e tristeza em seu semblante, como se ela imaginasse o caminho escolhido por mim.

    — Eu sei, mas ainda assim, não tenho certeza se esse é o caminho, não pode ser. Mana é vida, energia, pureza… e o contrário? Será que você vai conseguir suportar isso, Mahteal?

    O nome ecoou em minha mente. Mahteal… aquele era meu nome ali, na cena, ou seria o nome de outra pessoa? Antes que pudesse refletir, uma resposta saía por meus lábios, com amargura.

    — A névoa roubou tudo de nós, nossa terra, nossos amigos… ela se tornou parte da mana, você mesma fez as pesquisas… e precisamos derrotá-la. Eu pago o preço que for necessário. Estou disposto!

    Mahteal, com sangue e outros ingredientes místicos, desenhou um círculo mágico, se posicionou e ergueu os braços, concentrando a mana, sentindo-a correr e pulsar em meu corpo. Canalizei o fluxo, reunindo toda a energia em meu núcleo de mana. Palavras estranhas escaparam da minha boca, e uma dor lancinante percorreu meu corpo, como se meu próprio núcleo estivesse se fragmentando. A mana, antes pura e cristalina, começava a se contorcer, a escurecer e corromper, transformando-se em algo que eu nunca tinha visto: uma energia escura e densa, oleosa, quase venenosa.

    Pela primeira vez, eu testemunhava a criação do “miasma”, uma anti-mana carregada de rancor e fúria.

    Malena recuou, seus olhos arregalados em choque, tristeza e frustração.

    — Isso é… loucura… — sussurrou ela, com a voz embargada. — Não posso mais continuar ao seu lado, amigo. Mesmo com você morando em meu coração, não posso aceitar essa sua escolha. — Com um gesto rápido, ela abriu um portal e desapareceu, sem olhar para trás.

    Mahteal gritou em desespero e raiva, e o miasma se intensificou em seu corpo, consumindo-o enquanto ele abandonava completamente a mana e entregava-se àquela energia sombria. Eu podia sentir o miasma amplificar seus sentimentos mais sombrios, suas lembranças e rancores, sua vontade para vingança.

    De repente, a cena desapareceu, e voltei a mim, sentindo o frio do oceano de mana que existia em minha mente. Diante de mim, estava a minha contraparte sombria, observando-me com um olhar enigmático.

    Olhei para ele, sentindo o peso da visão que acabara de testemunhar.

    Minha sombra olhou para mim, suspirando como quem perdeu a paciência.

    — Isso foi estranho… — murmurou, referindo-se à visão. — Eu te trouxe aqui para te puxar a orelha… não para te mostrar memórias antigas.

    Ele deu um passo à frente, como se o que acabara de dizer fosse um detalhe qualquer e prosseguiu sem hesitar.

    — Até agora você nem começou seu treino. Nenhuma respiração, nenhuma meditação, nada… nem uma balançada de espada decente não essa… (ele apontava para minha virilha). Sinceramente, estou decepcionado.

    Pensei em protestar, mas ele tinha razão. Em meio aos planos, conspirações e a recente mudança de identidade, eu não havia sequer me preparado para o que estava por vir.

    — Aproveita que a gente está aqui e dá uma olhada no mercado de escravos. Deve ter algum tutor básico pra iniciar seus estudos. Não adianta pegar alguém muito avançado; vai sair caro e, além do mais, todo o conhecimento avançado de que você precisa está aqui. — Ele apontou para a esfera negra que pairava atrás dele, uma massa sombria e pulsante.

    Em seguida, ele atirou algo em minha direção. — Pegue. Mas cuidado para não mostrar isso por aí…

    Instintivamente, segurei o objeto — uma pequena esfera negra e densa. No instante em que meus dedos a envolveram, senti uma onda de calor percorrer meu coração de mana. Um grito de dor quase escapou da minha garganta, mas o sufoquei. Algo sombrio, um pequeno ponto negro como piche, estava agora no centro do meu coração de mana, quase imperceptível, mas incrivelmente incômodo. Era como se uma presença estranha e perturbadora tivesse sido implantada dentro de mim.

    E então, como se a esfera tivesse liberado informações em minha mente, eu compreendi, de forma instintiva, o básico sobre o miasma e como manipulá-lo.

    Minha cabeça girava, em choque e com náusea pela sensação desagradável. Minha sombra, no entanto, parecia indiferente, com um ar impaciente.

    — Esse tipo de atalho vai mais te prejudicar do que ajudar… — avisou ele, com uma voz firme. — Vá treinar de verdade, do começo… Você tem quase sete meses até o torneio, e do jeito que estamos, vai ser um vexame só…

    Acordei bem antes de Nix naquela manhã, sentindo-me inquieto e oprimido pelas visões da noite anterior. A presença da esfera negra dentro do meu coração de mana era como uma lembrança persistente da influência de Mahteal. A semente de uma dúvida começava a surgir em minha mente sobre minha contraparte. Era perturbador pensar que algo dele, talvez até mesmo sua vontade, pudesse estar impregnado ali. As palavras da minha sombra me vieram à mente: por mais que eu hesitasse, ele estava certo sobre uma coisa. Eu precisava de força — mas uma força que fosse verdadeiramente minha, sem depender de atalhos ou influências de um poder emprestado.

    Sem fazer barulho, levantei-me e saí do quarto, deixando Nix descansar. Já havia decidido meu próximo passo. Com o torneio se aproximando, eu não podia desperdiçar tempo. Precisava de um guia que me ensinasse os fundamentos — alguém que me ajudasse a trilhar esse caminho desde o início.

    Enquanto caminhava pelas ruas ainda pouco movimentadas, o ar da manhã fresca fazia meu sangue esfriar um pouco, clareando a mente. Minhas dúvidas e temores tinham que esperar. Caminhando na ampla marquise do mercado de escravos senti o clima de decadência e angústia presente. Ali, entre os olhares tristes e conformados de tantos prisioneiros, eu procuraria alguém com o conhecimento de combate ou magia básica.

    Passei por várias barracas, observando com cuidado. Alguns vendedores ofereciam lutadores brutos, treinados para a força, mas pouco hábeis em ensinar. Outros exibiam acadêmicos de olhar cansado, especialistas em teorias arcanas, mas sem a vivacidade prática de um guerreiro. Eu precisava de algo entre os dois — alguém com experiência em batalha e habilidades com mana, porém acessível o suficiente para ser um tutor inicial.

    Finalmente, parei diante de uma tenda modesta. O escravo que estava em exibição tinha um porte atlético, mas seus olhos não eram selvagens; transmitiam astúcia e disciplina. Deixei que o negociante, um homem de meia-idade com um sorriso calculista, se aproximasse antes de perguntar:

    — Esse homem tem conhecimento em mana e combate?

    O vendedor deu um sorriso satisfeito, percebendo meu interesse genuíno.

    — Sim, senhor. Ele é um guerreiro versado em técnicas de mana. Não verá nenhum encantamento impressionante, mas ele conhece o básico como poucos. Pode treinar você desde os fundamentos até o domínio da força interna.

    Eu analisei o homem por mais alguns instantes, tentando discernir se ele realmente seria o que eu precisava. Se ele fosse o instrutor adequado, poderia me ajudar a desenvolver minhas habilidades sem recorrer aos perigos do miasma.

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