Capítulo 40: O corvo negro
Olhei para Claire e as garotas antes de me levantar, indicando com um movimento sutil para que me seguissem até o gramado.
— Vamos lá para fora.
As três me seguiram sem questionar.
Quando chegamos ao local, me virei para Selune, observando sua expressão enquanto dizia:
— Selune, quero que você avalie o conhecimento mágico de Claire e entenda o que ela espera aprender. Por enquanto, mantenha nossos segredos guardados.
A elfa arqueou uma sobrancelha, visivelmente contrariada. Eu sabia que não era exatamente o que ela desejava fazer, mas, após um instante, ela assentiu.
— Nix, venha comigo. Quero testar uma coisa.
A raposinha abriu um sorriso que ia de orelha a orelha e me seguiu de maneira quase saltitante.
Embrenhamo-nos no mato que rodeava o gramado, afastando-nos da vista das outras duas.
— O que exatamente você está procurando? Ou será que só queria me trazer para o meio do mato? — brincou Nix, corando logo em seguida com a própria sugestão.
Ri suavemente da provocação.
— Estou procurando algum animal… um pássaro, um esquilo, qualquer coisa…
— Com o barulho que você está fazendo, só com muita sorte — respondeu ela, rindo baixinho.
— E você acha que consegue fazer melhor?
Nix imediatamente ficou séria, balançando a cabeça em afirmativa.
— Fique aqui. — Sua voz foi baixa, quase um sussurro, antes de desaparecer entre as árvores.
Fiquei parado, observando incrédulo enquanto ela simplesmente se fundia com a floresta ao seu redor. Não havia um som sequer, nem mesmo o estalar de galhos sob seus pés. Era como se a própria floresta a aceitasse como parte dela.
Minutos depois, Nix voltou segurando um corvo nas mãos. A ave era magnífica, suas penas negras brilhando como obsidiana sob os feixes de luz que escapavam pela copa das árvores.
— Uau — murmurei, impressionado com sua habilidade. — Me ensina isso? Pode ser muito útil no torneio…
— Sim! — respondeu ela, entusiasmada, claramente animada com a ideia de passar mais tempo juntos.
Com o corvo em minhas mãos, caminhei com Nix até uma clareira próxima. Olhei para ela, minha expressão ficando mais séria.
— Isso é um segredo nosso, ok?
Ela assentiu, seus olhos brilhando de curiosidade.
Segurei o corvo com firmeza e me concentrei no núcleo de mana dentro de mim. Toquei no ponto negro que pulsava no centro, liberando uma fina corrente de miasma para dentro do corpo da ave.
O corvo começou a estremecer nas minhas mãos, seus olhos negros revirando nas órbitas. Em segundos, começou a espumar pela boca enquanto tremores violentos percorriam seu corpo. Nix assistia tudo com a serenidade de quem via um predador capturar sua presa, como se fosse algo natural.
Finalmente, o corvo deu uma última convulsão e ficou imóvel.
— Morreu — declarou Nix, sem emoção na voz.
— Droga… Não era isso que eu queria… — murmurei, largando o corpo inerte no chão.
Enquanto voltávamos para fora do mato, Nix olhou por cima do ombro para o corvo morto.
— Nenhum bicho vai comer ele… Dá uma sensação errada. Não natural, sabe?
Sua observação ecoou na minha mente enquanto saíamos da clareira. As implicações de suas palavras eram perturbadoras.
Estávamos a poucos passos de alcançar a sacada da residência que dava para o gramado quando algo inesperado aconteceu. Uma sombra negra irrompeu das árvores que nos rodeavam, movendo-se com uma velocidade assustadora em minha direção.
Um crocitar rouco ecoou pelo ar, fazendo meus sentidos dispararem. Quando percebi, o corvo que há pouco havia deixado morto na clareira pousava em meu ombro, suas penas negras emanando uma leve, mas inconfundível, aura negativa.
O momento em que ele fez contato comigo foi como um choque. Senti uma reação estranha, quase visceral, entre meu núcleo de mana e aquela criatura que, de alguma forma, não estava mais verdadeiramente viva.
Olhei de relance para Nix, que me encarava com os olhos arregalados, um misto de fascínio e medo estampado em seu rosto. Claire, que estava com Selune no gramado, parecia igualmente atônita, sua boca ligeiramente aberta enquanto processava o que acabara de ver.
Selune, no entanto, exibia uma expressão diferente. Seus olhos semicerrados estavam fixos em mim, e sua boca se curvava numa mistura de exasperação e irritação, como se dissesse sem palavras: Que raios você fez desta vez?
Sem saber exatamente como explicar, cocei a cabeça de forma desajeitada, tentando afastar o peso daquela atmosfera.
— É… Acho que deu certo? — murmurei, mais para mim mesmo do que para elas.
As três me cercavam, completamente alheias aos próprios assuntos enquanto me observavam interagir com o corvo. Nix sorria, claramente achando tudo fascinante. Claire não disfarçava o brilho de admiração em seus olhos, enquanto Selune mantinha os braços cruzados, cética.
— Não esqueça que você jurou segredo — alertei, lançando um olhar para Claire.
— Claro, eu prometo — respondeu, quase em um sussurro, ainda impressionada.
— Ele precisa de um nome — sugeriu Nix, animada.
— Ele precisa é ser enterrado… bem fundo, de preferência — opinou Selune, sem qualquer hesitação.
— Ele nem emite mais nenhuma aura negativa. Para todos os efeitos, é um animal normal agora — rebati, tentando minimizar a situação.
— Normal? — Selune arqueou uma sobrancelha. — Em breve ele vai estar por aí, se decompondo enquanto voa. Isso é super normal…
Ignorei o sarcasmo e concluí:
— Vou mantê-lo por perto. Quero avaliar como isso funciona.
— Isso! — exclamou Nix, animada. — Agora, ele precisa de um nome.
Ela começou a falar sozinha, como se estivesse organizando seus pensamentos em voz alta:
— Bem, Nix tem a ver com noite… Selune tem a ver com lua… Lior significa “nova luz” … Claire… claridade… Luz e escuridão… Já sei! O nome dele será Shade.
O mais incrível foi captar nos pensamentos do corvo uma pequena concordância com a escolha da raposa. Aquilo me fez sorrir.
— Shade, então — murmurei, acariciando levemente as penas do corvo, que crocitou baixo em resposta.
Fiz o corvo voar sobre nós, eu podia sentir a conexão entre nós se fortalecendo. Havia algo rudimentar em sua mente, como pensamentos simples que eu podia captar. Quando imaginei que ele deveria sobrevoar a residência, ele imediatamente obedeceu, seguindo minhas intenções sem hesitar.
Foi então que tive uma ideia. Concentrei-me no laço que nos conectava, tentando expandi-lo. Queria ver o que ele via, experimentar o mundo através dos olhos dele. O esforço inicial foi desorientador, como se meu campo de visão tivesse se dividido em dois. Por um instante, senti um leve enjoo, mas logo me ajustei.
De um lado, eu via o pátio gramado onde estávamos; do outro, o caminho que levava à mansão. Nessa segunda visão, reconheci Roderick vindo em nossa direção, montado em um cavalo, sua expressão carregada de seriedade.
— Vamos ter visitas — informei às garotas ao meu redor, desviando minha atenção do corvo para elas.
Nix inclinou a cabeça, curiosa. Claire arregalou os olhos, parecendo ainda mais impressionada com minhas habilidades. Selune, por outro lado, apenas suspirou e balançou a cabeça, claramente irritada.
Sem esperar por Jorjen me chamar, já me encaminhei até a entrada da mansão, com as garotas logo atrás, curiosas sobre o visitante que se aproximava.
No caminho para a casa principal, o guarda da entrada e Roderick, ficaram surpresos ao me ver ali, recebendo o visitante antes mesmo de sua chegada ser anunciada.
— Jovem mestre… — começou o serviçal, mas levantei a mão, interrompendo-o.
Olhei para Roderick, e adivinhando suas intenções, me adiantei.
— Diga seus propósitos comigo — falei com firmeza.
O homem se posicionou à minha frente, endireitou a postura e, antes de falar, limpou a garganta.
— São dois motivos. O primeiro, da Casa Vulkaris — e me entregou uma carta selada com o selo de minha mãe. — O segundo motivo é pessoal. — Ele retirou uma luva branca de seu bolso e, com um movimento rápido, bateu suavemente na minha face. — Pela honra de Lady Cassiopeia, te desafio em um duelo, com armas de sua escolha, a ser realizado em três dias, ao pôr do sol, na arena da universidade. Os aqui presentes são minhas testemunhas.
Minha expressão se endureceu, mas minha resposta foi direta. — Seu duelo está aceito.
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