Capítulo 44 - O alvorecer de uma aura
Calmamente, Miya inspirou e abaixou a cabeça.
A quietude no ambiente reinava.
Atentos, todos olhavam a garota, esperando o que viria…
Até que, de forma surpreendente, um calor intenso esquentou os corpos em volta. O gelo sob os pés começou a ceder, deixando escapar gotas de água por uma área um tanto quanto longa.
A sensação era de que havia um poder próximo prestes a explodir, ameaçando qualquer forma de vida em uma circunferência com mais de 30 metros.
Todos saíram de descansar, alertando-se para qualquer perigo iminente, praticamente em breves poses de ataque ou autodefesa.
Era uma experiência inesperada, que deixava até os mais tranquilos em alerta. E se isso afetava os preparados, quem diria os preocupados.
— Nossa, esse calor está me matando — reclamou Nikko, abanando a gola da camisa preta.
Já o pressentimento de Akemi não era bom. — E-ei! Sei que você conhece a Miya há bastante tempo, diga logo o que tá pegando com ela!
— Não sei ao certo, não estou vendo nada, há apenas calor.
Kentaro tomou a cena com sua seriedade. — Com certeza é a manifestação áurica dela. Como ela consegue transformar o ambiente assim…? E que droga é essa que tá acontecendo?!
A parte atingida do gelo começou a derreter por completo, a terra voltou ao seu estado de antes, porém, molhada.
— Magnífico! — exaltou Teruo, com as duas mãos segurando as laterais dos óculos multicromáticos como um binóculo, mirando exatamente Hiromi Miyazaki.
— Não tem nada de magnífico, só um calor insuportável — expressou-se Rin, indiferente com o clima.
— Com esses óculos, posso enxergar até a mais pura aura de qualquer um, e incrivelmente, agora estou tendo a vista mais surpreendente de toda a minha vida!
A declaração chamou a atenção de alguns por perto.
— Me passa esses óculos! — Nikko passou como um vulto na frente de Teruo, roubando seus óculos.
— Ow! Me devolve! Esses óculos não foram feitos para você! — Teruo esticou uma mão para frente, um gesto na tentativa de parar Nikko, mas foi inútil.
Os óculos já estavam nos olhos da garota, que ficou agachada com um dos joelhos no chão de terra, segurando os óculos também como um binóculo.
— Wooooooahh!
Às vezes, existem coisas na vida que nunca imaginamos visualizar: alegrias inesquecíveis, eventos seculares, tragédias incontestáveis… mas nada se comparava à beleza que só o mundo áurico podia proporcionar.
Diante dos olhos de Nikko, Hiromi Miyazaki era a imagem mais marcante que ela poderia ver naquele dia.
Não era uma manifestação qualquer, nem tampouco apenas grande; era titânica.
Em Miya, uma chama de sua altura, alaranjada, quase avermelhada, a cobria; cada molécula de seu ser pulsava com calor e energia.
Mas aquilo não passava de uma espécie de núcleo em sua manifestação, já que era somente um detalhe.
Em um segundo momento, algo muito maior era emanado. Uma chama colossal, transcendendo o físico, cobria toda a área ao seu redor. Ela não apenas ocupava espaço; ela transformava a realidade de quem enxergava.
O horizonte à volta se tingia de laranja e dourado, as ondulações da aura ígnea se espalhavam como ondas em um oceano ardente, ameaçando engolir tudo ao alcance. O próprio ambiente cedia ao seu poder, com as sombras se retraindo e as cores naturais perdendo a relevância, deixando todos imersos em um pôr do sol eterno e abrasador.
Respirando calmamente, Miya descansou os olhos. A cor laranja, com pequenos traços dourados que brilhavam e desapareciam como vaga-lumes, trazia a vida para sua energia.
Nikko não tirou os olhos. — Isso é… belo. Ela parece… uma divindade — sussurrou ela, temendo que sua voz quebrasse o encanto. E quem poderia culpá-la?
Apesar da grande parte dos alunos não estar entendendo exatamente o que estava acontecendo, até mesmo Hisako, a instrutora geralmente impassível de seus alunos desconhecidos, não conseguiu evitar o arquejo involuntário. — Fenomenal… — murmurou ela, vangloriando o espetáculo diante dela. Certamente, seus olhos conseguiam ver por conta própria.
Miya permanecia imóvel, de olhos fechados e serenos. Ela estava se concentrando, buscando mais.
Notavelmente, o calor ao redor mudava a cada segundo; não era mais um calor sufocante, era um acolhedor, como o abraço de uma fogueira em uma noite fria.
Subitamente, a manifestação finalmente tornou-se visível para qualquer um, e naquele momento, todos podiam vislumbrar o poder da garota que representava o calor do fogo.
“Oh, isso é… lindo…”
Akemi normalmente poderia se assustar ao ver uma cena como esta, mas desta vez, ele mal conseguia achar palavras para descrever. Sua admiração estava estampada na cara, ao contrário do resto de seu corpo, que ainda sentia o peso no ambiente. Porém isso não era medo, era um sentimento confuso: o coração se atraía, porém a mente, se retraía. “Tem alguma coisa errada, meu corpo está tremendo, e de alguma forma, não quer se mexer. Eu virei uma estátua?”
Algo pulsava por baixo, um perigo latente. A própria aura testava a ousadia de quem por acaso quisesse tentar um ataque.
Akemi sabia do suor escorrendo pela testa, e não era só pelo calor. Ele apertou os punhos e tentou organizar os pensamentos. “Ela é mesmo capaz disso? Como é possível alguém carregar tanto poder assim? Isso é o que significa ser um Miyazaki?”
A instrutora, que assistia em silêncio, reluziu orgulho e um toque de preocupação em seu rosto. — Garota…
O som de seu gênero foi o suficiente para Miya abrir os olhos lentamente. E então, todos perceberam.
Seus olhos estavam diferentes. Não eram mais aqueles olhos de jade; eram dois sóis ardendo com uma intensidade que deveria ser insuportável para a retina humana. Eles irradiavam confiança e serenidade e força, mas também algo mais profundo; algo transcendental.
Hisako piscou algumas vezes antes de se recompor. Um sentimento de respeito se estabeleceu na militar perante a jovem, como se fossem iguais, apesar da evidente diferença de experiência. — Já é o bastante.
O breve anúncio foi o que fez Miya cessar sua manifestação de forma súbita. Assim, o clima frio voltou aos poucos. Parte do chão de terra seguia descongelado, mas a paisagem azul perdurava nos arredores até as paredes.
A garota se curvou, mesmo após a demonstração de poder, ela ainda tentava manter o respeito sobre sua superior. — Está satisfeita… senhora?
— Satisfeita… é pouco. Você superou todas as expectativas, Hiromi Miyazaki — a instrutora tocou o próprio coração; em seus lábios, um sorriso raro — você é… inspiradora.
Miya ergueu o corpo novamente, o calor ao redor dela já não existia mais. — Fico feliz que tenha agradado — respondeu ela, mas apesar da satisfação da instrutora, sua feição seguia normal, assim como os seus tranquilos olhos esverdeados.
Enquanto isso, Akemi sentiu o peso da própria insignificância. Massageando o braço, ele olhou para o chão, de coração pesado, seus olhos finalmente temeram. “Ela… foi incrível. Nunca poderia imaginar que veria algo assim um dia… Só que, e se existir outro alguém como ela? Ou quiçá mais forte?! Ah, com certeza existe uma pessoa assim por perto… Como eu poderia competir com isso? Será que eu sequer pertenço a este lugar?”
Mas Miya percebeu — ela sempre percebia — e em sua típica maneira doce com quem conhecia, decidiu intervir antes que Akemi se afundasse mais. — Ooi, Akemi! — gritou ela, tentando soar casual, mas entregando mais — fica tranquilo, um dia você chega lá! — Um sorriso meigo chegou até o rapaz.
Embora o comentário pudesse parecer provocativo, o jeito aconchegante da garota fez com que Akemi levantasse a cabeça, surpreso com o comentário.
“Ela… estava me vendo? Estranho, é como se ela soubesse o que estou pensando de longe… Mas a verdade, é que com certeza ela quer me motivar.”
Por fim, ele sorriu aliviado. De agora em diante, a visão daquela chama imensa permaneceria gravada em suas memórias. E deste modo, o rapaz percebeu algo: não importava o quão distante ele se sentisse daquilo; era ali que ele queria chegar. Era justamente essa sensação de poder que ele queria conquistar. Lógico, a favor dos seus bons ideais.
— Por acaso conhece aquele garoto?
Uma pergunta repentina de Hisako pegou Miya desprevenida. Ambas olharam para o garoto não tão distante.
— Sim. É um companheiro de curso, afinal.
— Compreendo… Bom, senhorita Miyazaki, acredito que não preciso estender ponderações perante a vossa aura. Apenas devo agradecer pela dedicação a este desafio.
— Não há de quê — A garota se curvou novamente.
— Agora, com o fim deste segundo desafio, podemos ir ao terceiro e último desafio do dia — Hisako girou a cadeira e moveu-se para o centro da fileira da turma…
Passada uma experiência calorosa, reações incubadas floresceram.
— Nossa… — Nikko nem sabia mais o que dizer, estava impressionada.
— Poderia entregar meus óculos logo? — pediu Teruo, impacientemente desejando o acessório ao estender uma mão.
— Oh, claro! Muito obrigada! — A garota devolveu.
— Hm, obrigado — Teruo os colocou de volta.
Nikko continuou ouriçada, ela ainda não acreditou no que viu. — Mas gente! Vocês viram aquilo?! Foi incrível!
— Definitivamente vislumbramos um evento formidável. Meus óculos conseguiam facilmente ver a manifestação na primeira forma, entretanto, aquela garota decidiu expandir ainda mais. Ela deve possuir poderes inimagináveis comparados a nós.
Akemi também refletiu sobre o que presenciou. — A verdade é que eu não sabia sobre uma manifestação áurica por si só conseguir provocar efeitos nos arredores. Aquele calor era… tenebroso…
Kentaro não perdeu tempo para explicar: — São duas auras eternas, era de se esperar que o fogo surtisse efeito sobre o gelo.
Teruo aproveitou o momento para ressaltar: — Mas como bem notado por este garoto estranho, uma manifestação é apenas uma representação visual do nosso poder. Aquele calor foi suspeito, mas pode só ter sido um erro no controle da Miyazaki. Ela deve ter se esforçado muito para tal.
“Errar? Por mais que ela pareça não gostar dessas situações, não acho que ela se daria o luxo de falhar na frente de um militar.”
Nikko estava com um sorriso nostálgico. — É engraçado pensar como ela está aqui conosco. A acompanhei quando esteve em Taira, mas nunca senti tanta força provida de alguém. Ela melhorou muito!
— … Acho que não nos devemos deixar enganar — recomendou Rin, seus braços cruzados aperfeiçoando a pose de quem não se impressionava mostrava o quão convicta estava do que dizia. Ela continuou sem olhar diretamente para ninguém.
De mãos na cintura, Kentaro a estranhou. — Hãn? Como não foi nada? Não viu o que acabou de acontecer? Senti que poderia ser torrado em segundos!
— Conheço bem uma manifestação áurica no máximo, até o descontrole absoluto do próprio poder. O que vocês viram não é nada — Rin tentou esconder o desconforto sobre o que pensava, mas estava difícil. Os alunos por perto perceberam.
— O que você quer dizer, Kurosawa? — perguntou Nikko, curiosa.
— Mais ou menos como você disse, é curioso que um áurico com um poder como aquele esteja entre nós como recrutas numa academia militar. Há algo a mais naquela garota.
— Algo a mais? — repetiu Akemi, confuso.
Kentaro tomou a conversa. — É, agora sinto como se aquela garota estivesse querendo tirar a gente pra merda. Ela pode ter uma manifestação forte, mas quero saber se ela é tudo isso na hora do “vamo vê” — ele aqueceu o punho na outra mão.
— Você com certeza não iria querer enfrentá-la — confirmou Rin, alfinetando o rapaz.
— Tá achando que sou fraco porque fui derrotado por uma shihai, é?
A garota de olhos roxos colocou uma mão no queixo e olhou para cima, é claro que ela queria provocar. — Sabe, sua insolência me faz pensar que eu tenho é certeza.
Kentaro sentiu ao desviar o olhar, murmurando: — Hm, vamos ver quem é o insolente no final…
Do outro lado da fileira em U, os Miyazaki esperavam a instrutora ir até o centro da turma.
Nihara não tinha ideia de como se comportar ao lado da prima. Seu corpo estava estático, mas sua mente, inquieta. Certamente, o que acabara de vivenciar não o agradava. — Sabe que não vai ser assim para sempre, né, Hiromi? — sussurrou ele, a cabeça retraída para baixo fazia com que sua familiar ao lado não conseguisse ver seus olhos, na verdade, ela nem tentava.
A pergunta foi ignorada, mas a busca por respostas não parava.
— Diga logo! Está com ele aí agora, não é?
— … Não. Está guardado e em boas mãos.
A revelação, por mais curta que fosse, atraiu um olhar irritado, porém no fundo, pasmo. — Ei! Fale mais baixo…! Mas peraí… Você… tá falando sério?
Olhos azulados tentaram achar a verdade no semblante de Hiromi, onde uma postura sem chances de escape para a seriedade adotava a pureza de uma jovem que nunca estaria mentindo.
Enfim, a realidade se infiltrou em Nihara, batendo pelos cantos mais sombrios de sua consciência.
O ígneo paralisou, vazio enquanto os próprios pensamentos o consumiam. “Já se passaram tantos anos. As pessoas… elas se adaptam. Mas ela… ela se tornou um monstro…” Seus olhos se apertaram por um instante, buscando refúgio de algo invisível, algo que o perseguia.
O que se passava na cabeça daquele permanecia um enigma, e talvez ninguém jamais conseguisse conceber o que realmente estava acontecendo. Nem mesmo ele.
Pelo visto, Nihara temia a força da parente, uma força que aparentemente não vinha sendo atualizada em sua mente. O que poderia ser o estado atual desse poder o deixava preocupado, e só Hiromi sabia até onde ela pretendia ir com tudo aquilo…
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