Capítulo 45 - Consequências dos problemas de família
— Bem, alunos! — Hisako chamava a atenção, animada — alguns podem ter achado esse segundo desafio uma perda de tempo, ou até sem sentido, mas saibam que ele foi de suma importância para o procedimento a seguir. Para começar, preciso que se aproximem.
A fileira curva e um pouco desordenada atendeu às orientações da instrutora.
— Excelente. Agora, farei uma breve convocação.
A turma inteira entendeu o momento crucial em que estavam naquele exato momento. A sensação era de que, se o seu número fosse chamado, já seria motivo prévio da vitória.
— Zero Oito! Venha ao meu lado! — O pedido foi forte, o chamado de um campeão.
— … Eu sabia — reclamou Kyoko, fazendo corpo mole ao andar.
— A baixinha? — indagou Akemi — por que escolheu ela? Só porque é parente?
Nikko extravasava empolgação. — Não sei, só sei que torcerei muito por ela! Vai lá, Kyozinha!
De frente para a garota que caminhava sem o mínimo esforço, Hisako mostrou seu sorriso orgulhoso. — Kyo! Minha linda princesa.
Kyoko levou dedos aos olhos. Se pudesse, sumiria ali mesmo. — Princesa?! Ah, é cada coisa que eu tenho que me submeter — murmurou ela, logo olhando para a bisavó — diga logo o que você quer de mim, anda.
Quando sua convocada chegou perto, Hisako aproximou o braço para trazê-la ainda mais próxima de seu corpo. — Oh, Kyo, não seja assim com a sua velhinha… — ela a envolveu com uma das mãos, massageando seus ombros — você era tão doce quando bebê, foi só crescer um pouco que já pegou toda a braveza de um adolescente problemático. Mas você sempre será a minha princesa.
— Desde quando você achou uma boa me chamar de… princesa? — O apelido foi entoado com nojo.
Hisako soltou a bisneta e girou as rodas para frente a uma distância mínima, seus olhares aos céus relembravam memórias. — Você já se esqueceu? Quando era criança, você adorava brincar de reinado. Você era a princesa, e eu, a sua rainha. Era tão divertido… — As lembranças aqueceram o coração da veterana.
— Para de pensar besteira, isso já faz mais de uma década.
De cabeça erguida, Hisako continuava de costas para a jovem. — Exato. Desde então, você nunca mais quis brincar comigo, nem cogitou me visitar. Isso machuca, sabia?
A garota recuou as mãos e fechou os olhos, sem remorso. — Eu não tenho culpa, você foi pra guerra e eu tive que crescer. Não teríamos tempo de forma alguma-
— Kyoko, quando você realmente sente apego ou o mínimo amor que seja por um membro da mesma família, você pelo menos envia cartas, procura saber como ele está. Você não sabe o quão isso pode melhorar o dia de uma pessoa nos estágios finais da vida.
A baixinha suspirou antes de olhar sério para a sua progenitora. — Haaah… Certo, quer que eu me desculpe? — Pof! Em um movimento brusco, ela curvou-se por completo e colou a testa no chão de terra molhada.
A militar girou a cadeira para o lado, o bastante para jogar de relance o seu olhar levemente atônito à garota no chão.
Mas Kyoko não deu brecha para qualquer ponderação. — Altíssima Digníssima Tenente-Coronel Hisako Shimizu! Veterana de Guerra deste tão prestigiado Exército Asahiano! Peço perdão pela minha falta de companhia! Como sua herdeira, deveria prestar o mais alto reconhecimento! Novamente, peço mil perdões! — Apesar da longa descrição, sua voz não estava de brincadeira.
Hisako observava, surpresa e um pouco risonha. — He ho ho! Você é uma figura, Kyoko. Definitivamente é uma integrante do clã Mizu — seguidamente, ela começou a levar a cadeira na direção da garota. — Entretanto, infelizmente não posso aceitar esse simples tipo de pedido de desculpas.
Ao escutar a negação, Kyoko tirou a testa do chão, assim encontrando o rosto rejuvenescido da bisavó se aproximando. Embora naturalmente franca na seriedade, a garota estava minimamente receosa. — Então… o que você quer que eu faça?
Perto o suficiente, Hisako colocou suas mãos nas bochechas da bisneta, acariciando-as. Sua amabilidade conquistaria o coração de qualquer admirador dos valores familiares. — Você, como a boa menina que era, irá brincar de reinado comigo… mais uma vez. Você será a princesa, e eu, a rainha.
A que tinha as bochechas apertadas não entendeu direito o pedido. — Bom… A gente pode fazer isso depois. Eu ainda tenho aquele castelo de brinque-
Crsssh!
A boca de Kyoko foi tampada por um pedaço de gelo semelhante a uma mordaça.
— Ooh, shh shh shh shh shh… Apenas… fique tranquila… — O rosto de Hisako recebeu um sorriso que seria dado como macabro a qualquer um que visse de perto — eu tenho o meu próprio castelo!
Ffuuuuuuuuuuussssshhhhh…
Uma corrente nevada rodeava todos os presentes. Novamente, aquela tempestade voltava, mas como o olho de um furacão, trazendo pedaços do gelo cristalinos que embelezavam a vista, ou talvez, preocupasse.
Um pequeno terremoto açoitou o solo, tanto a terra, quanto o gelo. O tremor fez com que os alunos, que escutavam toda a conversa dos Shimizu, tentassem se manter em pé, uns atentos, outros… extremamente preocupados.
— Que besteira elas estão fazendo?! — indagou Kentaro, irritado.
— Não sei, mas certamente isso é fruto da instrutora! — informou Teruo, segurando os óculos para que não voassem.
— A GENTE VAI SER CONGELADO DE NOVO???!!! — gritou Akemi, quase caindo.
Um ambiente ainda mais gélido era formado, o chão onde havia terra exposta voltava a ser tomado pelo gelo.
— Ei, fica calmo! — chamou Nikko — nenhum instrutor faria nada de mal com a gente! Só tome cuidado com os pé- — BRUUUUUUM!!! Uma imensa plataforma de gelo ergueu todos às alturas — –ÉÉÉÉÉÉÉZ!!!
A força da gravidade pegou Akemi desprevenido, derrubando-o no chão.
— Se segura, garoto bisonho!
Para o rapaz, tudo tremia. Então, ele decidiu fechar os olhos e aceitar o aumento de sua frequência cardíaca, encolhendo o corpo, protegendo a cabeça. — Ah! Eu não aguento mais esse chão gelado, assim eu vou vomitar! Faz ela parar!
Rum!
Bruscamente, o solo se firmou. Mas a visão de Akemi seguiu turva.
— Ow, levanta! — Nikko tentou ajudar, puxando o braço do caído.
— Ahm… Espera… minha cabeça dói… — O mundo ao redor girava enquanto Akemi tentava se levantar, seu corpo tremia sob o efeito da tontura.
— Ai, vamos, para de ser mole!
— Eu sei! Não é a primeira vez que me pedem isso! — Quando o garoto ficou de pé, seus olhos firmemente fechados e mão na cabeça realçaram o desconforto que sentia. Porém, quando finalmente os abriu, o que viu o deixou sem palavras. Seus lábios se moveram, mas nenhum som saiu à princípio. O cenário diante dele não seria imaginável nem nos mais profundos sonhos, ou quiçá pesadelos. — … Nikko… onde diabos estamos…?
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