Capítulo 46 - O "reino" de gelo
Em um gelo polido, detalhado como um piso de madeira, os pés de Akemi falharam por um instante.
Um frio que deveria irritar narizes trazia um frescor puro, o ambiente rejeitava qualquer coisa corrompida.
Naquele espaço amplo e vazio, a primeira coisa que chamou atenção foram as colunas de gelo, altíssimas e perfeitamente esculpidas, o que devia ser o interior de um castelo; não um castelo qualquer, este lugar carregava a essência da antiga Asahi, com telhados provavelmente curvos e ornamentos intrincados. As paredes, decoradas com desenhos infinitos de montanhas glaciais, eram de um azul profundo, dando a entender que absolutamente nada podia atravessá-las.
Akemi tremeu, mas não era só de frio, ele sentiu um peso. O castelo o vigiava por dentro.
“Q-que lugar é esse?”
— Nikko… — ele chamou, de olho nas estruturas gélidas — isso aqui é real?
Fora da percepção de Akemi, Nikko não respondia. Ele não sabia o que a garota estava pensando, mas entendia que talvez ela estivesse maravilhada pelo teto abobadado, onde cristais pendiam como candelabros, refletindo luzes em todas as direções.

— Mmm! Mmmmm!
O rapaz escutou um alto murmúrio vindo de trás. Seus pelos se eriçaram antes mesmo de virar-se; até que seus olhos castanhos imediatamente foram capturados por uma figura destacada a certa altura.
À frente de um altar imponente, ladeado por degraus largos de gelo esculpidos para o lazer de uma divindade, estava Hisako em sua cadeira de rodas. Sua alegria, ao contrário da frieza ao redor, era radiante. Todavia, alguém ao lado dela tornava a percepção da visão preocupante: Kyoko.
Todos podiam ver a baixinha sentada em um trono de gelo, que à primeira vista, poderia ser majestoso, mas quanto mais olhavam, mais percebiam a verdade: o trono era uma prisão. Grossas correntes de gelo prendiam seus braços e pernas, e sua boca seguia tampada por uma mordaça de gelo. Seus olhares, normalmente bravos, traziam algo diferente: indignação e um traço de desespero.
O altar era cercado por pilares menores, cada um entalhado com ideogramas antigos que emitiam um brilho esbranquiçado. Atrás do trono, uma imensa janela revelava um céu azul carregado de nuvens, iluminando o interior do recinto.
— Mmmmm! — Kyoko tentava gritar e se debater, mas não havia meios, estava completamente imobilizada.
— Acalme-se Kyo — ao lado do trono, Hisako falava com a aprisionada — você e eu estamos apenas brincando, como era antes… — ela aproximou o rosto no da tataraneta com um sorriso maternal, mas havia algo de profundamente errado — só que dessa vez, quem dita as regras sou eu!
Akemi teve um aperto no peito ao ver a situação. — O que fizeram com ela?! E-ela não pode ficar ali! — Involuntariamente, suas pernas tentaram avançar embora o tremor vexatório — temos que fazer alguma coisa.
— Tá doido, menino?! — Com uma mão, Nikko segurou o peito do garoto, afastando-o. Seu olhar não brincava — fica paradinho aí. Agora só podemos esperar e ver o que a instrutora quer.
Hisako voltou o rosto para a turma abaixo de seu campo de visão, o olhar era subjugante. Seus braços abertos a faziam uma verdadeira rainha da voz aprofundada na potência. — Queridos alunos! Sejam muito bem-vindos ao meu grandioso castelo áurico! Aqui, suas maiores limitações serão enfrentadas ao máximo, e a nossa pequena princesa aqui será o centro de tudo. Vocês terão que salvá-la!
— Essa mulher é maluca! — exaltou Akemi, segurando sua voz para que a instrutora não o escutasse, diferente de alguns que o olhavam de canto.
Entre o bolo de jovens, Kentaro coçou a cabeça pelo atordoar da ascensão repentina. — E isso era pra ser algum tipo de brincadeira?!
Hisako sorriu suavemente, a interrupção era esperada. — Ah, meu querido, você entenderá em breve, tudo isso faz parte do nosso desafio. Agora, fiquem atentos. Irei separá-los em grupos.
— Grupos? — perguntou-se Minoru — não me diga que teremos que atacá-la de novo… — Uma desanimação o atingiu.
— Só espero não ficar em uma equipe que me atrase — comentou Nihara, rude.
A instrutora decidiu então explicar para todos: — Inicialmente, teremos os três primeiros grupos: Os Heróicos!
— Heróicos? Que nome ridículo… — murmurou Rin.
— Os integrantes de cada grupo serão exclusivamente separados aos meus critérios, a começar por agora! — O anúncio tomou o foco de todos, ansiosos por saber com quem estariam. — Os que chamarei neste momento participarão do grupo 1 de heróis, então, por favor — a mulher apontou para um espaço isolado à sua esquerda, no piso onde os jovens estavam — dirijam-se para cá os seguintes alunos…
Nihara fechou os olhos e fez figas com as mãos. — Por favor, um grupo fraco não, grupo fraco não…
— Zero Um!
Para a surpresa de alguns, Akemi foi chamado e logo caminhou para o local apontado.
“Legal! Fui o primeiro a ser escolhido…! Isso deveria ser de algum mérito?”
— Zero Dois!
— Positivo, senhora! — Nikko prestou continência e partiu até onde Akemi estava, trazendo um pequeno alívio para o primeiro selecionado.
“Ufa, que sorte… Pelo menos alguém com quem eu tenho mais conhecimento… Espero que ela não queira me matar em algum momento.”
A preocupação inquietava Aruni. — Será que ela fará os grupos de acordo com a nossa ordem numérica?
— Não sei, mas… — respondeu Sho, pensativo — contando a ausência de Kyoko, somos quatorze alunos selecionáveis, e… se serão três grupos de heróis…
— Não. As contas não batem — interrompeu Teruo, olhando para a instrutora no alto — porém estou ansioso para entender os critérios estabelecidos…
— Zero Sete!
— Olha só, um fora na ordem — comentou o dos óculos coloridos, ajeitando-os para que visse melhor.
Sem mais, Mayumi caminhou em silêncio, seu semblante focado encantou alguns que a observavam.
“Sanada? Bom, eu não conversei muito diretamente com ela, mas acredito que ela possa agregar positivamente para a nossa equipe. Ela parece ser forte.”
— Dez!
Minoru partiu até os integrantes do grupo 1.
“Caramba, é um do grupo do Nihara! Não sei se isso é uma boa, tomara que ele não cause problemas…”
Quando os quatro já chamados ficaram lado a lado, Hisako os olhou diretamente. — Enfim, vocês quatro formam o primeiro grupo de heróis. O grupo Fênix!
— Fênix? — repetiu Akemi, confuso.
— Positivo. Escolhi este nome pois o desempenho de vocês nos primeiros dois desafios não foi tão bom. Alguns eu esperava mais, e outros me surpreenderam na falta de várias características de um futuro shihai — a revelação pegou o grupo de surpresa, eles não imaginariam tamanha descontentação.
Porém, Hisako não deixou ninguém totalmente desinformado.
— Dez, você parece ser um bom guerreiro, mas não pode ficar somente a serviços de seus companheiros. Deve mostrar a que veio.
Apesar de surpreso, Minoru foi motivado pelas palavras.
— Zero Sete, você não optou pelo primeiro desafio, e sua energia áurica é baixa. Espero mais de um membro do Clã Sanada.
Mayumi curvou-se. — Farei o meu máximo para o vosso agrado, senhora.
— Zero Dois, tua vontade é notável, mas precisa de mais foco, parecia se segurar demais. Terá de mostrar sua verdadeira força.
— Entendido! — Nikko prestou uma nova continência, mas não conteve a raiva interna ao falar entre dentes: — se eu tivesse a minha arma você ia ver!
— … Zero Um… — uma entonação mais enfurecida tomou conta. O olhar de cima a baixo tornou-se ainda mais medonho — você simplesmente não fez nada, nem sequer tem um núcleo áurico vivo em você. Está devendo horrores, não só pra mim, mas principalmente para a ASA.
Akemi sentia-se o centro de atenções negativas, o que realmente era. O modo como estava sendo tratado o seu desempenho não podia ser ignorado por ninguém, e ele sabia que não lhe restava mais nada além de se desculpar. — Prometo não decepcioná-la! — Curvar-se foi a resposta, acompanhada de um suor frio na testa. Pupilas diminuídas mostravam a tamanha pressão.
— Então, neste desafio, terão que, assim como uma fênix, mostrar do que são capazes, representar as suas verdadeiras forças! Renascer das cinzas…! Vindo lááá de baixo…
O destaque em seu último detalhe atraiu os alunos selecionados.
— Vindo… lá de baixo? — questionou Minoru.
— Exatamente.
Mayumi deu um passo à frente. — Perdão, senhora, o que deveria significar o termo “vindo lá de baixo”?
— Estão com dúvidas sobre essa minha colocação?
Iconicamente, todos do grupo Fênix olharam para a instrutora com um olhar confuso e acenaram positivamente com a cabeça.
— He ho ho…!
Impaciente, Minoru não entendeu a risada e passou a mão no cabelo. — Ah, o que será que é tão engraçado?
A voz meiga de Hisako acolhia os olhares dos perdidos. — Vocês podem ficar tranquilos! Suas dúvidas serão sanadas em três… dois… um… — A instrutora fechou os olhos, concentrando-se em algo, mantendo um silêncio.
— Eu falei que essa mulher é maluca…
— O que ela tá fazendo agora, hein? — questionou Minoru.
— É como se ela estivesse calculando — disse Mayumi.
Nikko apoiou as mãos na cintura, lançando um olhar confiante ao grupo. — Relaxa, pessoal! Estamos no topo de um castelo, devem existir andares inferiores. A instrutora deve estar apenas decidindo a melhor rota para nos guiar até em ba-
Crsssshhh!
Repentinamente, o chão gelado sob os pés dos quatro alunos se partiu em um estrondo repentino, despedaçando-se completamente. Sem aviso, os jovens caíram, sentindo o ar sendo arrancado de seus pulmões enquanto despencavam rumo ao desconhecido.
E é claro, a queda tirava bons gritos.
— AAAAAAAAAAAAAAAHH!!!
Todos caíam mais rápido a cada milésimo. Um outro piso foi percebido, consequência? Mais uma área abaixo foi quebrada.
Crsssshhh!
A queda livre continuava, e mais um piso apareceu, entretanto, o processo se repetiu, confirmando o trajeto incessante dos jovens até o desconhecido abaixo.
Crsssshhh!
— AI, CARAMBA!!! ISSO NÃO PARA!!! ISSO NÃO PARA!!! EU NÃO QUERO MORRER!!! — Desgovernado, Akemi tentou se segurar no ar, mas suas mãos não alcançavam absolutamente nada. Ele sentiu o vento cortar sua pele, frio e afiado, enquanto o coração martelava como um tambor de guerra.
— PARA DE GRITAR!!! ISSO NÃO VAI AJUDAR EM NADA!!! — orientou Minoru, porém, tão desesperado quanto o outro, mas controlando melhor a queda do corpo assim como Nikko.
Curiosamente, Mayumi era a com menos reações gritantes; contudo, seu corpo inclinado para baixo, braços juntos nas laterais do tronco e um característico olhar vazio para o chão, davam a entender que ela já aceitou o pior dos destinos.
Crsssshhh!
— AAAAAAAHH!!! — Os gritos de três do grupo continuavam, ninguém sabia ao certo o que fazer, temendo quando o impacto viria.
— AÍ, ICHIKAWA, FAZ ALGUMA COISA!!! — Minoru olhou para Nikko, seu rosto assustado não contava mais com as olheiras. Pelo menos desta vez ele estava bastante ativo.
— E-EU NÃO SEI SE VAI DAR CERTO!!!
— E A GENTE LÁ SE IMPORTA COM ISSO???!!! ANDA LOGO!!!
— TUDO BEM!!! — Nikko endireitou-se no ar, seus olhos seguiam arregalados e seus dentes pressionados. Ela cruzou as pernas na posição de lótus, estabilizando-se como se estivesse numa plataforma invisível, e com uma força englobada ao improviso, começou a mover os braços em círculos opostos, um no sentido horário, o outro no anti-horário. A dessincronização proposital nos movimentos criou uma corrente de vento que envolveu o grupo, reduzindo a velocidade da queda aos poucos.
Crsssshhh!
Mais um piso se desfez em uma explosão de estilhaços gelados, mas, para o alívio de todos, o próximo finalmente se manteve firme. O fluxo de ar, ainda turbilhonante pela queda prolongada, trouxe uma brisa de falsa segurança, dando promessas de estabilidade no meio do caos.
Descabelado, Akemi caiu de bruços, mole como uma gelatina, sua mente girava como um carrossel descontrolado. — Ugh… — Ele tentou se levantar, mas o corpo não obedeceu. Seus pensamentos fervilhavam, cada um mais desesperador que o outro. “Eu vou vomitar! Eu vou vomitar…! Ou… eu vou desmaiar…? Ai, só sei que mais uma vez fui derrubado por aquela maldita instrutora. Nunca mais… nunca mais quero passar por isso de novo!”
Já Nikko foi a última a alcançar o solo; embora o cambaleio de seus pés antes de encontrar o equilíbrio. De pé, a garota esticou os braços para o alto como se tivesse acabado de fazer uma maratona, e não uma queda vertiginosa. — Nossa! Isso foi divertido, não foi, gente?! — disse ela, com um sorriso travesso insinuando irrelevância no despenco.
Estirado no chão, Akemi a encarou com seus olhos incrédulos. — Divertido? A-ai… — ele gemeu ao se levantar e arrumar o cabelo — olha, não entendo como você consegue agir tão normal numa sobre toda essa…
Porém, sem que pudesse protestar mais, o ambiente foi revelado. Era uma caverna de gelo escuro, refletindo a breve luz de estalactites que ameaçavam cair.
À frente, havia dois buracos, aparentemente passagens para o seguimento do desafio.
Nikko caminhou até Akemi e depositou uma mão no ombro do garoto. — Bom, acho que temos bastante trabalho pela frente…

A ilustração abaixo serve como um lembrete visual da aparência do Grupo Fênix, que estará em ação a partir daqui!

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