Capítulo 516 - Vento Amarelo
Ouvindo o comentário sarcástico e provocador, o homem forçou uma risada, com algum desgosto.
“O que você espera que eu faça, Tenente? Por acaso quer que eu levante e sapateie de felicidade?” Viktor indagou, dessa vez voltando seu olhar para as bandagens, com uma carranca, enquanto apontava para onde deveriam estar suas pernas. “Esses desgraçados me tornaram a porra de um aleijado e colocaram isso em nós, não há nada a fazer.” esbravejou, enquanto erguia os braços, mostrando um par de braceletes vermelhos presos aos seus pulsos, essas eram Algemas Ardot.
Diferente das Algemas de Evral, que eram mais comuns, feitas unicamente de Aço Anão, composto de uma série de materiais que apenas a raça Anã sabia mesclar e fabricar, as Ardot eram uma variação muito mais poderosa. Criadas usando fragmentos de Ardorium, um tipo de metal vermelho encontrado apenas nas montanhas de Vatheron Karad. Um metal que possui propriedades que se mesclam perfeitamente ao Aço Anão, potencializando a quebra de fluxo de mana e tornando-o muito mais resistente. Graças a isso, era possível conter até mesmo Majores e alguns Generais mais fracos, muito menos Capitães e abaixo.
Ouvindo isso, Gallia franziu a testa, olhando para si própria. Em seus pulsos também havia o mesmo par de braceletes vermelhos. Como uma Maga, presa por Algemas Ardot, ela não era muito diferente de uma pessoa comum, apenas com Atributos levemente maiores. Com seu baixo Físico, até mesmo as Evral comuns eram suficientes para contê-la.
“Não fale alto, vai atrair Soldados para uma nova vistoria.” A mulher reclamou, com uma expressão gelada, enquanto verificava novamente a janela. “Não precisamos fazer nada, mas também não temos que ficar parecendo um bando de fracassados. Uma hora os Leões Dourados virão-”
Antes que ela pudesse terminar de falar, Viktor Yudin riu alto.
“Os Leões Dourados? Aqueles malditos abandonaram nossa cidade à própria sorte após sabotar nossas defesas. Você realmente espera algo da Cidade Dourada? Não seja tola, não lembro de você ser tão ingênua.”
A Tenente franziu novamente a testa, ela própria já estava ciente disso.
“Nosso pessoal ainda está lá fora, com algum tempo eles voltarão.”
Humph!
Com um bufo frio, o homem sorriu com desdém, achando essa ideia ridícula.
“Mandamos um bando de novatos com alguns poucos Tenentes e um Major, provavelmente a maioria já virou carne moída na guerra contra os Orcs. Além disso, mesmo que todos retornassem vivos, em frente aos exércitos dos Elfos Negros… eles não são nada. Se não fosse por aquela pessoa fazendo um acordo de rendição, eles teriam nos exterminado naquela noite.” Yudin disse, seu rosto escurecendo ao lembrar-se da batalha desesperada de resistência que as forças de Vento Amarelo haviam levantado, agarrando-se a esperança de que as Legiões enviariam reforços.
Naquele dia, ao ver as sombras negras invadindo as planícies a partir do Noroeste, assim como os Corcéis Negros dos Svartalfars liderando os exércitos, o homem sabia que estava tudo acabado. Mesmo assim eles decidiram lutar!
Graças a Matriz Defensiva de Vento Amarelo ser muito mais poderosa que de outras cidades comuns e com a liderança do General Kalfas junto as Guarnições, conseguiram resistir por dois dias e duas noites. Mas, obviamente, com tal diferença desproporcional de força, assim que a Matriz caiu após turbilhões de magias lançadas, as muralhas foram rapidamente penetradas e os portões invadidos.
Gritos silenciosos e grunhidos eram ouvidos por cada esquina e beco da cidade, enquanto Elfos Negros surgidos das sombras ceifafavam as vidas dos soldados um após o outro. Kalfas, o Major Wos, os Capitães e Tenentes tentaram desesperadamente levantar uma defesa, mas quando os Svartalfars chegaram tudo que houve foi um massacre unilateral.
Naquele dia, Viktor Yudin viu com seus próprios olhos o poderoso General Kalfas sendo cercado e derrubado como uma criança indefesa, mesmo o infame Major Wos foi morto em instantes, enquanto ele próprio sequer pôde entender o que estava acontecendo, quando se deu por si mesmo um Senhor Élfico havia passado por ele e antes que percebesse, estava no chão, com suas duas pernas desmembradas.
Assim o temido Cão Louco da Décima Terceira caiu sem sequer conseguir revidar. Quando achou que estava morto, a Bruxa Gélida o arrastou pelas ruas da cidade. Sem tempo para curá-lo ou sequer fazê-lo usar poções, a mulher acabou tomando uma medida extrema, congelando suas duas pernas para que não morresse em decorrência da hemorragia, enquanto fugiam. Ainda assim, as sombras negras com passos silenciosos e vultos negros nos telhados os perseguiram de perto.
Quando se viram encurralados e sem saída, algo aconteceu. O chão começou a tremer e os céus escuros de repente se iluminaram num brilho carmesim, enquanto raios de fogo trepidavam nos céus, logo toda Vento Amarelo parecia tornar-se um inferno escaldante, com uma luz intensa tomando conta de tudo. Estava tão claro que mesmo os Elfos Negros não conseguiam mais usar as sombras para se esconder.
Nos céus, os três Campeões Élficos que observavam tudo sob o véu da noite surgiram, batalhando com uma figura reluzente como o sol. Após um breve confronto e poderosas ondas de choque, grande parte dos edifícios da cidade caíram, causando baixas tanto de Humanos, quanto de Elfos Negros.
Nem Viktor e nem Gallia sabiam o porquê, mas o confronto logo cessou, quando ambos os lados pareciam ter entrado em um acordo. Em instantes a figura nos céus que surgiu de forma tão brutal e avassaladora, se foi igualmente rápido, desaparecendo na escuridão da noite. Logo os Campeões Élficos declararam que os Humanos que se rendessem seriam poupados.
E assim Vento Amarelo caiu, enquanto os sobreviventes tornaram-se reféns, e a Cidade Dourada, que deveria ser sua esperança, nunca respondeu aos seus pedidos de ajuda.
Recordando de tudo isso, a expressão de Viktor Yudin era feroz. Toda a lealdade que tinha para com a Legião havia morrido naquele dia.
Gallia tinha uma expressão pensativa ao ouvir sobre as tropas que haviam sido enviadas para o Sul, como se sua mente estivesse em outro lugar. O homem na cama deixou sua fúria reprimida apaziguar-se e logo percebeu isso.
“Ainda pensando no seu protegido?” perguntou, com uma voz rouca. “O garoto provavelmente está morto, você sabe disso melhor do que ninguém. Mesmo que Raul esteja com ele, vai ser difícil até mesmo para ele próprio sair dessa vivo, muito menos proteger alguém.”
Ouvindo isso, a mulher olhou para o Capitão com seu par de olhos azuis, sua expressão fria como sempre, mas em seus olhos um forte brilho que era difícil de esconder.
“Eu não teria tanta certeza disso…” afirmou, lembrando-se de seu aluno.
Viktor estava prestes a dizer algo, quando a porta foi subitamente aberta. Uma mulher loira, com roupas velhas e a pele cheia de sujeira, entrou apressadamente.
“Você finalmente voltou, achei que tinha morrido em algum beco escuro, Dakota.” Gallia disse, suas palavras eram frias, mas sua expressão mostrava que ela estava contente em revê-la.
Com um sorriso despojado, a mulher loira brincou com a situação.
“Você sabe que eu não morro fácil, minha querida Tenente. Em comparação aos lugares que já passei, essa cidade infestada de Elfos Negros é como um resort.”
“Para alguém que está em um resort, você parece mais uma mendiga.” Gallia disse, enquanto observava suas roupas esfarrapadas e seu cabelo sujo.
“Ossos do ofício, mesmo que eu queira esbaldar minha beleza, isso atrairia muita atenção.” respondeu, com uma risada.
“Corte o papo furado, Subtenente, se você voltou, é porque tem algo a relatar, assim espero.” Viktor disse, sua voz cheia de autoridade, sua postura e olhar completamente diferentes de toda aquela melancolia que exteriorizava há um momento.
Embora estivesse irritado com sua situação ou com a Legião, decidiu não mostrar seu lado fraco em frente a outra pessoa que não fosse Gallia.
“Sim senhor, Capitão.” Dakota respondeu, enquanto levantava a mão direita, arrumando o cabelo. “Assim como ordenado, entrei em contato com alguns membros da Décima Terceira espalhados pela cidade. Temos vigiado as patrulhas e tentado investigar vestígios da localização do General Kalfas, mas os orelhudos são bem difíceis de abrir a boca, mesmo na cama…”
Tanto o Viktor quanto Gallia, franziram a testa, mas não disseram nada. Em tempos sombrios, muitas ações difíceis eram necessárias para sobreviver.
“Mas ouvi uma ou duas coisas interessantes. Parece que a vanguarda dos Elfos Negros parou o avanço e não tem mais intenção de tomar novas cidades, por coincidência ou não, soube que algo grande está ocorrendo na guerra ao Sul, algo que até esses caras estão prestando atenção.” Ouvindo essas palavras, o Capitão e a Tenente olharam com interesse para a mulher. “Ao que parece, um grande cessar-fogo foi levantado sob a supervisão dos Altos Elfos e dos Anões. Isso provavelmente tem a ver com a pausa dos Elfos Negros.”
Viktor Yudin ficou pensativo ao ouvir isso.
“Então eles devem estar receosos que o Conselho Superior volte sua atenção para o Norte, portanto estão jogando pelo caminho seguro e mantendo sua posição, para aguardar e ver o que acontece.”
Nesse momento, todos os três entenderam que isso era uma boa notícia. Se um novo acordo de paz fosse criado ao Sul, as Legiões, mesmo que a contragosto, teriam que investir esforços contra os Elfos Negros.
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