Voltando para a academia. Após Júlio partir.

    Sarah vai até a mesa. Pega as chaves e o cadeado, e se tranca ali dentro. Após pegar um colchonete no armário, o joga em num canto do tatame. Se deitando abraçada com sua mochila, sente a adaga lá dentro. Então começa a se lembrar das coisas que aconteceram, e por várias horas ela fica pensativa.

    A madrugada já domina a cena a algum tempo e até então ainda não conseguiu pegar no sono, mesmo com seu corpo exausto, ainda não consegue relaxar. Se levanta, abre a academia e a tranca por fora, jogando as chaves por baixo da porta. Pega a bicicleta e sai pedalando rumo ao oeste.

    Após vários minutos de pedaladas, chega até a torre. Já no topo, ela solta sua mochila, tira a jaqueta de lado, e se deita na plataforma enquanto olhando as estrelas e a lua. Alguns minutos olhando o vazio entre as estrelas ela fecha os olhos.

    O vento fresco da noite bate em seu cabelo, jogando fios em seu rosto e causando um leve arrepio nos pelos de seu braço. Um profundo suspiro, e seus olhos se abrem enquanto percebe a sensação do metal embaixo de seus braços. As estrelas parecem mais brilhantes do que antes.

    Ela percebe que os cachorros estão latindo e os carros com seus motores estão passando pelas estradas. Até uma coruja em uma árvore ali perto canta. Em um ato inútil, passa seu polegar direito em seu olho direito, depois no outro. Cerrando seu punho direito, o bate contra o metal da plataforma, mais uma vez, e outra, a dor é nítida, mas não o suficiente para incomodá-la.

    Ela levanta esse mesmo braço para o alto com a palma da mão aberta para cima. A lua parece estar ali, ao seu alcance. Então fecha sua mão em uma tentativa de pegar a lua, mas não consegue. Seus lábios se contorcem, sua testa franje e seus olhos se fecham um pouco. Ela se senta na plataforma de pernas cruzadas. Pega sua jaqueta, a enrola e coloca na frente de sua boca.

    É impossível ouvi-la. O mundo continua girando e as coisas funcionando, mas ali, naquele íntimo espaço, tudo está despedaçado e parado. Seus gritos abafados pela jaqueta, são tão fortes que esgotam todo ar de seus pulmões. Sua mão direita serrada se colide contra sua coxa desesperadamente enquanto é acompanhada de lágrimas e um choro de fúria.

    Mais gritos abafados e socos, vem sucessivamente por vários minutos. Ela então joga sua blusa para trás e por fim, com suas últimas forças, surge um grito que não está abafado, porém não tem som, é pura contração muscular até os dedos dos pés, que se prolonga por volta de quinze segundos, até que ela não consegue mais segurar e seu corpo todo se relaxa sem sua permissão.

    Sua cabeça está caída para baixo e seu olhar vazio. Então solta seu corpo para trás, caindo com a cabeça sobre a jaqueta enrolada. Seus olhos começam a se fechar. Em um dos poucos lugares onde ela já se sentiu amada, também é o único onde ela se sente à vontade para tirar o imenso peso de suas costas.

    As estrelas assim como a lua, se movem em direção ao oeste.  Lá no Leste surge uma luz. Todos já sentiram seu calor, mesmo assim, diariamente a aguardamos ansiosos para um novo começo. E assim como nós, ela também se renova. Em um ciclo quase infinito de reações nucleares, ela gera calor e luz, que resplandece nos corpos celestes ao seu redor e também naqueles estão longe, mergulhados na escuridão. Uma luz que é sempre acompanhada de uma promessa. A de que enquanto brilhar, viver será possível.

    Ao abrir os olhos, sente um desconforte devido à luz que bate na lateral de seu olho direito. Ela se levanta e se senta à beira da plataforma. Dá uma esfregada nos olhos e uma grande espreguiçada. Seus braços vão ao limite. Suas costas contraídas, demarcam os músculos treinados.

    Após vários minutos ali parada apreciando a vista, e o calor dos raios do Sol. Vê várias aves voando em bando, quase formando um V no céu azul, elas passam e somem em direção as montanhas. Sarah apoia seus braços para trás, escorando seu corpo. Jogando a cabeça para trás, lança um olhar bem alto, no topo do céu.

    Logo seus olhos alcançam algo que não esperava ver. De acordo com um livro que leu na escola uma vez. Aquele animal todo branco como a neve, se parece um Grifo. Ele plana imponente naquela imensidão. Mas diferente do que viu no livro, aquele ali, tem as asas negras como o carvão. Ali ele reina soberano acima de tudo e todos, livre para ir para onde quiser.

    Em um sentimento de paz, Sarah deseja que aquele instante, aquela brisa que a toca, dure para sempre.

    Após mais de uma hora ali apreciando a vista e a sensação de liberdade. Pega sua bolsa e a jaqueta, desce da plataforma e vai até onde deixou a bicicleta.

    — É sério? — Soltando palavras ao vento em um tom de indignação, observa o local vazio.

    Depois de um grande suspiro, começa a caminhar em direção a rodoviária. Vários minutos de caminhada e seu estômago começa a roncar como uma fera enjaulada. Batatas… é a primeira coisa que vem a sua cabeça. Sua boca chega até a salivar só de pensar nelas assadas, recheada, e até como purê. Porém, se questiona onde as encontrará a essas horas do dia. Então para e encosta em uma árvore na calçada, pensativa por alguns segundos, tem uma ideia, e sai a procura.

    Achando uma frutaria não muito longe dali. Compra dez batatas, e corre até o restaurante de um hotel não muito distante. Lá costumam servir o café da manhã para seus hóspedes.

    — Ei moça. — Sarah se dirige para a recepcionista. — Você poderia me fazer um imenso favor? — Seu tem em seu rosto o olhar de um gato pedindo comida.

    Minutos depois. Sarah está sentada em uma mesa no fundo do salão onde a comida é servida. Está com a cabeça apoiada em sua mão enquanto seu olhar se perde no branco da toalha da mesa. Quando um cheiro atravessa o salão e entra diretamente no nariz, seus olhos se arregalam. Sua pose muda para a de alguém ansioso por algo.

    — Aqui está moça! Batatas cozidas e assadas, com tempero da casa. Colocamos um pouco de arroz e feijão para acompanhar. Por conta da casa. — Uma garçonete com rosto gentil, cabelo castanho e preso por uma toca de cozinha, a serve. Aparenta ter uns trinta e cinco Anos.

    Após alguns instantes de boca aberta, tentando acreditar no que está vendo.

    — Vocês são incríveis! — Sarah agradece devorando uma das batatas.

    A garçonete dá um belo sorriso e volta para cozinha. Sarah fica ali por alguns minutos apreciando cada centímetro de suas batatas. Depois de um belo copo de água, ela agradece a comida, e até tenta pagar com o cartão. Mas a gerência se recusa a aceitar. Sarah não insiste muito e logo agradece mais uma vez. Saindo do restaurante e retomando sua caminhada para rodoviária, Compra uma passagem para a região Comercial Portuária.

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