Índice de Capítulo

    Após alguns minutos ela volta a se deitar na cama com olhar distante como se pudesse atravessar o teto. Por minutos fica em um estado de transi. Depois de ter passado mais de uma hora e ainda não conseguir voltar a dormir, Sarah decide se levantar. Coloca seu coturno, pega sua mochila e vai até onde os monges costumam fazer suas refeições.

    Mesas arredondadas a 15 centímetros do chão, rodeadas de monges sentados ao redor tomam conta da paisagem do salão. Enquanto adentra o local, Sarah lança olhares para os cantos procurando Zhau. Após alguns segundos o avista em uma mesa. Sozinho, ele olha para o vazio enquanto segura sua xícara de chá com as duas mãos na altura do peito.

    — Que viagem hein!! — Sarah dá um leve sorriso enquanto vai se sentando a frente dele.

    — Meus olhos não te veem, porém eu te ouço! ― Ele fala enquanto seus olhos, com suavidade, se viram para ela. — Não conseguiu dormir mais? — Ele a indaga e em seguida termina de levar a xicarar a boca.

    — Não. Acho que vou dar uma caminhada.

    — É isso que você deseja?

    — Acho que sim. Estou sentindo algo estranho dentro de mim. Uma sensação de inquietude. Tem algo que eu não sei o que é. Mas eu quero fazer.

    — Você já escutou a fábula do Jacaré e do Jaguar? — Zhau a indaga enquanto olha para o vazio.

    — Não. — Sarah faz uma cara de estranheza enquanto tenta se lembrar.

    — Vou lhe contar então.

    Zhau fecha os olhos para apreciar o último gole do chá. E ao abri-los novamente, seu olhar repara que agora está rodeados de monges. Todos com olhares atentos, e alguns com sorriso no rosto. Sarah não é exceção.

    — Em uma certa manhã, um jaguar sentou-se à beira de um rio e começou a se lamber para limpar e alisar seus pelos. De passagem pelo rio, um jacaré viu aquela cena e se aproximou da beirada, logo foi dizendo.

    — Vim em paz!

    — O jaguar ao perceber que não teria problemas, continuou a se limpar. Enquanto isso, o jacaré após refletir um pouco o indagou.

    — Por que tu se preocupas tanto em manter sua pelugem negra tão brilhante e limpa? Não serias mais fácil se banhar nas águas do rio?

    — O jaguar então após uma última lambida, parou e encarou o jacaré com seus olhos amarelos que mais pareciam opalas de fogo. E se pôs a refletir por alguns instantes sobre o porquê de ser assim.

    — Senhor Jacaré, me digas. Por que tu estas tão preocupado com meu jeito de ser?

    — Eu estava de passagem. E ao ver você fazendo algo habitual de sua espécie, me perguntei do porquê fazemos coisas assim. Sem nem ao menos nos questionar do porquê. Vim até ti na esperança de encontrar uma resposta para minhas dúvidas.

    — O Jaguar então lhe respondeu.

    — Assim como eu tenho fome eu caço. Assim como eu tenho sono, eu durmo. Assim como eu tenho sede eu bebo. Quando eu tenho vontade eu me limpo com minha língua. Não estou pensando em mais nada, somente em satisfazer meus desejos.

    — O jacaré ainda não satisfeito, volta a questioná-lo.

    — E como tu sabes quando os desejos são realmente seus ou foram ensinados para ti?

    — Eu não sei. Não me importo se esses desejos são aprendidos ou naturais. Eu ainda os tenho, e só me cabe satisfazê-los. Pois senão, estaria eu desperdiçando a oportunidade de me sentir satisfeito.

    — Vejo que você não se importa muito com nada além de si mesmo.

    — Diga-me senhor Jacaré. Se eu não me importasse com você agora, por que achas que ainda estás vivo? Simplesmente porque não tenho fome para satisfazer.

    — Vejo então que não descobrirei muito mais por aqui…

    — A verdade é que suas dúvidas já foram todas saciadas, porém você insiste em criar mais sem refletir sobre as que já tem.

    — O jacaré incrédulo se pergunta de quando as respostas vieram e como ele não as enxerga?

    — Sabe senhor Jacaré. Um dia eu estava rolando em um capim alto, quando eu vi uma Harpia do tamanho do mundo voando com uma cobra em suas garras. Eu percebi o quão sortudo eu sou em não ser uma cobra. O mais engraçado de tudo, é que aquela mesma cobra a uns meses atrás, matou um dos meus parentes que andavam pelas matas. Esse mesmo jaguar já matou vários de sua espécie senhor Jacaré.

    — Onde você quer chegar com tudo isso?

    — A lugar nenhum senhor Jacaré. Eu só senti um desejo de compartilhar essa história com você.

    — O jacaré após alguns segundos paralisado. olhou para o jaguar e enfim encontrou suas respostas.

    — Com toda certeza! Eu já sabia da resposta muito antes de ter as perguntas.

    — O jaguar deu uma última olhada para o jacaré e finalizou antes de seguir seu caminho.

    — Cuidado senhor Jacaré, os seus desejos podem entrar em conflito com outros desejos. Nesse momento, talvez o que você deseja seja irrelevante comparado ao que precisa.

    — Agradeço por não estar com nenhum desejo além do de se lamber a beira do rio. Tenha um bom dia seu Jaguar!

    — O jaguar sorriu, e logo saltou em cima de uma arvore, sumindo entre os galhos e folhas. E o jacaré voltou para a parte profunda do rio com um imenso desejo de encontrar uma beirada seca para se banhar ao Sol.

    Sarah parece estar hipnotizada olhando para o vazio igual Zhau costuma fazer. Os monges olham uns para os outros e murmuram sobre o significado do que acabaram de ouvir. Zhau então olha para Sarah.

    — Está com fome minha filha?

    Sarah começa a salivar.

    — Tem… batata?

    — Zhau dá uma grande gargalhada. Os outros monges começam a rir descontroladamente. Após alguns segundos, terminando o êxtase de risos, os monges se levantam. Alguns falam para Sarah o quanto sentiram sua falta. Outros simplesmente voltam para suas mesas enxugando suas lagrimas.

    — Tem batata cozida na cozinha. É só pegar. Você é de casa esqueceu? — Zhau fala enquanto solta um grande sorriso.

    Sarah dá um salto com um sorriso no rosto e fica em pé.

    — Mais alguém aí vai querer batatas cozidas e temperadas da Sarah?

    Todos levantam as mãos e gritam 

    — EEEEEUU!!

    — Não esqueça das minhas, bem apimentadas. — Zhau se pronuncia rapidamente.

    Sarah olha para ele com uma cara de quem diz. — Seu folgado — E vai até a cozinha. Logo volta com duas bacias cheias de batatas cozidas, envoltas de molhos e temperos. Nem termina de colocar a bacia no meio do salão, e os monges partem para o ataque com salivas no canto dos beiços.

    — AHHHHH, que saudade dessas maravilhas. Sarah você é de mais!! ― Grita aos ares um dos monges.

    Ela volta para cozinha, e pega mais dois potes pequenos. Se senta com Zhau e ambos comem enquanto jogam conversa fora. Após vários minutos Sarah se levanta.

    — Vou caminhar. Quero rever a paisagem das montanhas!

    — Não esquece de colocar uma blusa.

    — Pode deixar pai… Quer dizer mestre! — Sarah fica levemente corada.

    Zhau se engasga com uma de suas batatas apimentadas, enquanto olha para ela.

    — Sem problemas. Eu te considero minha filha. Todos aqui são meus filhos. — Ele dá um sorriso de leve. — Tome cuidado!

    Sarah pega uma jaqueta preta de gola alta em sua mochila, e a veste deixando aberto o zíper. As mangas arregaçadas exibem pelos levemente arrepiados. Depois de colocar a mochila nas costas, segue seu caminho para trás do templo onde tem uma trilha. Zhau a observa de longe. Algumas lagrimas escorrem de seus olhos. Ele as enxuga, respira fundo, e volta para dentro do templo.

    Sarah já está a no mínimo trinta e cinco minutos caminhando pela trilha entre as montanhas. Na maior parte, a trajetória é descendente, toda irregular, cheia de pedras solta e alguns córregos de água. Mais à frente ela avista um ponto cheio de pedras e terra que deslizou da encosta, e está bloqueando a passagem.

    Ao se aproximar para ver se encontra uma rota entre as pedras, algo chama sua atenção na encosta do lado direito. Olhando para cima, partes de uma escadaria se revelam timidamente. Em sua insaciável curiosidade, Sarah começa a analisar a montanha. Com cuidado, inicia a escalada pelas pedras soltas, se apoiando em partes da montanha. Até que consegue chegar no alto.

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