capítulo 84: Fim de treino
André se aproximou de mim, o peito subindo e descendo pesadamente enquanto recuperava o fôlego. O suor escorria pela lateral do rosto, mas sua expressão era serena, ainda que cansada.
— Sem querer parecer um mal perdedor, mas… a diferença numérica era muito grande. Achei que a técnica iria pesar mais.
Ele estendeu a mão para mim, e no fundo de seus olhos havia um brilho de respeito.
— Mas foi uma vitória limpa. Parabéns a você e ao seu time.
Segurei sua mão e apertei com firmeza. O aperto de André era forte, carregado com o peso da batalha.
— Parabéns a nós. Se mantivermos uma rotina assim, vamos estar bem preparados.
Ele soltou um suspiro, passando a mão pelo cabelo úmido de suor.
— Tivemos muitos erros. Ainda não pensamos como equipe. Muitos agiram de forma individual e independente. Não sei se podemos ficar tão contentes com o resultado.
Assenti. Ele não estava errado. Embora tivéssemos saído vitoriosos, a falta de sinergia entre os times era evidente. Cada um confiava demais em suas próprias habilidades, sem considerar o conjunto.
— Foi só a primeira vez que lutamos juntos — ressaltei. — Houve confusão, é verdade, mas também mostrou que temos muito espaço para melhorar.
André me estudou por um instante, depois sorriu, daquela maneira característica dele, carregada de bom humor e positividade.
— É, faz sentido — admitiu. — Mas temos que corrigir isso antes do torneio.
Ele inspirou fundo, como se ponderasse a melhor forma de organizar aquilo em sua mente.
— Precisamos de uma estrutura clara para os magos de suporte. Você deveria elaborar um rol de magias essenciais para que todos saibam o que esperar. Se uniformizarmos nossa prática, a coordenação será mais natural.
A sugestão fazia sentido. Se cada um dos magos soubesse exatamente quais feitiços de suporte estavam disponíveis e como poderiam ser aplicados em combate, a confusão diminuiria.
— Vou pensar nisso — prometi. — Pode deixar comigo.
Antes que pudéssemos continuar a conversa, Alissande se aproximou, ainda séria após a luta. André me lançou um último olhar e deu um passo para trás.
— Bem, até semana que vem.
— Até semana que vem — respondi.
Troquei despedidas rápidas com os demais, reservando um momento especial para meus amigos mais próximos. Quando meus olhos encontraram os de Claire, um pensamento cruzou minha mente. Com a ausência de Selune, ela era a pessoa que eu conhecia que mais dominava magias de suporte. O pedido de André ainda ecoava em minha cabeça, e ali estava a solução bem diante de mim.
— Vou precisar de sua ajuda para elaborar o próximo treino — disse, sem rodeios.
Os olhos de Claire se arregalaram por um instante antes de um rubor intenso colorir suas bochechas. Ela abriu a boca, hesitou, e então apenas assentiu rapidamente, parecendo nervosa.
— C-Claro! — respondeu, desviando o olhar.
Dei um breve aceno de cabeça, satisfeito, e me virei para sair.
O cansaço começava a pesar sobre mim, cada músculo do meu corpo reclamando pelo esforço da batalha. Eu havia lutado hoje, mas, no calor do combate, esqueci completamente dos ensinamentos de Pandora. Não respirei como ela havia me instruído, não circulei meu mana como deveria.
Ainda assim, a inquietação que eu sentia não vinha apenas da exaustão ou das minhas falhas. Pandora me esperava no Matadouro e, apesar do desgaste, a expectativa de descobrir o que ela tinha a me ensinar me mantinha em movimento, mesmo sabendo que eu não havia feito o que ela me pedira.
Conforme caminhava, me obriguei a respirar e a circular o mana como Pandora havia me ensinado. A sensação estranha se intensificou a cada passo. Meu corpo ficou mais pesado, os movimentos, mais lentos. Mas não era apenas a fadiga comum após um treino intenso — era algo diferente. Um peso interno, profundo, como se cada passo exigisse um esforço dobrado.
E eu não sabia o motivo, pior ainda, não entendia sua aplicação.
Desde que comecei a seguir os ensinamentos de Pandora, minha percepção sobre meu próprio corpo havia mudado. Circular o mana da forma correta criava essa resistência incômoda, como se meus músculos estivessem constantemente sendo testados. Antes, meus movimentos eram instintivos; agora, cada ação exigia consciência e controle absoluto. Era frustrante. E, ao mesmo tempo, fascinante.
Mesmo tendo treinado combate na noite anterior, eu ainda não via com clareza como essa sensação poderia ser útil. Como lutar de forma eficiente quando cada movimento parecia mais pesado, mais difícil? Como equilibrar poder e velocidade sem ser consumido pela fadiga? E o pior, eu era um mago, sentia que não estava focando onde deveria.
Essas perguntas martelavam em minha mente enquanto eu avançava quase no piloto automático, até que percebi que já estava próximo do Matadouro.
Respirei fundo. Estava na hora da minha lição com “Paws”.
Ao passar pelas arquibancadas, meus olhos logo a encontraram. Para variar, treinava sozinha, a espada em uma mão, o escudo na outra. Parei por alguns minutos apenas para observá-la. Seus movimentos eram lentos e meticulosos, mas carregavam uma força latente, como o mar antes da tempestade. Cada golpe e cada passo pareciam parte de um ritual antigo, repleto de significado e precisão. Havia algo de hipnotizante naquela cena.
Então, ela interrompeu o treino, pousou os olhos em mim e fez um sinal discreto para que eu me aproximasse.
— Venha. Já esperei o dia todo. — Sua voz carregava um cansaço perceptível, mas também uma nota de irritação contida.
Atendendo ao chamado, me aproximei, e, antes mesmo que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela, sempre atenta, me estudou por um instante e perguntou:
— O que houve no seu treino? Posso ver na sua cara que tem algo te incomodando.
A resposta estava presa na garganta. Eu queria perguntar, queria entender, mas algo nela também parecia… diferente. Seu habitual tom brincalhão estava ausente. Havia um peso nos olhos verdes, um cansaço que ia além do físico. Mas ela não parecia disposta a falar sobre isso, e, sinceramente, eu também não. Cada um que lidasse com seus próprios fardos.
Então, resolvi me focar no que realmente me trazia ali. Contei sobre o treino, sobre como me esquecera de aplicar suas lições e sobre as dúvidas que se acumulavam em minha mente. Falei da frustração por não sentir progresso, por não perceber uma melhora real. No fim, soltei um suspiro.
— Eu não me sinto mais forte.
Ela me olhou fixamente, como se enxergasse algo além do que eu próprio podia ver. Seu olhar era penetrante, avaliador. Depois, suspirou longo e profundo antes de responder:
— Bem… as coisas não funcionam assim, você sabe, não sabe? Não tem mágica. Quer dizer, tem, mas não desse jeito.
Baixou a cabeça por um instante, murmurando para si mesma, mas alto o bastante para que eu ouvisse:
— Você está muito mais forte do que imagina. Evoluiu rápido, muito mais do que seria normal… Certamente tem a ver com seus segredos. Ah, se eu pudesse evoluir assim…
Ela estava de cócoras, mas se levantou, espanou a areia grudada no corpo e estalou o pescoço. A expressão cansada deu lugar a uma determinação firme.
— Nosso tempo é curto. Depois falamos sobre isso. Agora, vamos treinar.
Virou-se e deu alguns passos para trás antes de apontar para mim com a espada.
— Hoje, vamos focar no que você deveria ser bom… magia.
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