Capítulo 92: Treino com Marreta
Assim que o sol atingiu meus olhos, acordei. Minha mente voltou imediatamente aos momentos antes de adormecer. Tinha dormido na arena novamente. A terra dura sob minhas costas e o cheiro de suor e poeira eram a confirmação do quanto havia me esforçado no dia anterior.
Me levantei lentamente, sentindo os músculos protestarem a cada movimento. O cheiro forte do próprio corpo me atingiu e, por um breve instante, considerei me deitar de novo e ignorar tudo. Mas o desconforto falou mais alto. Com um resmungo, segui arrastando os pés até os vestiários. Um banho era a prioridade.
A água fria fez meu corpo se retesar, mas também clareou minha mente. Conforme a sujeira e o cansaço escorriam pelo ralo, minha mente começava a organizar as tarefas do dia. Assim que voltei para a arena, percebi que Pandora ainda não estava lá.
Ela devia estar em seu treinamento misterioso outra vez. Desde que voltamos do Matadouro, ela sumia por períodos cada vez mais longos. Engoli a irritação antes que ela tomasse conta. Se havia algo que eu aprendia com Pandora, era que não valia a pena se preocupar com o que ela não queria contar.
Me concentrei, decidindo rever nosso treino da véspera. Repeti as posturas, aperfeiçoei os cortes e refinei o controle da mana enquanto circulava pelos movimentos. O peso invisível que dificultava cada passo parecia se acumular mais rápido do que no dia anterior. Em pouco tempo, meu corpo já gritava por descanso.
Os últimos dias tinham sido absurdamente cheios e cansativos. Não parecia que apenas três dias tinham se passado desde a partida de Nix e Selune. Foi tão intenso que não tive tempo de sentir a falta delas ou mesmo me preocupar com isso.
Passei a manhã inteira treinando. Ora cultivando minha circulação, ora praticando com a espada, ora focando nas magias defensivas e ora fazendo tudo junto. Fazia meu treino com dedicação e abandono, mas sentia a falta de Pandora. Havia me acostumado a sentir seus olhos em mim, suas piadas espirituosas e suas correções precisas.
Sempre que terminava alguma sequência ou parava para respirar, meu olhar se voltava inconscientemente para o céu, tentando determinar o horário do dia. Ontem, Paws já tinha chegado nessa mesma hora. Onde ele estava? Onde Pandora estava?
Resignado, voltei ao treino.
— Ei, baixinho.
A voz grave e áspera cortou o silêncio da arena como o som de uma pedra rolando morro abaixo. Me virei e vi Marreta de Aço caminhando na minha direção.
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele recomeçou:
— Rosa me pediu para vir aqui, treinar com você. Pandora não poderá vir. Pelo menos acho que não hoje.
Imediatamente, a imagem de Pandora machucada e mancando ontem encheu minha cabeça de preocupação.
— Ela está bem? — perguntei, mais ansioso do que eu pretendia demonstrar.
Marreta franziu a testa, como se não estivesse acostumado a responder perguntas desse tipo.
— E eu lá sei… só vim porque Rosa pediu. Mas te digo uma coisa, moleque — ele cruzou os braços, os olhos fixos em mim, carregados de seriedade — tu vai enfrentar uma pedreira. Germano não é só forte, ele é sujo, cruel. Golem era meu amigo, e o que fizeram com ele não tem perdão. Quero que você se vingue, por ele.
Fiquei em silêncio, absorvendo suas palavras. Marreta não era do tipo sentimental, mas ali estava ele, falando de vingança como se fosse algo pessoal.
Olhei para sua arma. Ele segurava uma marreta comum, sem qualquer enfeite ou brilho especial. A arma dourada que ele usara contra mim antes não estava ali. Provavelmente era preciosa demais para um simples treinamento.
— E o que você recomenda que façamos de treino? — perguntei, reconhecendo que, apesar da diferença de personalidade, ele era muito mais experiente que eu.
O sorriso enviesado que surgiu no rosto dele me fez entender que a resposta não ia me agradar.
— Ah, com a melhor maneira de treinar que existe. Uma lutinha à vera.
Eu deveria ter imaginado.
Marreta girou a marreta nos dedos, como se fosse uma mera extensão de seu corpo, e me encarou com um brilho quase predatório nos olhos.
— Espero que você esteja pronto, moleque. Porque eu não vou pegar leve.
O ar da arena cheirava a terra batida e suor. O sol estava alto, lançando sombras nítidas no chão arenoso.
Marreta de Aço girava sua arma com familiaridade, os músculos grossos dos braços contraindo-se sob a pele. Seu sorriso era o mesmo de sempre, confiante e desafiador. Seus olhos examinavam cada detalhe da minha postura, como se buscassem a menor fraqueza.
— Pronto pra apanhar, baixinho? — ele provocou, batendo a marreta no chão.
O impacto ressoou como um trovão distante, levantando uma nuvem de poeira ao nosso redor.
— Não sou mais o mesmo cara de antes — respondi, girando a espada entre os dedos.
— É o que a maioria diz antes de cair — ele riu. — Mas… vou ser sincero, tô curioso. Quero ver o quanto melhorou com a ajuda da Pandora.
A menção daquilo me fez cerrar os dentes, eu não defendia só minha honra, defendia a dela também.
Eu ergui minha lâmina e assenti.
— Vem.
Marreta se jogou em minha direção, dessa vez, eu vi o golpe chegando.
O movimento era o mesmo da nossa última luta. Marreta investiu com um golpe descendente, a arma cortando o ar como um martelo de guerra pronto para partir um crânio ao meio.
Antes, eu teria apenas esquivado no último instante, quase falhando.
Dessa vez, avancei.
Minha espada subiu para interceptar o golpe.
O impacto sacudiu meu corpo, e por um instante, os músculos do braço tremeram. Mas eu não cedi. Estava mais forte. Além de ter completado meu terceiro círculo, meu corpo agora circulava uma quantidade muito maior de mana. Marreta não era mais tão forte, ou tão assustador quanto antes.
Minha mana fluía com firmeza dentro de mim, fortalecendo músculos, tendões e ossos.
A marreta parou no ar, bloqueada.
Marreta arregalou os olhos.
— O quê…?
Antes que ele reagisse, girei o pulso e deslizei minha lâmina pelo cabo da marreta, forçando-a para o lado.
Marreta teve que recuar um passo para recuperar o equilíbrio.
Um passo.
Na última luta, ele não tinha cedido nem um centímetro
Não esperei.
Atirei-me para frente, e minha espada cortou o espaço vazio entre nós.
Marreta defendeu com o cabo da marreta, mas eu já estava me movendo de novo. Ataquei baixo, depois alto, depois um corte diagonal, forçando-o a bloquear de novo e de novo.
Cada golpe era mais rápido.
Mais forte.
E Marreta sabia disso.
Eu via a surpresa crescendo em seus olhos.
— Caralho, moleque… — ele murmurou entre bloqueios.
Na última vez, eu tinha que lutar apenas para sobreviver, agora, eu estava no controle.
E ele sentiu isso.
Marreta então mudou de tática.
Em vez de tentar me esmagar, começou a usar a marreta como uma barreira móvel, desviando meus ataques com golpes curtos e secos.
Eu avancei.
Ele bateu com a lateral da marreta na minha lâmina, tentando desequilibrar minha guarda. Mas eu estava pronto. Era exatamente uma das situações que Pandora previra.
Girei no ar, usando o impulso para converter o desvio em um golpe giratório.
Minha espada desceu na diagonal.
Ele defendeu, mas deu dois passos para trás dessa vez.
Dois passos.
A surpresa virou outra coisa.
Algo que eu nunca tinha visto nele.
Respeito.
— Beleza, baixinho — ele rosnou, sorrindo. — Agora eu tô te levando a sério.
Então, ele atacou de verdade.
O chão rachou quando ele avançou.
O peso da marreta parecia dobrado, cada golpe carregado com força suficiente para esmagar pedra.
Mas eu já não era o mesmo.
Minha mana circulava livremente, fortalecendo cada músculo do meu corpo. Meus pés se moviam mais rápido, minha espada respondia melhor.
E, pela primeira vez, eu comecei a igualar a força dele.
Marreta atacou com um golpe lateral.
Eu bloqueei.
E dessa vez, ele não me empurrou.
Nossos pés arranharam o chão, faíscas saltando do contato do metal com metal.
Ele me olhou, surpreso de novo.
Eu sorri.
— Tá pegando no tranco, Marreta?
Ele riu.
— Seu desgraçado…
E continuamos. A luta virou uma trocação bruta.
A marreta golpeava como trovões, minha espada cortava como relâmpagos.
Ele tentava me esmagar.
Eu contra-atacava com velocidade e precisão.
Minhas magias defensivas absorviam parte do impacto, permitindo que eu bloqueasse golpes que antes teriam me destruído.
Minhas investidas forçavam Marreta a se mexer mais do que ele gostaria.
E então, vi a brecha.
Ele levantou a marreta para um golpe vertical.
Era minha chance.
Girei para o lado, evitando o golpe.
Antes que ele recuperasse a posição, chutei seu joelho com força.
Marreta cambaleou.
E minha espada parou a um fio de cabelo do seu pescoço.
O silêncio se estendeu.
Minha respiração estava pesada, mas firme.
O suor escorria pela testa de Marreta.
Ele olhou para a lâmina próxima demais de sua garganta.
E então, riu.
Riu alto.
— Porra, moleque… você me fez suar.
Afastei a espada, ofegante.
Ele bateu a mão na própria coxa, como se ainda não acreditasse.
— Uns dias atrás, tu tava brigando pra sobreviver. Agora, tá me igualando na força. Isso não é normal, baixinho.
Guardei a espada e sorri.
— Nunca disse que era normal.
Marreta riu mais uma vez, batendo a mão no meu ombro com tanta força que quase me derrubou.
— Vamos beber depois. Eu pago.
— Só se você conseguir andar até lá depois dessa surra.
Ele gargalhou enquanto me olhava e disse:
— De novo!
Me afastei, também com um sorriso, e me preparei para outra rodada.
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