Capítulo 546 - Investida coordenada
Em outro ponto do campo de batalha, Fernando, Karol e parte da Cavalaria de Lobos Prateados avançava, tentando regressar para a formação no portão.
“Ilgner, é você? Onde você está?” O jovem Tenente perguntou, com uma expressão séria.
“Tenente!” A voz disse, na comunicação, confirmando que havia recebido a pergunta.
“Responda, onde vocês estão?”
Shhhhh!
Um som de estática pôde ser ouvido.
“Estamos nos abrigando numa das construções que foi finalizada, mas tudo saiu do controle. Tem Criaturas das Trevas por todos os lados.” Ilgner falou.
Ouvindo isso, o jovem pálido ficou pensativo.
“Estamos enviando uma equipe de resgate. Fiquem onde estão, farei o possível para chegar até vo-”
“Não! Não venha até aqui! Você enlouqueceu?! Escuta, estamos longe demais, eu vi centenas e centenas dessas coisas indo em direção à cidade, se fizerem isso, você e todos os que vierem irão morrer!” A voz do bárbaro loiro soou, alarmada, sabendo que o rapaz realmente faria o que estava dizendo. “Iremos tentar aguentar aqui até o amanhecer. Criaturas das Trevas raramente agem durante o dia, então contanto que aguentemos, devemos sobreviver.”
Fernando franziu a testa ao ouvir a represália do seu Subtenente. Após sair por apenas poucos minutos e quase morrer, percebeu que as circunstâncias seriam mais difíceis do que havia imaginado e entendia o porquê das palavras do sujeito. Apesar disso, sua vontade se mantinha impetuosa. Ele não poderia ficar de braços cruzados enquanto seus homens morriam!
“‘Realmente acha que uma construção comum vai aguentar o ataque de tantos Carniçais até o dia clarear?” A voz do rapaz soou, na comunicação, com algum ceticismo.
Dentro do posto avançado, recém-construído, um grupo de Soldados e trabalhadores estava escondido. Do lado de fora era possível ouvir inúmeros rugidos e grunhidos, além de sons de arranhões e batidas.
“S-subtenente, eles estão quebrando a parede, se não fizermos nada…” Um Soldado, que havia ouvido seu superior negando a ajuda externa, informou apreensivo.
Vendo essa situação, Ilgner suspirou, sabendo que Fernando estava certo. Esse posto avançado sequer estava finalizado. Além do mais, ainda que tenha sido feito para resistir a ataques de pequenos grupos de Orcs, não tinha a capacidade de resistir a tal ofensiva massiva e sequer havia recebido Matrizes Defensivas, seria impossível que essa estrutura suportasse por muito tempo.
“Ainda não consegui contato com o grupo do Trayan, mas Noah e Ronald estão numa área próxima de você, acha que consegue chegar até eles e se reagrupar?” O jovem Tenente perguntou.
Ouvindo a pergunta, Ilgner ficou em silêncio por um instante, então olhou em volta. No pequeno forte havia vários Soldados feridos e trabalhadores. Não importa como ele olhasse, seria impossível realizar qualquer tipo de incursão.
“Isso seria difícil. Metade dos homens que eu trouxe já morreram. Além disso, tem muitos civis aqui, não posso deixá-los sozinhos nem levá-los conosco.” respondeu, com alguma hesitação. Mesmo que ele simpatizasse com o Oficial e o Cabo, seria complicado se reunir com eles nessa situação.
“Entendo.” Fernando respondeu, pensativo. Assim como Ilgner havia dito, mesmo que ambos os grupos estivessem relativamente próximos, havia um fosso de Criaturas das Trevas entre eles. Se Ilgner abandonasse sua posição, colocaria a vida de seus homens em risco e mataria os construtores.
“Estamos quase lá, mas tem um grupo deles vindo em nossa direção!!” De repente, um dos Soldados na frente da formação de lobos gritou.
A formação defensiva do Batalhão Zero estava próxima, mas os enxames de Carniçais estavam se acumulando em torno deles. Como se fossem abelhas atraídas pelo mel, parte desse enxame mudou de alvo, começando a correr em direção a Cavalaria de Lobos Prateados ao notá-los se aproximando.
Karol, que estava ao lado, bem como os outros cavaleiros, apertaram firmemente suas armas de haste, prontos para suportar as próximas colisões.
“Preparem-se para o choque!” A Oficial alertou. Mas sua expressão mudou ao ver que várias das Criaturas das Trevas que vinham ao seu encontro. Algumas delas eram do tamanho dos Lobos Prateados, enquanto outras eram ainda maiores! Essas coisas com certeza iriam derrubar vários deles!
“Apenas fiquem onde estão, faremos o possível para chegar até aí.” O jovem Tenente falou, quando ergueu a palma, formando várias Flechas de Fogo.
Do outro lado da linha, Ilgner estava pronto para esbravejar novamente, mas rapidamente desistiu, sabendo o quão cabeça dura era o seu líder.
“Entendido, senhor, tenha cuidado!” Após isso encerrou a comunicação.
Swish! Swish! Swish!
Diversas Flechas voaram em direção aos inimigos.
Perfura! Perfura! Perfura!
“Gah!”
Vários dos Carniçais maiores foram atingidos em cheio, mas muitos outros continuaram correndo, como se estivessem desesperados para provar um pouco da carne que estava a sua frente.
A expressão de Fernando ficou pálida ao ver isso. Sua visão ainda estava trêmula e sua cabeça pesada, após ter se excedido anteriormente, então ele não conseguiria chegar nem perto de fazer o que havia feito antes.
Atualmente ele havia alternado sua extração de mana da Pedra de Mana para a espada Formek, já que o mana mais calmo da arma era mais fácil de lidar em seu estado atual. Além disso, com tantos oponentes ao redor, ele poderia usar o atributo especial da arma, de absorver mana de inimigos.
Conforme se aproximavam do enxame, a expressão de todos ficou mais séria, a única alternativa que tinham era enfrentar essas coisas de frente!
“Se mantenham juntos!” Karol ordenou, fazendo com que a formação triangular espalhada se estreitasse, de uma maneira em que cada lobo estava quase grudado uns aos outros.
No entanto, subitamente, saindo da escuridão ao longe, onde estava além do alcance da luz das muralhas, algo estava se aproximando em alta velocidade pelo lado esquerdo.
“O-o que é isso?” Um dos cavaleiros perguntou, assustado.
Provavelmente muitos deles cairiam ao bater de frente com os Carniçais, mas se mais deles os emboscasse pelo lado, eles seriam totalmente dizimados!
Até mesmo Fernando e Karol ficaram petrificados ao verem as silhuetas se aproximando. Ambos rapidamente concentraram mana em seus olhos, melhorando a eficiência da Magia de Visão Escura para verem melhor o que estava chegando, e logo suas expressões mudaram.
“Senhor Anane!” A garota exclamou ao finalmente conseguir identificar as figuras.
O que estava se aproximando em alta velocidade era, na verdade, a outra metade da Cavalaria de Lobos Prateados! Ao ver isso, Fernando entendeu.
Eles usaram a escuridão para não chamar atenção? perguntou-se, surpreso.
Como os entornos da muralha estavam barulhentos e cheio de luzes, era evidente que os Carniçais ignorariam quase tudo e iriam em direção às fontes ruidosas e brilhantes. Então, mesmo que fossem ótimos predadores noturnos, ficariam confusos e desnorteados.
Senhor Anane, fico feliz que esteja bem! Karol pensou, aliviada. Devido à urgência da situação, ela havia ordenado que ambos se separassem, para que um deles pudesse chamar a atenção e o outro resgatasse Fernando, mas ela não imaginava que o velho homem seria ousado ao ponto de ativar um pergaminho de sinalização, atraindo inúmeros inimigos em sua direção. Felizmente, de alguma forma, ele havia contornado a situação.
Após confirmar que aqueles que estavam vindo pelo lado eram aliados, os outros membros do Pelotão Dama de Prata se sentiram muito mais confiantes. Por outro lado, os Carniçais demoraram muito a perceber a nova cavalaria, sendo pegos completamente desprevenidos.
Bam! Bam! Bam!
Silenciosamente a cavalaria de Anane se aproximou das Criaturas das Trevas, os flanqueando pelo lado. De forma violenta e feroz, os cavaleiros e Lobos Prateados se chocaram contra os inimigos.
“Uahh!” Vários Carniçais guincharam, quando foram esmagados pelo poderoso impacto que os atingiu do Leste ao Oeste. De maneira impetuosa, a lança de Anane perfurou uma criatura após a outra, espalhando carne e sangue para todos os lados.
Mesmo que os corpos dos Carniçais fossem naturalmente resistentes, frente ao poder absoluto de uma cavalaria em alta velocidade, isso não significava nada!
Vendo seus aliados atingindo as criaturas e passando velozmente, quebrando completamente seu ritmo e deixando as sobreviventes feridas ou confusas, a segunda cavalaria não perdeu a oportunidade, avançando furiosamente ao encontro dos inimigos.
Bam! Bam! Bam!
Enquanto uma das cavalarias terminou de passar perpendicularmente, a outra atingiu o grupo de Criaturas das Trevas pela frente.
Tudo havia acontecido muito rapidamente, fazendo com que os Carniçais sequer conseguissem reagir a esse ataque perfeitamente coordenado.
Os cavaleiros na parte da frente sofreram a maior parte do impacto, colidindo violentamente contra os inimigos, mas apesar disso, com a força bruta dos Lobos Prateados, principalmente os do novo lote, que eram relativamente maiores e mais fortes, conseguiram passar por todos eles, sem grandes problemas.
Karol em especial, com sua lança prateada, varreu de um lado ao outro, atingindo o máximo de Carniçais que conseguia. Ainda que não pudesse matar todos, tentou perfurá-los e mutilá-los. Contanto que ela os ferisse gravemente, os próprios companheiros iriam atacá-los, por vê-los como presas fáceis.
Mesmo Fernando, que não possuía uma arma de haste, não hesitou, fazendo seu lobo negro pisotear e esmagar qualquer inimigo a sua frente e se algum sobrevivesse, ele atacaria com sua espada Formek.
Enquanto passavam pelas Criaturas das Trevas, que gritavam e se lamentavam, Fernando, Karol e os outros sentiram um sentimento estranho. Principalmente porque as coisas tinham rostos humanoides e seus guinchados pareciam semelhantes ao de uma pessoa ferida pedindo por ajuda.
Apesar dessa sensação bizarra, todos ali sabiam que aquelas coisas definitivamente não eram Humanos, apenas monstros sanguinários, e não havia espaço para a menor piedade.
Bam! Bam!
“Atravessamos!” Um dos Soldados gritou, num misto de adrenalina e alegria.
O grupo de Anane, que havia dado a volta após flanquear os Carniçais, seguiu logo atrás, alinhando-se a cavalaria de Karol.
“Senhor Anane, vocês estão bem?” A Oficial gritou, com alguma felicidade, porém, ao vê-los mais de perto, sua expressão mudou completamente.
O focinho do Lobo Prateado que o velho homem montava estava completamente desfigurado e o animal soltava grunhidos agudos de dor e angustia, mas ainda assim continuava correndo, obedecendo às ordens de seu cavaleiro.
Ao olhar com cuidado, pôde ver que não apenas o lobo do velho homem, mas muitos outros estavam feridos. Mesmo alguns dos cavaleiros tinham ferimentos e alguns até mesmo estavam sem uma perna ou um braço. Não só isso, como Karol notou que estavam faltando ao menos dois lobos e seus cavaleiros. Apesar de não ter perguntado, a mulher soube imediatamente o que havia acontecido.
“Este pede perdão a minha senhora, mas tivemos baixas inevitáveis.” Anane declarou, ao alinhar sua montaria próxima a de Karol e Fernando.
O trabalho de isca não havia sido sem consequências, eles haviam pago um preço pesado.
Quando o jovem Tenente viu isso, apertou os pelos do lobo negro com força. Tudo isso havia acontecido devido a um único descuido de sua parte.
Wooo!
Como se sentisse o desconforto de seu Mestre, o Lobo negro soltou um uivo baixinho.
“Você não tem culpa, senhor Anane, o único culpado aqui sou eu e minha falta de experiência.” O jovem pálido admitiu, com um rosto calmo, mas claramente incomodado.
“I-isso, não é sua culpa…” Karol contestou, tentando consolar seu marido, mas Fernando levantou rapidamente a mão, interrompendo-a.
“Eu sou o Comandante, tudo que ocorrer de errado aqui é minha culpa.” disse, voltando seu olhar para frente.
Tanto Anane, quanto Karol e os cavaleiros ao redor que ouviram suas palavras, não disseram nada. Nenhum deles culpava o jovem Tenente, afinal era assim que era um campo de batalha, imprevisível e cruel.
Com as duas cavalarias novamente unidas em uma única, os Carniçais que apareceram pelo caminho foram rapidamente tratados. Entretanto, quando estavam próximos das muralhas, os rostos de todos mudaram.
Em volta da formação de escudo, o enxame de Carniçais estava se aglomerando tanto que era como se fossem formigas em torno de um formigueiro. A visão de centenas e centenas de coisas cinzentas se movendo em torno das tropas cercadas era verdadeiramente aterradora.
Dentro da formação Parede de Espinhos, tudo estava uma bagunça completa. Os escudeiros e lanceiros estavam fazendo seu melhor para manter suas posições, enquanto mais e mais Criaturas das Trevas invadiam, escalando uma nas outras e saltando dentro.
“Ahhhh!” Um Soldado gritou, enquanto era devorado por um enorme Carniçal, muito maior que os normais. Seu tamanho era quase duas vezes o de um Lobo Prateado, causando terror generalizado.
“Morra, coisa maldita!” Outros em volta gritaram, enquanto atacavam o monstro com espadas e lanças por todos os lados, principalmente em suas costas e pernas. Mas a criatura os ignorou, se banqueteando, enquanto os ataques mal lhe causavam incômodo.
A visão daquele ser humanoide, com sua enorme boca e olhos verdes opacos banhada em sangue de seus companheiros de batalha, terrificou muitos dos que estavam próximos.
Theodora, correu por entre as tropas com sua alta agilidade. Como uma sombra, ela saltou em direção da criatura, a partir de sua retaguarda.
Bam! Perfura!
Num único movimento a Medusa caiu nas costas da coisa, fincando sua espada atrás de sua cabeça, porém, não havia adentrado mais que cinco centímetros, causando apenas um ferimento superficial.
Não é suficiente? perguntou-se, incrédula. Com seu atual Físico, era difícil acreditar que havia causado tão pouco dano.
“Hahhh!” O enorme Carniçal gritou, erguendo-se, quando sentiu um incômodo e começou a debater-se, obrigando a mulher a se agarrar a pele da criatura.
“Ajudem a Subtenente!” Vários dos homens gritaram, enquanto atacavam juntos.
Swish!
Com sua enorme palma, o Carniçal varreu, jogando vários dos Soldados que corriam em sua direção para longe. Mas mesmo assim as tropas não vacilaram, se atirando um após o outro contra o ser das trevas.
Vendo isso, Theodora não perdeu a oportunidade, se estabilizando em cima da coisa, arrancou sua espada. Dessa vez a Medusa se concentrou no local em que havia acertado anteriormente. Foi apenas por um instante, de modo discreto, mas seus olhos mudaram de cor, assumindo uma coloração prateada.
Ao redor da ferida anterior, uma crosta quase que instantaneamente se formou, como se fosse feita de cimento recém-seco. Ela estava usando sua Magia de Petrificação!
Mesmo que ainda não tivesse domínio completo sobre isso, estava entendendo pouco a pouco como funcionava e parecia estar ficando cada vez melhor em usá-lo.
Além disso, como o Carniçal não era um ser inteligente, era extremamente vulnerável a ataques de mana, já que não sabia como se proteger, fazendo com que fosse mais efetivo que o normal.
“Ah! Socorro!” Um dos Soldados gritou, quando foi pego pela enorme palma do Carniçal. O homem olhou horrorizado, enquanto a coisa o guiava em direção a sua enorme boca cheia de dentes.
“Seu filho da puta! Solta ele!” Um dos seus companheiros gritou, quando jogou sua lança em direção ao rosto do monstro, que apenas bateu contra sua pele dura, sem causar danos.
Vendo que não conseguiam impedi-lo, os rostos de todos os homens estavam numa mistura de medo e fúria.
Enquanto a coisa estava distraída, Theodora desceu novamente com sua espada Céleres.
Perfura!
“Uohhh!” Dessa vez a lâmina afundou sem impedimentos. Parte da carne externa petrificada rachou-se, enquanto o aço penetrou com facilidade no interior da crosta.
Bam!
De repente o enorme Carniçal desabou, sem se mover.
“A Subtenente Theodora conseguiu! Ela matou aquilo!”
“Uohhh!”
Vários dos Soldados comemoraram, enquanto erguiam suas lâminas para o alto.
O Soldado, que havia sido pego, teve a enorme palma da coisa caindo sobre ele e se feriu levemente, mas havia conseguido sobreviver. Seu rosto estava aliviado, enquanto seu coração batia com força. Olhando para a mulher com seus longos cabelos negros, parada de forma majestosa sobre o corpo do monstro que estava prestes a devorá-lo, o sujeito não pôde evitar sentir uma grande admiração e gratidão.
Logo os outros tiraram o sujeito de debaixo da coisa, levando-o para um local seguro.
“Viva a Subtenente!” gritos foram ouvidos por todos os lados.
Contudo, ao contrário dos outros, que estavam contentes, a expressão da Medusa não era de felicidade, mas de preocupação.
Olhando em volta, sobre todo o lugar, que estava, pouco a pouco, sendo invadido pelos Carniçais, ela sabia que se continuassem assim, logo a formação seria desfeita.
Enquanto ponderava, ainda em cima do monstro morto, notou várias silhuetas se aproximando ao longe. Ao ver isso, sua expressão mudou.
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