Capítulo 113: Iniciando o revide
Olhei para Hass, avaliando sua expressão cansada, mas atenta.
— Você esteve lá fora, não é? Como está a situação?
Ele soltou um suspiro curto e passou a mão pelo cabelo desgrenhado antes de responder.
— Sim. O caos está instalado. Os mortos-vivos, na maioria, são fracos sozinhos, mas compensam isso nos números. Eles atacam em bandos, tentando sobrepujar qualquer um que cruze o caminho. O maior problema não são eles, mas o pânico que causam. Muitos estão se escondendo, sem saber o que fazer, e isso os torna presas fáceis.
— E os nobres?
— Ouvi dizer que as propriedades deles sofreram os piores ataques, mas não vi com meus próprios olhos. — Ele fez uma pausa, franzindo a testa. — Além dos mortos comuns, tem algumas aberrações por aí, monstros diferentes… mais fortes. Um desses pegou Haroldo. Eu escapei, acho que Germano também. Mas a elfa maluca dele ficou para lutar. Se ela venceu, e provavelmente venceu, então está ainda mais perigosa.
Franzi o cenho.
— Como assim?
Hass coçou o queixo, olhando para os lados antes de me encarar de novo.
— Ela absorve os poderes daqueles que come. Não me pergunte como. Mas é real.
Não gostei nada dessa informação, mas guardei para depois.
— Então, no geral, temos pessoas lutando, pessoas se escondendo e um cenário de guerra.
— Exato.
Assenti, organizando mentalmente o que precisava ser feito.
— Certo. Vou reunir meu pessoal. Esteja pronto para sair.
Hass balançou a cabeça em concordância, sem dizer mais nada.
A primeira coisa que fiz foi procurar meus amigos. Rosa estava dormindo, provavelmente exausta. Joaquim também dormia, mas seu sono era inquieto. O ferimento em seu ombro ainda não havia cicatrizado completamente, mesmo com a poção de cura. O prognóstico não era bom.
Me aproximei e toquei de leve em seu braço. Ele se mexeu, abrindo os olhos pesadamente.
— Joaquim…
Ele piscou algumas vezes antes de me encarar.
— Você quer se vingar? Por Joana? — minha voz saiu baixa, mas carregada de peso.
Os olhos dele brilharam com fúria contida, e ele se sentou devagar.
— O que descobriu? — murmurou, sua voz rouca.
— Sei quem está por trás disso, mas te dizer agora não vai adiantar. Ela não está mais na cidade. O que podemos fazer é frustrar os planos dela e acabar com essa invasão.
Joaquim tentou se levantar, mas uma fisgada de dor o fez grunhir e pressionar o ombro.
— Eu quero ir, mas assim… não posso.
Ele olhou para o próprio ferimento, frustrado.
— Outra coisa — continuou, me encarando com seriedade. — Depois, não tente me proteger dessa informação. Quero saber quem é essa pessoa. Não me importa se for algum figurão, eu quero saber.
Sustentei seu olhar por um instante antes de responder:
— Pode deixar.
Pensei em uma runa de regeneração e a desenhei rapidamente. O ferimento de Joaquim brilhou por um momento e, em questão de instantes, a carne rasgada se fechou. Nem uma cicatriz restava.
Ele piscou, surpreso, movendo o ombro antes ferido como se testasse sua força.
— Caramba. Isso foi impressionante.
— Vamos precisar de todos em sua melhor forma.
— Sem dúvida.
— Você viu Aiden?
A expressão de Joaquim ficou mais séria.
— Não. Acho que ele foi embora. E, sinceramente, ele não estava bem da cabeça.
Suspirei. Não era exatamente uma surpresa, mas deixaria isso para depois.
— Certo. Se prepare. Vamos sair em breve.
Ele assentiu e eu me levantei, indo atrás de Claire.
Encontrei Claire ao lado de Dante, que ainda estava desacordado. Ela ajeitava um pano úmido sobre sua testa, seu rosto marcado pela preocupação. Me aproximei, e ela ergueu os olhos para mim.
— Vamos sair para enfrentar as criaturas. Também vamos passar pelas casas de vocês. Quer vir?
Ela hesitou por um momento, mas depois assentiu.
— Quero ver como minha prima e meus tios estão.
Seus olhos desviaram para Dante.
— E ele?
Olhei para o rapaz adormecido. Sua respiração era estável, mas seu futuro era incerto.
— Melhor que fique. Não sei como vai reagir quando acordar… aposto que vai querer arrumar encrenca.
Claire franziu o cenho.
— O que aconteceu com ele?
Suspirei.
— Ele foi cooperativo conosco porque fiz algo com ele. Não me orgulho disso. Na hora, parecia a coisa certa, mas agora sei que errei.
Ela arregalou um pouco os olhos, surpresa com minha honestidade repentina.
— Quando tudo isso acabar, eu te contarei tudo. Sem segredos. Tá bom?
Ela corou levemente e assentiu.
— Tá bom.
— Então arrume suas coisas. Vamos sair em breve.
Ela olhou para Dante mais uma vez antes de se levantar.
— Certo. Vou me preparar.
Observei enquanto Claire se afastava para pegar seus equipamentos. Então voltei minha atenção para Pandora. Ela estava ao lado de Marreta e Marius, os três observando os corpos dos gladiadores que tombaram no ataque. O silêncio entre eles era pesado, carregado de algo que não precisava ser dito. Havia respeito na maneira como olhavam os mortos, mas também uma raiva contida, um desejo de retribuição.
Me aproximei com cautela, parando ao lado de Pandora antes de chamá-la de canto. Ela se virou para mim, os olhos afiados e atentos.
— Vou sair para tentar dar um basta nessa bagunça — comecei, mantendo minha voz baixa, mas firme. — Meus amigos querem vingança, e também precisam saber o que aconteceu com seus parentes. Hass vai comigo. Você quer ir?
Pandora me encarou por um instante, como se estivesse calculando a resposta. Mas não demorou muito.
— Isso tudo tem o dedo dela, não tem? — Sua voz saiu grave, quase como um rosnado.
Assenti lentamente.
— Tem.
Seus olhos escureceram, e ela crispou os punhos.
— Ela matou minha família — murmurou, e então ergueu a cabeça, determinada. — É óbvio que vou. Quero minha vingança.
— Ela não está na cidade. O que podemos fazer agora é atrapalhar os planos dela.
Pandora soltou um longo suspiro pelo nariz, mas assentiu.
— Então faremos isso.
Seus olhos vagaram pelo salão, procurando alguém. Não demorou a encontrar Hass, que estava mais afastado, afiando uma lâmina curta.
— Ele vai ajudar, então? — perguntou, sem tirar os olhos dele.
— Sim — respondi.
Ela cruzou os braços, seus dedos tamborilando contra o próprio cotovelo.
— Ele estava com ela naquele dia, não estava?
Minha resposta foi curta, sem rodeios:
— Sim.
Pandora apertou os lábios em uma linha fina, a tensão em seu rosto visível.
— Mas ele salvou você também — acrescentei.
Ela desviou o olhar, seus pensamentos se agitando por trás da expressão fechada.
— Eu sei — admitiu, baixinho. — E me criou como uma filha. Mas… não sei o que pensar.
Havia algo vulnerável em sua voz, uma dúvida que ela provavelmente não admitia para ninguém.
— Isso é algo que só vocês podem resolver — disse, sincero.
Pandora soltou um riso curto e seco.
— Resolver. Como se fosse simples.
Antes que eu pudesse dizer algo mais, Marius se aproximou. Ele tinha os braços cruzados e um olhar decidido.
— Ouvi dizer que vocês vão levar a briga até as criaturas.
Eu e Pandora assentimos ao mesmo tempo.
— Eu e Marreta vamos também — disse ele, sua voz grave, sem hesitação. — Quero ver como está minha oficina lá fora. E Marreta quer ir até o bar, ver o que aconteceu com Amélia…
Marius fez uma pausa antes de continuar, como se o nome da mulher pesasse um pouco mais em sua boca.
— A garçonete, lembra? Aquela dos cabelos loiros espetados.
Eu lembrava.
— Toda ajuda será bem-vinda — respondi, sem pensar duas vezes. — Arrumem suas coisas. Partiremos em breve.
Marius concordou com um aceno e saiu para falar com Marreta.
Fiquei parado por um momento, observando enquanto todos começavam a se preparar. Havia um propósito na forma como se moviam, uma fúria silenciosa que os guiava. Ninguém ali estava apenas sobrevivendo. Queriam revidar.
E eu também.
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