Capítulo 118: A travessia macabra
Ficamos uns bons minutos parados ali.
O peso da situação caiu sobre nós como uma pedra esmagadora. A cena era tão inacreditável que todo o grupo parou, incapaz de dar mais um passo. Como iríamos passar por aquilo? Se eles nos detectassem, estaríamos mortos. O simples número deles iria nos soterrar, não haveria magia e espada suficientes para impedir o massacre.
Alana respirou fundo, controlando o tremor das mãos enquanto mantinha nosso disfarce.
— Vamos ter que fazer uma fila — ela instruiu, a voz baixa e urgente. — Deem as mãos e fiquem bem próximos. Não soltem as mãos ou se afastem por nada.
Troquei um olhar rápido com Pandora, Claire e Joaquim, que assentiram, claramente tão tensos quanto eu.
Sem hesitar, segurei a mão de Alana, sentindo o leve formigamento da energia que ela canalizava. Era uma espécie de miasma, mas diferente daquele que animava os mortos-vivos, ele pulsava de maneira mais controlada e gentil, ainda que sombrio. Estendi a outra mão para Marius, que, um pouco relutante, segurou firme antes de passar a mão livre para Hass.
— Certo… — murmurei, tentando manter a calma, mesmo com o coração batendo no ritmo de um tambor de guerra. — Todos prontos?
Troquei olhares com os outros. Ninguém parecia realmente preparado, mas o silêncio assentido dizia o suficiente. Um misto de receio e determinação pairava no ar, pesado como uma nuvem de tempestade.
Pandora, com os lábios apertados em uma linha rígida, soltou um suspiro curto.
— Se temos que ir, vamos logo — murmurou, segurando a mão de Joaquim, que só acenou com a cabeça, a expressão séria.
A sensação de estarmos prestes a atravessar um mar de morte era sufocante. Ajustei a postura, tomando cuidado para manter o equilíbrio, e fiz Alana dar o primeiro passo. Sua mão tremia, eu não sabia se de medo ou pelo esforço de manter sua magia, mas ela permaneceu firme, liderando o caminho com passos firmes e calculados.
Alana mantinha os olhos fixos na frente, varrendo os mortos-vivos com o olhar atento, enquanto avançávamos em fila única, como uma serpente sinuosa deslizando por entre as sombras. O som de passos arrastados e gemidos baixos formava um coro macabro, um murmúrio constante que parecia vibrar no fundo da mente. Minha pele arrepiava a cada movimento, como se algo maligno roçasse meus ossos por dentro.
Sem a chance de manter as armas em mãos, nos sentíamos expostos e indefesos. A energia que Alana emanava nos tornava invisíveis aos olhos mortos, mas os nervos estavam à flor da pele. Um passo em falso e tudo poderia desabar.
— Mantenham o ritmo — ela sussurrou, os lábios quase imóveis. — Se corrermos, eles podem sentir.
A tensão era tão palpável que deixava um gosto amargo em minha boca. Os mortos se chocavam uns contra os outros, em movimentos erráticos e descoordenados, formando brechas estreitas que se abriam e fechavam em questão de segundos. Alana tinha que calcular cada passo com precisão quase sobre-humana, escolhendo o momento exato para avançar.
Fui para a frente e me choquei com ela, porque um zumbi havia fechado o caminho abruptamente. Pude perceber que ela estava fraquejando, quase a derrubei.
Um morto-vivo tropeçou ao meu lado e caiu, rolando sobre os próprios membros quebrados, o rosto deformado se voltando em nossa direção. Prendi a respiração, esperando que ele não notasse nossa presença. Mas ele apenas se levantou novamente, como se nada tivesse acontecido, arrastando os pés atrás dos outros.
Um corvo que sobrevoava grasnou, a horda levantou as cabeças em um movimento explosivo, farejando algo no ar. Todos nós paramos imediatamente. Senti Alana apertando minha mão com força. O pássaro passou e ela olhou para mim. O cansaço estampava seu rosto. Uma gota de sangue escorreu de seu nariz. Ela iria aguentar?
Meu coração ameaçava arrebentar minhas costelas, e o suor escorria pela nuca, tornando minhas mãos escorregadias. Senti o aperto de Marius vacilar e olhei para trás a tempo de vê-lo tropeçar em um cadáver caído, quase soltando minha mão.
— Cuidado! — sibilei, tentando disfarçar o nervosismo.
Hass o segurou a tempo, puxando-o de volta para a fila. Mesmo assim, Marius não conseguiu evitar um pequeno grito sufocado devido ao susto.
Imediatamente, os mortos em volta se viraram para nós, as mandíbulas estalando em um som horripilante. Ficamos ali parados, congelados, entre soltar as mãos e lutar ou manter a formação e torcer para que não nos vissem. Minhas pernas tremiam, e eu sentia cada fibra do meu corpo se preparando para um combate desesperado.
Mas, por alguma sorte cruel, eles apenas pararam por alguns segundos, farejando o ar e batendo os dentes, antes de voltarem ao seu ritmo errante e caótico. Permanecemos imóveis, suando frio, até que Alana deu um passo lento, indicando que podíamos continuar.
O ar parecia pesar dez vezes mais enquanto avançávamos, e o cheiro de carne podre e sangue coagulado enchia minhas narinas, quase me fazendo vomitar. Marius murmurava algo incompreensível, talvez uma prece ou um palavrão abafado. Pandora vinha logo atrás, os olhos fixos na retaguarda, pronta para reagir ao menor sinal de perigo.
Andando em nossa direção, um dos cadáveres deslizou a mão em Claire, prendendo por alguns instantes em seu cabelo. Vendo sua expressão temi por nossa vida, mas um dos dedos se partiu e a criatura continuou seu caminho.
Depois do que pareceu uma eternidade, finalmente cruzamos a área infestada e chegamos a um pátio abandonado. O espaço central era decorado por estátuas desgastadas e cobertas de musgo, figuras de heróis esquecidos que pareciam nos observar em julgamento silencioso.
Alana ofegou, e a barreira desapareceu, deixando um leve brilho residual no ar antes de se dissipar por completo. Suas pernas cederam por um instante, e eu a segurei antes que caísse. Ela recuperou o fôlego, limpando o suor da testa com as costas da mão.
— Conseguimos — Pandora murmurou, quase descrente, enquanto se apoiava em uma mureta de pedra, tentando recompor a postura.
Alana sorriu, exausta, mas satisfeita, embora seu olhar ainda carregasse um resquício de medo e tensão. Percebi que tínhamos colocado nossas vidas nas mãos de uma desconhecida — uma escolha arriscada e inconsequente, mas que, por sorte, tinha dado certo.
— Você nos salvou — falei, a voz baixa e sincera. — Obrigado.
Ela apenas acenou com a cabeça, sem forças para responder, mas havia um brilho de orgulho contido em seus olhos. Por mais que eu quisesse me sentir aliviado, o pensamento de tudo que ainda tínhamos que enfrentar me impediu de relaxar.
— Não vamos comemorar tão cedo — Joaquim alertou, já de pé e com os sentidos atentos. — Isso foi só uma parte. Ainda temos muito caminho pela frente. As criaturas ali atrás ainda podem nos ouvir.
Assenti, sabendo que ele estava certo. Respirei fundo e encarei o céu pálido acima, tentando encontrar coragem para continuar.
Marius se aproximou e deu um leve tapa no meu ombro.
— Se precisar de uma rota alternativa, já sei um jeito de contornar a ponte sem arriscar tanto.
— Ótimo — respondi, sentindo um fio de esperança. — Vamos em frente.
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