Índice de Capítulo

    Nihara viajava como um meteoro incandescente, chamas ondulavam em torno de suas mãos e pés, expandindo-se como impulsos de um demônio vingativo. Para um pouso triunfal, ele inclinou as pernas para frente e desceu. Quando seus pés bateram firmes contra a plataforma no topo do altar de gelo, a ira queimou tanto quanto o fogo.

    Kyoko, presa no elegante assento glacial, perdia-se na descrença.

    Hisako, a instrutora cujo crescia a satisfação, foi a primeira a receber o aluno do fogo. — Parabéns, Miyazaki. Você é quem chegou mais longe até aqui. Pelo que vi, “Lobo” foi um nome apropriado para o seu grupo. Sua vontade de seguir em frente certamente me lembrou o poder de uma fera solitária.

    A típica felicidade de quem provava o gosto da vitória e a sensação de ser respeitado complementava Nihara.

    O jovem queria mais, e para isso, apelou pelo linguajar presunçoso. — Vamos, instrutora, por que minha oponente não está frente a frente comigo agora? Ela deveria ser punida por dar as costas a um adversário em potencial, não acha? 

    Em resposta, a falta de reação: Hisako mantinha o entusiasmo sem demonstrar qualquer pressa ou interesse em satisfazer sua curiosidade.

    Nihara sentiu-se incomodado, seu instinto alertou. — Chega de se esconder, garotinha! Apareça logo! Quero aproveitar o resto do dia para treinar o que vale a pena, não para perder tempo com suas brincadeirinhas estressantes!

    Silêncio: nenhuma resposta, nem um som, nem um movimento.

    O irritado esbravejou com os dentes, inspirou fundo, e sem mais delongas, apertou o passo rumo ao trono.

    Besteira.

    — Você definitivamente é forte, garoto — comentou Hisako, contemplando o teto — mas totalmente precipitado. 

    Uma energia alheia vibrou sob os pés do ígneo, algo não pertencente ao jovem fez o solo azul parecer tremer antes que uma força avassaladora subisse. 

    “Droga!” Nihara não atrasou sua reação: com um explosivo salto mortal para trás, Nihara propulsionou seu corpo em chamas e evitou o impacto de uma onda sônica arroxeada que abalou o espaço onde estava. Se tivesse sido atingido, onde pararia? Será que ao menos ficaria consciente depois daquilo?

    Seu pouso foi forte: cada pé parou em degraus distantes na escadaria, enquanto suas mãos estabilizaram o equilíbrio.

    O irritado pelo ataque surpresa ergueu o tronco, e então, olhou para frente.

    Lá estava ela: Rin Kurosawa.

    — Aff, Miyazaki — proferiu ela, o sobrenome lhe dava um gosto amargo na boca — esse povinho da sua família é difícil de aturar, viu. Sempre agindo como se o mundo fosse um tabuleiro feito exclusivamente para suas peças douradas. Acham que podem ditar as regras simplesmente por nascerem em um berço, digamos… “mais ornamentado”. Esse teatro todo é mesmo hereditário ou vocês ensaiam pra tentarem ser tão extravagantes quanto o fogo? Que clichêzinho cafona.

    Nihara apertou os punhos cerrados, sua paciência já não estava em alta. — Lave sua boca ao falar da minha família! Deve respeitar a linhagem do fogo!

    — Respeitar a linhagem do fogo? Sendo sincera, não devo respeito a ninguém. Só estou aqui pra tentar descobrir alguma graça nesse imenso mar de merda que é a vida. Já parou pra pensar que a existência não faz sentido? Nascemos, crescemos, e vemos se encontramos afazeres ou pessoas no qual possam deixar o processo mais divertido. Mas sabe o que eu só consigo encontrar? Gente que não quer saber de nada além do prazer próprio e ordens que te fazem se sentir acorrentado, tudo por causa de uma simples habilidade que nos ilude com a sensação de poder absoluto. O ser humano é desprezível… Argh, e um dos piores é aquela garota irritante, mimada até não poder mais. Durante as nossas instruções, ela foi uma completa… ugh, nem sei dizer. Um nojo.

    Para Nihara, a ficha caiu como um balde de água fervente na cabeça. “Então é isso. Ela só pode estar falando da Hiromi.” A boca dele se contraiu num quase sorriso, sem alegria. “Óbvio. Fui do último grupo formado pela instrutora antes dela nos jogar ladeira abaixo, mas antes, pude perceber que formaram-se três grupos com quatro, e assim, sobraram a prisioneira, Hiromi, e essa linguaruda aí.”

    Os desprezos não saíam da cabeça do Miyazaki, isso o motivava tanto quanto o irritava.

    “Agora eu saquei o jeito como ela fala, tá cuspindo arrogância porque não tem uma aliada. Eu até aceitaria agir ao lado dessa aí se me escolhessem, no mínimo seria mais divertido do que carregar aquele bando de inúteis nas costas. Mas… Essa menina acha mesmo que pode fazer pouco caso da minha família bem na minha frente!?” Chamas subiram pelos dedos e os olhos viraram fornalhas, o fato de sequer ser relevado já era o suficiente para ferver o sangue. — Você! Não fale da Hiromi! E muito menos da minha família! Seu foco aqui sou eu!

    Rin soltou um riso, sem mexer um músculo além dos lábios. — Hum, você? Ah, dá um tempo. Sua pessoa é só mais um daqueles de ego inflado que acham que podem resolver tudo na base da gritaria. — Ela levou um dedo à boca em um gesto de quem acabara de se lembrar de algo. — Olha, teve um agora há pouco que com certeza deve pensar o mesmo… mas, esse não teve um final tão bom. Acho que era amigo seu.

    Nihara não suportava mais; o fogo subiu mais alto, irradiando ao redor de seus punhos. A cabeça abaixou, um sorriso enviesado apareceu na boca. — Interessante ouvir isso de você, garota… Afinal, considerando o esforço que faz pra ser essa grande misantropa1… — ele a encarou com uma cruel diversão — no fim das contas! Tu não tem ninguém pra se importar sobre como a sua história termina!

    O clima ficou espesso.

    O entendimento e a aceitação tiraram o brilho que já não existia nas íris violetas.

    Rin fechou os olhos e deu um suspiro… longo… e fundo.

    — Ok… Você venceu.

    Sua postura se ergueu novamente, e Nihara… coitado, nem teve tempo para terminar de sentir o gosto falso da vitória. Seus pelos da nuca se arrepiaram antes mesmo de entender o porquê.

    Rin ergueu a palma da mão direita, e dali, o ambiente ao redor distorceu-se em giros incessantes, o mundo perdia a coesão. Linhas escuras e velozes cortavam o espaço do ar, seguindo o trajeto circular antes de convergirem para um ponto acima da palma púrpura. Uma pequena esfera escura surgiu, girou, girou, girou, e cresceu.

    No solo abaixo, Minoru suspeitava. — O que é aquilo!?

    Kinyoku desgrudou as costas da parede, seu corpo estava atento. — Uma energia forte. O que aquela garota está pensando?

    Os outros alunos também viam o fenômeno; ninguém compreendia com exatidão… a não ser por um.

    Como de costume, Teruo ajeitou os óculos com calma. — É, talvez estejamos diante de um-

    Entretanto, Sho se meteu entre eles com uma expressão tomada pelo desespero. — UM BURACO NEGRO!!! ACHEM ALGUMA COISA PRA SE SEGURAR!!!

    Nikko estranhou. — Buraco negro? Pff, para, essas coisas nem podem ser representadas por uma aur-

    E então tudo começou a “ir para o espaço”.

    Uma força esmagadora derrubou todos, sugando-os lentamente na direção do vórtice nas mãos de Rin. Um barulho agudo, vibrante, estridente e crescente, iniciou-se macabramente, era como se o próprio espaço estivesse chorando em agonia.

    O ar tornava-se denso e seguia a viagem para o impensável.

    A esfera aumentava mais e mais, alimentando-se do próprio ar que dificultava a respiração de todos.

    O caos havia começado…

    O chão gelado, além de extremamente liso, tornou-se mais escorregadio do que poderia ser. Mesmo assim, com desespero ou frieza, os alunos procuravam pontos de apoio que não existiam.

    Um detalhe suspeito: Akemi, entre eles, não estava…

    Porém, embora a alta dificuldade, Mayumi, encontrou uma saída própria: fincar a espada no gelo a segurou. Qual era o limite para aquela arma trêmula?

    Era delirante não conseguir destravar o corpo colado no chão.

    — Ruivinha! Ahg! — Nikko tentava se segurar, e assim como a maioria, não encontrava apoio. Mayumi estava longe demais para ser uma alternativa; a pressão impossibilitava redirecionamentos. — O que faremos contra aquilo?! Seremos mesmo sugados por aquela energia!?

    — Nunca passei por isso antes, não tenho ideia do que pode acontecer.

    Com uma careta de esforço, Kinyoku pensava nas alternativas que tinha. “Nhrg, essa pressão… Não consigo me adentrar nas sombras, como?!” Ele olhou para os aliados. “Sasaki e Hattori também parecem debilitados, nos desgastamos demais por lutarmos sem armas, e pra piorar, o tempo não nos recuperou. Estamos com problemas.”

    Contra a maré gravitacional, Sho esticou a mão para a irmã. — Aruni! Segure minha mão e não solte por nada!

    — A-ah! M-mas, irmão! Assim a gente vai morrer!

    — Ichikawa! — chamou Minoru — onde tá o Akemi!?

    — A-Akemi?! — Nikko procurou por todos os lados. — E-e-eu não vejo ele! — No balançar das marias-chiquinhas, a garota continuava à procura… Nada, nem um sinal. “Onde tá aquele garoto? Pra onde ele iria num momento desses?! Grr! Se eu pelo menos pudesse usar a minha aura, eu nem consigo levantar os braços!”

    Mas Minoru se animou. — Não se preocupa, Ichikawa! Se eu conseguir chegar perto daquela garota enquanto sou puxado, posso ter uma chance de parar tudo isso! 

    — Ter uma chance? Hahaha, bobagem — a risada esnobe saiu de outrem — quanto mais estiver perto daquilo, menos controle sobre o corpo terá. Aceite logo o fracasso no desafio.

    Ambos viraram os rostos e visualizaram Teruo Kenzo deslizando de barriga para cima, perna cruzada e mãos atrás da cabeça.

    — Tá querendo aparecer, é, tampinha?!

    — Não seja hipócrita, estou somente apreciando uma aura de origem desconhecida.

    — Origem desconhecida?! — indagou Nikko.

    — Fascinante, não é? Se analisarmos bem, tudo claramente aponta para uma conexão com eventos espaciais, assim como aquela garota nos informou. Como o mundo áurico se desenvolveu a ponto de conseguir habilidades tão distantes dos elementos clássicos é uma dúvida que encanta, mas o que me intriga de verdade é: qual o preço deste poder? Aliás, uma aura tão poderosa com certeza não viria sem nenhuma restrição.

    Perto do problema principal, Nihara segurava-se com as duas mãos em um dos degraus onde estava, um apoio que provavelmente não o ajudaria por muito tempo, já que ali, a força era tão grande que seus pés voavam em direção à esfera obscura. Ele tentava chamas, mas até o brilho amarelado era engolido pela esfera. — Nrrr! — Com o canto do olho, ele flagrou o sadismo em pessoa, onde o único movimento era o balançar frenético de cabelos curtos e lilases. — O que deu na sua cabeça!? Vai matar todos nós se continuar assim!

    — Aaah, legaaal… — um eco espectral dava a estranha sensação de que a voz de Rin se estendia além do tempo — você entendeu rápido o perigo que passa. Parabéns, mais um ponto pra ti, esquentadinho.

    — Tu é maluca?!

    — Maluca? Quem sabe. Na verdade, queria eu saber o que sou além da casca de um experimento feito por idiotas.

    Nrrraah! Do que cê tá falando!? Chega dessa palhaçada! Se continuar fazendo isso, vai causar um desastre na academia!

    — Nah, fica de boa. Este poço gravitacional não possui nem um bilionésimo da real força de atração. Só que… se atravessarem o horizonte de eventos, não creio que poderão ter volta. Além do mais, não precisa se preocupar comigo, eu vou junto, porém, de outra forma. 

    A vívida tonalidade roxa se alastrou pelo pescoço, indo até as orelhas como uma marca venenosa.

    Rin levou a mão livre ao rosto, mas não conseguiu se impedir de falar consigo mesma. — Haah, que propósito patético. É impressionante que uma mísera fração de energia já é o suficiente pra ativar a Singularidade, e pensar que aquela corja imunda ainda se ilude com uma busca pela aura perfeita… Que ironia, não? Tão obcecados com poder, tão cegos que nem percebem o quão longe estão do próprio ideal — nas frestas entre os dedos, a esfera crescente foi entrevista — mas, pode ser que exista uma solução para o fim de tudo isso… — a insanidade apareceu… — se eu simplesmente acabar com a minha existência junto dessa aura abominável, quem sabe não transformo esse projeto miserável no fracasso monumental que aqueles desgraçados tanto merecem!

    A potência e tamanho da esfera aumentaram juntamente do barulho estridente.

    Nem mesmo a luz sobrevivia perante a extinção em partes de um vortex insaciável.

    Os arrastos pioraram, o desespero descontrolava, e a certeza da morte, se confirmava.

    Com apenas as pontas dos dedos o segurando, Nihara lutava contra a força etérea, mas apesar da resistência, era improvável aguentar por mais tempo. O pior dos destinos era esperado.

    Vendo a expansão contínua do próprio poder, Rin transfigurou seu rosto no delírio. O momento era dela. — Um poder que parece perfeito, que purifica, destrói, apaga e reconstrói, entretanto, no final, a sensação ruim continua a mesma… Nojo, não do poder, mas pelo que ele faz comigo. Ele me consome, me transforma em uma coisa que mal reconheço, me causando dores incessantes nesse universo que nunca acaba… Eu não preciso mais me segurar. Não precisarei caminhar, medir palavras, nem mesmo me preocupar com pensamentos. Não estarei mais presa a números e nem à força que me dizem ser revolucionária… Um dia, todos vão ver… vão entender o que é realmente ser incompleto.

    Em proporções absurdas, a esfera transformou-se em um caminho roxo e curvo que girava em torno de um ponto central obscuro, expandindo-se e contraindo-se continuamente, a imagem do redemoinho sem fim.

    O tom mais escuro do violáceo dominou por completo o corpo que suportava.

    — Contemplem! A fusão de tudo o que é impuro, para enfim, chegar à pureza! Um vórtice em ciclo refinado por sua natureza! Esta é a verdadeira forma do infinito, tão destrutivo quanto o supermassivo, o espiral cósmico! — Inusitadamente, Rin perdeu o delírio para um sorriso singelo que jamais julgara capaz de oferecer, muito menos a um jovem cuja essência lhe causava tamanho detesto. — Obrigada, garoto. Se não fosse por você, eu não teria a coragem de tomar essa iniciativa. Foi bom te usar pra desabafar.

    Enquanto alguns se debatiam, duas figuras contemplavam tudo de forma solene.

    De olhos bem abertos, Kyoko observava o vórtice. A boca coberta de gelo a impedia de se expressar, em síntese, ela nunca teria palavras.

    Já Hisako… era outra história. 

    A instrutora prendeu sua cadeira ao chão com uma espécie de cinto congelado e abriu os braços para acolher o caos. Seus olhos estavam marejados, majoritariamente, pela idolatria. — Aah… Isso! Belo! Lindo! Estupendo! Um combate na forma mais pura da insanidade! Há quantas décadas eu não vejo isso diante dos meus olhos?!

    Alguns alunos perderam as forças, e um a um, foram puxados de vez. Nem a lâmina fincada de Mayumi suportou: sua espada voou pelo ar, um material mais leve que velozmente atravessou o abismo roxo.

    Rin, no centro de tudo, continuava imóvel. Seu lado esquerdo desintegrava-se aos poucos, como um papel queimando de dentro para fora. A marca consumia seu corpo: condição áurica, talvez.

    — Estão de parabéns, meus queridos alunos — disse Hisako, sincera — mas não é isso que Asahi precisa.

    Nihara perdeu o apoio, seus dedos escorregaram. O vácuo o puxava para a escuridão infinita. Olhos arregalados e o corpo esticado e distorcido sabiam: não havia mais nada que pudesse fazer. Era o fim.

    Todavia, deixar a maioria dos alunos de uma turma áurica ser dizimada de uma só vez justamente no início de suas jornadas? Não.

    Asahi passava por uma seca de jovens interessados na carreira militar. Injustiças, dores, mortes, tudo isso estava em abundância na vida dos que lutavam em defesa da pátria; o que acontecia no clímax daquele desafio já mostrava o que poderia ser visto em uma guerra áurica.

    Proteger a integridade daqueles que sonham usar as próprias habilidades para salvar a vida dos seus, era essencial.

    Antes da primeira vida ser totalmente apagada pelo inimaginável, o tempo… estagnou.

    Cada aluno em diferentes posições, cada fragmento de gelo flutuando, cada partícula de poeira suspensa, tudo ficou parado.

    Nihara estava preso no ar, incapaz de completar o grito que nunca saiu.

    No topo do altar, Rin continuava na mesma posição: olhos fechados, um lado do corpo roxo desintegrado, esperando um desfecho que, pelo estado da cena, nunca chegaria.

    Kyoko, até então tensa, estava mais congelada do que poderia estar.

    Hisako, de braços abertos e sorriso de ponta a ponta, via-se inalterada. Eventualmente, se conseguisse, levantaria uma sobrancelha por interesse.

    Algo ou alguém havia interferido, e naquele instante, no silêncio absoluto onde nem mesmo a aura podia vibrar, surgiu o responsável.

    Além do espaço comum, a lógica das sequências normais da realidade foi rompida. No topo do altar, bem à frente de Hisako, uma oval distorcida e transparente do espaço-tempo se retorceu em uma nova espiral contra o mundo. O próprio tecido da realidade era rasgado com um som peculiar e sem cor, e de dentro da fenda, uma mão com escrituras prateadas e brilhantes na palma atravessou primeiro, depois, uma silhueta humana coberta por panos escuros tocou o chão com um passo leve.

    Lateralizado diante de Hisako, sua presença silenciosa trouxe o peso de mil relógios parados ao mesmo tempo.

    Detalhes metálicos reluziam sob o manto escuro. Um pontiagudo capuz preto encobria-lhe o rosto, e no centro do tecido da longa capa negra, a imagem formada pelo contorno de um grande relógio representava ponteiros invertidos e números deformados. O símbolo era além.

    A farda também preta mal aparecia sob a escuridão da indumentária2 misteriosa. A cabeça baixa e o breve silêncio sepulcral3  davam um ar ritualístico à aparição.

    — Tenente-coronel Hisako Shimizu — começou ele, com o grave abafado filtrado por algo rígido sob o capuz. Havia frieza, sim, mas também um traço inegável de inteligência — como sempre, suas instruções seguem me dando cada vez mais trabalho. Chego me perguntar se algum dia terei o privilégio de não precisar salvar um aluno em suas circunstâncias… letais… — uma breve pausa o deixou saborear o drama das próprias palavras.

    Repentinamente, sons de passos subiam pelas escadas do altar.

    O homem envolto por panos negros permanecia estático como os ponteiros em suas costas. Ele conhecia aquele som, reconhecia o ritmo daqueles passos. Quem vinha já estava em sua mente.

    Acessando o topo, onde a curvatura de luzes divididas entre o claro e o escuro distorciam a vista, elevou-se Teruo Kenzo. O ar em volta dele ondulava levemente, como se pequenas fagulhas de tempo vibrassem, seguindo o movimento.

    — Chegou bem na hora — comentou o rapaz, calmo; seguidamente, seus olhos voltando-se para a imobilidade de Rin. — Aquela garota possui uma aura de propriedades altamente incontroláveis, se atrasasse por mais um segundo, aquele rapaz provavelmente não teria mais volta.

    O encapuzado continuava oculto sob o manto. — Recomendo que tome medidas cautelosas daqui para frente, Teruo. Minha aura ficará em desuso até que eu me recupere totalmente. Você já não é uma criança, e eu estou ficando limitado. Daqui a pouco, posso não estar por perto para prevenir perdas desnecessárias.

    A mensagem contou prévias de quem já lidara com futuros que nunca aconteceram. Teruo demorou para responder, mas entendeu o que lhe foi dito. — Eu sei.

    — Sei que você sabe, por isso, teremos uma boa prosa depois daqui — terminando com o garoto, o ser enigmático virou-se de frente para a instrutora, e assim, viu-se que uma máscara oval com pequenos buracos na região da boca mantinha a identidade oculta.  — Suas brincadeiras estão encerradas, Tenente-coronel. No momento de definir as notas, aproveite e valorize os alunos que sabem a hora certa de agir. Espertos são aqueles que sabem se distanciar das piores situações, e inclusive, do inviável.

    A última frase, por mais que parecesse estranha, não foi solta à toa. Aquilo não se tratou de um aviso, foi um diagnóstico. Pois ele sabia, sabia que a quantidade de alunos não se resumia ao salão congelado.

    No limiar da escadaria, entre as sombras distantes, Akemi se escondia, sentado, encolhido, calado, e esquecido. Braços cruzados sobre o joelho apoiavam o nariz, e o olhar castanho, tão vazio quanto o deserto, fixava-se em um ponto indefinido na descida quase infinita dos degraus à sua frente.

    Era difícil dizer se a imobilidade vinha do caos paralisado no salão, ou se o silêncio era todo dele, vindo de dentro, um eco de sentimentos que nunca foram expelidos. Mas pouco importava, porque mesmo que o ponteiro voltasse a girar, Akemi não sairia dali.

    Um mundo paralisado ao redor, e entre ele, um garoto que não queria mais se sentir fraco, inútil.

    Preso por dentro e por fora, Akemi tinha que se libertar…

    1. Alguém que se sente desconfortável com a vida em sociedade, além de desconfiar e antipatizar com as outras pessoas.[]
    2. o que uma pessoa veste; induto, indumento, vestimenta, roupa.[]
    3. que evoca o sepulcro, a morte; sombrio, triste, medonho.[]

    Obrigado pela inspiração, Henrique Mendonça!

    Perdão, mas eu precisava eternizar a genialidade dele na minha novel…

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