Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 14 — O Preço do Prodígio.
O sol já estava alto no céu quando saímos de casa, mas o calor parecia distante, abafado pelo peso que eu carregava nos ombros. A rua de terra batida estendia-se à nossa frente, familiar e estranha ao mesmo tempo. Elijah e Mael caminhavam ao meu lado, seus passos hesitantes, como se ainda não soubessem o que pensar de mim.
Minha mãe, Sophia, ia à frente, os braços cruzados e o olhar fixo no horizonte, enquanto meu pai, Aragi, seguia logo atrás dela, carregando uma calma que eu sabia ser forçada. Eadric, o oficial de postura rígida, fechava o grupo, seus olhos atentos varrendo as ruas como se esperasse algo saltar das sombras.
Eu segurava o saquinho de moedas no bolso direito, os dedos roçando o tecido áspero enquanto tentava ignorar o nó no estômago. Era tudo o que restara da minha aventura na floresta — o livro ficara para trás, perdido na lama ou nas mãos daquele lich, Nae’Zyrael. Mas não era só isso que me pesava agora. Tudo mudara desde que Eadric me encontrou perto do portão.
Depois que chegamos em casa, encontrei Elijah e Mael sozinhos, os olhos arregalados de preocupação, enquanto Sophia e Aragi estavam nas ruas, procurando por mim.
Eles haviam saído ao amanhecer, movidos pelo pavor de que eu tivesse desaparecido para sempre, enquanto meus irmãos ficaram para trás, esperando um sinal.
Quando meus pais voltaram, exaustos e com os rostos marcados pelo alívio ao me verem vivo, Eadric explicou tudo: minha queda perto do portão, o interrogatório na base dos cavaleiros ao lado da muralha e a oferta do Capitão Garrick — dez anos no exército em troca de uma vida melhor para nossa família.
A conversa foi pesada, com vozes abafadas e silêncios que diziam mais do que palavras, mas no fim, decidimos ir até a base no portão para falar com o Capitão e entender o que viria a seguir. E agora, aqui estávamos, caminhando rumo a um destino incerto.
“Você está bem, Flügel?” A voz de Nytheris soou baixa na minha mente, um sussurro quase hesitante. Ele estivera quieto desde que voltamos, como se também carregasse o peso do que enfrentamos.
“Não sei” respondi, mantendo o olhar fixo no chão. “Mas vou ficar. Tenho que ficar.”
Ele não respondeu, mas senti sua presença se aquietar, um conforto silencioso que me ajudava a manter os pés no chão. Eu precisava disso agora, mais do que nunca. Não era só o lich ou o trauma — era o que vinha pela frente. Dez anos no exército. Uma escolha que eu fizera por eles, pela minha família, mas que ainda parecia um salto no escuro.
— Flügel — a voz de Elijah cortou meus pensamentos. Ele estava ao meu lado, os olhos castanhos arregalados de curiosidade e algo mais, talvez medo. — Você realmente vai embora? Tipo… por dez anos?
Olhei para ele, tentando encontrar as palavras certas. Ele tinha seis anos agora, e Mael, oito, mas ambos pareciam menores naquele momento, vulneráveis de um jeito que eu não queria ver.
— Não vou embora ainda — disse, forçando um tom leve. — Vou treinar aqui mesmo, no reino. E vocês vão estar bem, eu prometo. Vamos ter uma casa nova, comida na mesa… não vai ser como estamos agora.
Mael bufou, cruzando os braços enquanto chutava uma pedra no caminho. — Você voou, Flügel. Voou! E agora vai virar soldado? Isso é coisa de história, não de verdade.
Eu sorri, mesmo que fosse um sorriso fraco. — Às vezes, a verdade é mais estranha que as histórias, Mael.
Sophia virou-se para trás, o olhar cortante me encontrando antes de suavizar ao pousar nos meus irmãos. — Chega de perguntas, vocês dois. Vamos descobrir o que isso tudo significa quando chegarmos lá.
Aragi assentiu, mas seus olhos estavam em mim, cheios de uma mistura de orgulho e culpa que eu já conhecia bem. Chegamos à base no portão mais rápido do que eu esperava.
A construção robusta, feita de blocos de granito escuro com vigas de metal reforçando as paredes e o telhado, estava encostada na muralha de pedra que cercava Tournand. A torre de vigia ao lado, conectada por uma passarela estreita, erguia-se contra o céu claro, enquanto o pátio cercado por uma cerca de madeira abrigava alguns cavalos e o eco de vozes distantes.
Eadric passou à frente, trocando algumas palavras com os guardas no portão menor antes de nos fazer um sinal para entrar.
Dentro da base, o ambiente era austero, mas organizado. O cheiro de óleo para armas e couro envelhecido misturava-se ao aroma de pão fresco vindo de uma cozinha improvisada no canto. O Capitão Garrick estava na sala de comando, sentado atrás de uma mesa de madeira maciça, examinando um relatório. Seu olhar severo encontrou o meu assim que entrei.
— Família Handels — a voz firme ecoou no espaço pequeno. — Bem-vindos. Vamos discutir o futuro do seu filho.
— O meu filho não vai para o exército! Ele tem cinco anos! — Sophia interrompeu, caminhando em direção ao Capitão Garrick. Aragi foi atrás dela, colocando uma mão nas suas costas, esfregando levemente.
— Temo que isso não seja possível. O garoto já assinou, e isso é tudo que eu preciso. O contrato é claro: é no mínimo dez anos. Se ele sair antes disso, terá que pagar pela quebra de contrato com o exército. E também, ele é uma criança com bastante poder. Não é um feito fácil voar. Ele provavelmente terá que ser levado em detenção até decidirmos que não é uma possível ameaça para a vida no reino. — Garrick disse, apoiando os cotovelos na mesa, enquanto batia seu indicador levemente, como se destacasse as palavras importantes.
Assim que Sophia abriu a boca para falar novamente, Garrick levantou a mão direita, indicando para ela segurar suas falas, e então elaborou:
— Porém, deixe-me te falar o que ele irá fazer no exército. Você está pensando que iremos mandá-lo para alguma exploração ou então o colocaremos em patrulha, certo? Não. Primeiro, ele irá estudar, assim como toda criança. O colocaremos na melhor academia do reino, e ele também terá aulas no exército. — Ele parou por um momento, deixando Aragi e Sophia absorverem as informações.
— O ensinaremos magia no exército. Ele aprenderá combate, corpo a corpo também, e é óbvio que, quando tivermos alguma tarefa da qual ele consiga dar conta, o enviaremos. Mas jamais iremos sobrecarregar o seu filho. Acho que vocês não estão entendendo. — Garrick se levantou, dando a volta na mesa, ficando na frente dela e olhando nos olhos de Sophia.
— O filho de vocês, com apenas cinco anos, conseguiu usar magia de vento para voar, sem um tutor ou qualquer guia. E ele me disse que seu arsenal de feitiços é: magia de cura, vento, fogo, água e gelo. O seu filho é a elite dos prodígios… E, pelo que ele disse, aparentemente ele deve ter afinidade com todos os elementos, os comuns pelo menos. Mas é bem provável que ele também tenha afinidade com o elemento escuridão e luz.
Garrick acariciou a barba do queixo antes de continuar:
— Vocês sabem… que, apesar dos seus filhos se apresentarem apenas como Aurion, todos perguntaram de qual família eles são, certo? Não será fácil eles arrumarem empregos… Podemos ajudar seus outros dois filhos também. Pagaremos também a mensalidade da academia de seus outros dois filhos.
Aragi e Sophia estavam pensativos. Eles queriam se opor e não me deixar ir para o exército, mas com todos esses pontos positivos, não havia um porquê concreto para não me deixar ir.
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