Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 40 — Sparring Com Nytheris
O sol banhava Tournand com sua luz dourada e agradável, esquentando a pele com um calor reconfortante. A leve brisa da manhã tornava o calor suportável, perfeito para o treino.
Sob aquela luz, Nytheris se destacava, segurando sua espada negra sem corte. Seus cabelos escuros caíam sobre o rosto, emoldurando olhos negros como o vazio mais profundo. Sua pele, branca como papel, contrastava com feições masculinas, suavizadas por curvas delicadas que conferiam uma beleza quase sobrenatural.
Trocar golpes com Nytheris nunca foi fácil. Sua força e técnica eram um desafio à altura, e nossos atributos físicos, velocidade e força, eram quase idênticos, especialmente após eu assimilar completamente as duas poções de melhoramento.
No passado, Nytheris sempre vencia com facilidade. Seus golpes, no início, pareciam carregar uma raiva contida, mas com o tempo ele se tornou mais controlado. Mesmo assim, sua técnica, agilidade e força faziam-me sentir como um novato diante de um mestre.
Puxei o ar profundamente, sentindo a mana mundial fluir livremente pelos meus canais refinados. Meu ardema estava me envolvendo como uma armadura invisível, amplificando minha força e confiança. Mas, ao encarar Nytheris, seus olhos me prenderam — profundos, intensos, carregando um peso que fez meu peito apertar.
Não era a cor, mas a sensação, a familiaridade com aqueles olhos carmesins que me observaram na escuridão entre a morte e este mundo, um eco de algo indizível que eu não podia nomear. Tentei afastar a inquietação e focar no treino, mas aquela sensação sempre persistia.
Logo o clangor de nossas espadas colidindo ecoava pelo jardim, minha espada se chocava com a de Nytheris a cada segundo, a nossa velocidade de reação e resposta beiravam o inacreditável.
Eu também estava aguentando muito bem. Qualquer um que olhasse de fora perceberia que eu estava em desvantagem, minha envergadura era muito menor do que a de Nytheris, eu tinha que me arriscar muito mais do que ele para ter a chance de pelo menos acertá-lo, mas eu sabia me virar com isso.
Eu usava a minha altura ao meu favor, sempre entrando com golpes baixos em minhas investidas, e esquivando sempre que possível para agilizar os meus contra-ataques.
Sempre utilizando golpes em curva baixa, eu buscava desestabilizar sua base, forçando-o a se abaixar e abrir brechas. Era meu único jeito de equilibrar a diferença de alcance entre nós. Cada investida minha era fria e precisa, uma dança letal com passos já memorizados, mas que nunca pareciam suficientes.
Nytheris respondia com perfeição. Seus movimentos eram suaves, como se a gravidade o respeitasse demais para prendê-lo ao chão. Sua espada negra, embora sem fio, era uma extensão do seu corpo, cortando o ar com uma graça brutal, desviando, redirecionando e dominando o fluxo do combate.
Num momento, deslizei pelo chão e disparei uma estocada mirando sua coxa, rápida, muitos teriam dificuldades em desviar. Nytheris girou os quadris com leveza, desviando por um triz, e o cabo de sua espada veio contra meu pulso com precisão cirúrgica.
Soltei a lâmina enquanto a dor perfurava o meu braço. Ela girou no ar e cravou-se de lado na terra.
Antes que eu pudesse pensar demais, joguei-me para frente, agarrando suas duas pernas, imitando as lutas de MMA que vi por conta do tédio em minha vida passada. Eu sabia o nome daquele golpe, ele se chamava double leg.1 Apesar de saber o nome, eu não sabia como aplicá-lo corretamente, então fiz o que me parecia certo: agarrei suas pernas com força e tentei derrubá-lo.
Nytheris reagiu como um raio, abaixando o centro de gravidade e firmando os pés no chão, enquanto abria as pernas e empurrava meus ombros com força para me desequilibrar. Ele era rápido, preciso, como se tivesse previsto cada movimento meu.
Contra qualquer outro, aquele contra-ataque teria funcionado, me jogando para trás antes que eu pudesse completar o golpe. Mas as poções haviam mudado tudo. Meus músculos pulsavam com uma força bruta que não pertencia a uma criança de dez anos. Meu ardema rugiu, uma chama selvagem que incendiava cada fibra do meu corpo, e meus músculos se tencionaram.
Agarrei suas pernas com mais força, os dedos cravando como garras, e puxei com uma violência que surpreendeu até a mim mesmo. Nytheris resistiu por um instante, seus músculos tensos lutando contra meu impulso, mas eu não cedi. Com um grito gutural, usei toda a potência das poções correndo em minhas veias e o arrastei para baixo. Ele caiu com um baque surdo na grama.
Não parei. Joguei-me sobre ele, a luta agora no chão, como nas competições que eu via na minha vida passada. Nytheris tentou rolar para escapar. Suas mãos buscaram meus braços, tentando me imobilizar, mas eu fui mais rápido. Prendi seus ombros com os joelhos, meu peso amplificado pela magia gravitacional mantendo-o no chão.
Ele se debateu, mas cada movimento seu era respondido com mais pressão minha. Finalmente, envolvi seu pescoço com as pernas não para machucar, mas para mostrar que a luta estava ganha.
— Renda-se — disse, minha voz rouca, com o suor escorrendo pela testa
Nytheris parou de se mover. Seus olhos negros, profundos como abismos, encontraram os meus. Por um instante, eu estremeci, com medo de que tudo mudasse de repente, como tantas vezes antes, mas ele relaxou, um sorriso torto curvando seus lábios.
— Você venceu Flügel — seu sorriso estava escondendo o seu orgulho, mas seus olhos brilhavam com felicidade e orgulho diante do meu feito e crescimento.
Levantei-me, ofegante, o coração trovejando no peito. As espadas de mana começaram a se desfazer, a adrenalina ainda correndo em minhas veias. Pela primeira vez, eu tinha vencido Nytheris. Não por técnica, não por estratégia, mas por pura força bruta. As poções haviam feito isso. Eu estava mais forte. Mais rápido. Mais perto de ser imparável.
Mas quando olhei para Nytheris, que se levantava limpando a poeira, vi algo em seu rosto que me fez hesitar. Seus olhos cheios de orgulho e felicidade me trouxeram um sentimento ruim, como se eu tivesse dado um passo já predestinado a um destino que eu desconhecia, um sentimento de mau presságio.
O som de botas pesadas quebrou o silêncio. Virei-me e vi o Capitão Eadric se aproximando, o rosto marcado por uma tensão que parecia crescer a cada dia. Ele segurava um pergaminho selado com o brasão de Tournand, e meu estômago se contraiu. Aquele selo era um mau presságio certeiro. O mesmo que me mandara para a floresta há três anos. O mesmo que quase me destruiu.
— Flügel — disse Eadric, a voz firme, mas com um tom de relutância. — Major Garrick quer você no quartel. Agora.
Nytheris se colocou ao meu lado, sua presença como uma sombra silenciosa.
— O que ele quer? — perguntou, a voz calma, mas com um toque de preocupação que não escondia.
Eadric hesitou, seus olhos encontrando os de Nytheris por um instante antes de mudar o olhar para mim. — Uma nova expedição. Garrick está reunindo um grupo para partir ao amanhecer. Ele deseja seu suporte. Diz que sua força é essencial para o que está por vir.
O ar ficou pesado, como se o próprio sol tivesse recuado. Uma expedição. Outra missão. Meu coração pulsou, uma mistura de excitação e medo que eu não podia ignorar. Três anos haviam se passado desde a floresta, mas as cicatrizes daquele dia ainda ardiam em minha mente.
Olhei para Nytheris, esperando ver a carranca de sempre, mas ele apenas me observava, seus olhos negros profundos e indecifráveis, como se estivesse pesando o que eu faria a seguir.
A vitória ainda estava fresca em minha mente, o poder residindo dentro de mim gritando mais alto que o medo. Eu tinha derrubado Nytheris hoje, vencido ele com a força bruta que as poções me deram. Eu não era mais aquele garoto fraco que morreu diversas vezes e entrou em pânico quando entrou em uma batalha real. Precisava provar isso para Garrick, para Nytheris, para mim mesmo.
— Diga a Garrick que estarei lá — respondi, minha voz mais firme do que eu sentia.
Eadric suspirou, um peso visível caindo sobre seus ombros. Ele assentiu, entregando-me o pergaminho, e virou-se, como se não suportasse me olhar. — Esteja no quartel ao meio-dia. Não se atrase.
Enquanto Eadric se afastava, Nytheris permaneceu ao meu lado, silencioso. Seus olhos seguiram o pergaminho em minha mão, e por um instante, pensei que ele diria algo, uma advertência, um conselho. Mas ele não fez nada e nem acrescentou algo.
- é uma técnica de luta de wrestling que consiste em agarrar as duas pernas do adversário para derrubá-lo[↩]
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