Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    Meu corpo nunca esteve tão forte. Eu sentia aquele poder irradiar dos meus ossos, de cada músculo do meu corpo. Naquele exato momento, sentia que poderia matar um dragão.

    — Certo, pare — a voz de Álvaro cortou meu devaneio, e eu rapidamente obedeci, encerrando minha aura de batalha. Estava encharcado de suor, me sentindo tão cansado quanto um homem que correu uma maratona.

    O capitão Álvaro estava parado diante de mim, com seu sorriso torto e a mão esquerda apoiada no punho da espada.

    — Você é um grande achado, hein, garoto! — disse com um grande sorriso.

    — O-obrigado… — falei entre arfadas, enquanto o suor pingava do meu rosto direto para o chão. Uma leve dor irradiava do meu peito.

    Me forcei a ficar de pé. Nytheris estava ao meu lado. Agora, depois de seis meses, ele tinha a aparência de um garoto de doze anos. Coloquei as mãos para trás, ficando em posição de descanso.

    Nytheris assumiu a mesma postura, me observando com curiosidade.

    — Certo, você conseguiu manter o ardema por trinta segundos. Isso é incrível para sua idade, considerando que nem mesmo despertou essa habilidade naturalmente.

    — Obrigado, senhor! Só consegui fazer isso graças aos seus ensinamentos!

    — Não me bajule — resmungou Álvaro, ainda com o sorriso torto —. Se for agradecer, agradeça ao seu corpo por não ter explodido. O ardema devora os órgãos de quem não sabe usar.

    Engoli em seco. A dor no peito não era apenas cansaço. Era o preço.

    — Agora, pare de se gabar com esse olhar de “sou foda” — ele zombou. — Vamos para o próximo treino.

    Endireitei-me. Nytheris também. Mesmo sem dizer uma palavra, parecia se divertir com o que viria a seguir.

    Álvaro deu alguns passos para o lado e esticou o braço direito, apontando para um conjunto de barras de ferro, pedras amarradas com cordas e sacos de areia empilhados no canto do pátio.

    — Duzentas flexões. Depois, corra dez voltas ao redor do campo. Quem não conseguir, vai limpar todos os banheiros do quartel!

    — O quê?! — minha voz escapou antes que eu pudesse segurá-la.

    — Três… dois… — Álvaro começou a contar nos dedos. Mesmo com apenas um braço, ainda impunha mais medo que qualquer capitão inteiro.

    Saí correndo antes que ele chegasse ao um. Nytheris veio logo atrás, em silêncio, mas com um leve sorriso no rosto. Aquilo era uma competição para ele.

    Caí no chão de terra batida e comecei as flexões. A primeira dúzia foi fácil. A segunda, nem tanto. Na quinquagésima, meus braços tremiam. Quando cheguei na centésima, o suor escorria em poças. O sol queimava meu rosto e meus pulmões pediam trégua.

    — Vamos, Flügel! — ele gritou. — Se você morrer por causa de umas flexões, é melhor desistir de ser soldado!

    ‘Droga!’, amaldiçoei interiormente. Olhei para o lado e vi Nytheris fazendo flexões com facilidade. ‘Merda de corpo infantil que não tem força alguma!’ Me forcei a continuar.

    Eu estava prestes a desistir quando ouvi a voz de Álvaro novamente:

    — Cento e cinquenta! Seu corpo está fraco, mas seu espírito é forte. Continue, Flügel!

    Cada flexão era um suplício. Meus braços ardiam como se estivessem mergulhados em lava, e as gotas de suor borravam minha visão. Nytheris, ao meu lado, mantinha um ritmo estável, quase mecânico.

    ‘Que inveja’, pensei, amaldiçoando mentalmente a resistência sobrenatural dele.

    — Cento e oitenta! — Álvaro berrou, andando em círculos ao nosso redor como um abutre. — Se desmaiar, eu te enterro no estábulo com os cavalos!

    Na centésima nonagésima, meu cotovelo esquerdo falhou. Caí de cara no chão, engolindo poeira. Nytheris terminou suas duzentas flexões um segundo antes de mim, erguendo-se com um movimento fluido.

    — Patético — resmungou Álvaro, embora seus olhos brilhassem com aprovação contida. — Agora corram! E não me façam esperar até o amanhecer!

    A corrida foi um pesadelo. Nytheris voava, seus pés mal tocavam o solo, enquanto eu arrastava as pernas como se carregasse âncoras. O campo parecia ter se estendido magicamente — cada volta era uma eternidade. Na nona, cuspi bile amarela. Na décima, tropecei no próprio pé e rolei na terra, arranhando os cotovelos e as mãos.

    — O perdedor — anunciou Álvaro, quando arrastei meu corpo até ele — vai limpar o banheiro onde os recrutas guardaram o jantar de ontem. Boa sorte.

    Os banheiros do quartel norte eram lendários. Diziam que até os ratos evitavam a área. Quando enfim terminei, minhas mãos cheiravam a vômito e desespero, e o sol já se despedia no horizonte, pintando o céu de roxo.

    ”Você poderia ao menos ter me ajudado, né?”, resmunguei interiormente para Nytheris, aborrecido.

    “Hehehe. Você que perdeu. Mestre Álvaro ficaria com raiva se eu te ajudasse.” Ele respondeu com um tom divertido, lembrando das piadas que fez enquanto eu limpava os banheiros.

    “Eu só perdi por conta desse corpo infantil e fraco”, reclamei, suprimindo a vontade de usar magia de cura para aliviar as dores musculares. Mestre Álvaro me puniria se soubesse que eu fiz isso.

    Parei abruptamente e expulsei Nytheris de dentro do meu peito — algo que descobri que também conseguia fazer com o tempo. Nytheris se materializou à minha frente em um redemoinho de névoa escura. Seus músculos magros, mas firmes, eram visíveis mesmo sob a camada de roupas que acabara de criar: as roupas que usava para as aulas de esgrima.

    — O que foi isso? — perguntou, incrédulo, enquanto trocava de roupa manipulando mana negra.

    — Você precisa se acostumar a ser visto e a andar sozinho — respondi, com sinceridade.

    A regata preta, usada para os treinos intensos, foi substituída por uma camisa de manga longa de tecido macio, feita de pura mana, que se moldava perfeitamente ao seu corpo. A camisa, agora em um tom profundo de cinza, realçava ainda mais sua aparência esbelta.

    Ele ajustou a gola com um gesto casual, os olhos brilhando com leve desdém. A nova peça, mais discreta e adequada às ruas, parecia refletir seu desconforto com a regata anterior, que, mesmo simples, era reveladora demais para ele.

    As calças continuavam as mesmas, de couro negro ajustado, e as botas, impecáveis como sempre, calçavam seus pés com precisão silenciosa.

    — Isso é melhor — murmurou, como se a mudança fosse trivial, mas sua postura denunciava o leve prazer com a nova aparência.

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