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Capítulo 124 — Corrente de Mana
As portas do casarão de Suzano se abriram com um rangido agudo, desgastado pelo tempo e pelas estações.
Quando o CSR cruzou os portões e adentrou o terreno, os viajantes vislumbraram uma figura à frente da casa: uma mulher de vestido verde escuro, com longas unhas pintadas de negro, gravadas com runas que pulsavam suavemente com mana.
Suzano fez o veículo parar diante dela.
O grupo, que já havia desembarcado, a cumprimentou com respeito.
— Sejam bem-vindos ao Coração do Céu, território que Suzano conquistou com sua constância em combate e supremacia incontestável na Cidade dos Corajosos — anunciou ela com voz firme, numa entonação quase cerimonial.
Suzano se aproximou do grupo. Vestia-se com elegância: roupas negras bem cortadas, de tecido pesado, adornadas com discretas marcas bordadas à mão. Seu porte altivo contrastava com o ar arcaico do casarão às suas costas, fazendo-o parecer, por um instante, um nobre lyberiano.
— Pode dispensar a formalidade, Kadia — disse ele, relaxando a postura. — São meus convidados especiais pelos próximos dias. Vieram diretamente de Lyberion, junto da imperatriz.
Cassian, sempre atento quando o assunto envolvia mulheres, lançou um olhar clínico à anfitriã. Ela era claramente mais velha, talvez na casa dos quarenta, como denunciavam as finas marcas em seu rosto, mas exalava uma beleza que impunha silêncio. Sua pele negra tinha o brilho do ébano polido, e seus cabelos volumosos, com ondas longas, desciam pelos ombros como uma cascata de fumaça.
Os olhos dela eram de um mel escurecido pelo tempo, intensos e profundos.
Cassian seguia os contornos daquele olhar até que seus olhos começaram a descer pelo decote generoso do vestido…, mas antes que pudessem ir longe, Suzano se interpôs entre os dois, com um passo sutil, porém definitivo.
— Esta é Kadia, minha assistente. Ela me ajuda a manter a casa em ordem… — sorriu com falsa modéstia — Um velho como eu já não tem a mesma disposição para cuidar de uma propriedade desse tamanho.
— Então vieram mesmo de Lyberion? — comentou Kadia, inclinando a cabeça com um ar levemente provocativo. — Suponho que um de vocês tenha ficado para trás após desafiar o senhor SkyFall. Afinal… só um forasteiro teria tamanha ousadia.
Redgar foi o primeiro dos soldados a dar um passo a frente com a fala da mulher. Ele não deixaria que ela falasse aquilo sem nem saber quem era Any.
Mas antes disso uma voz impediu com que Kadia detectasse o passo do soldado lyberiano.
— Não seja tão ríspida, Kadia — interveio Rhyssara, com um sorriso leve, mas firme. — Estamos lidando com um grupo importante: os príncipes de Lyberion. Tente não os enxotar antes de resolvermos o que viemos tratar.
— Ah, Rhyss… que prazer vê-la novamente. — respondeu a mulher com um sorriso que agora parecia sincero. — Presumo que o de olhos atrevidos ali seja o mais velho. O herdeiro.
Cassian sorriu de canto, como se fizesse questão de confirmar. Mas, ao notar o olhar cerrado de Suzano cravado sobre si, sua coluna se enrijeceu instintivamente.
Era como se Suzano pudesse invocar um raio dos céus a qualquer momento, caso ele não se retratasse.
— Peço desculpas se causei má impressão — disse ele, num tom mais sóbrio.
— Nada que tenha me surpreendido — respondeu Kadia, com um sorriso afiado. — Sua fama de mulherengo atravessou o continente. Sinceramente, eu me sentiria ofendida se você não tivesse me olhado daquele jeito.
Cassian relaxou um pouco, mas percebeu que talvez tivesse exagerado no pedido de desculpas.
— Só esteja ciente de uma coisa — acrescentou Kadia, deslizando as unhas negras pelo próprio pescoço com um movimento lento. — Se fizer isso de novo… será a última coisa que fará.
O olhar dela era tão cortante quanto o de Rhyssara em seus piores dias: uma ameaça envolta em charme, mas com a precisão de uma lâmina.
— Bem, entrem e se acomodem. — voltou a falar Suzano.
Kadia estendeu a mão direita. Ao gesto delicado de seus dedos, a grande porta do casarão se abriu suavemente, como se reconhecesse a presença dela.
O grupo entrou.
O interior da casa tinha o perfume das eras. Havia umidade leve nas paredes de pedra, mas em vez de um cheiro desagradável, sentia-se o aroma de madeira antiga e incenso suave.
O hall principal era espaçoso, sustentado por colunas de madeira escura e adornado por tapeçarias que pendiam como memórias congeladas no tempo. As paredes estavam decoradas com retratos emoldurados por prata escurecida e brasões que, embora estranhos aos olhos lyberianos, pareciam contar histórias de honra, batalha e sangue.
No centro, um grande lustre de ferro batido pendia com cristais opacos que ainda refletiam alguma luz mágica suave, como se pequenas estrelas estivessem presas ali.
O piso rangia sob os passos de botas e sapatos, mas não havia sinal de abandono. Pelo contrário, tudo parecia limpo, cuidado, amado. Era um lugar antigo, mas com alma.
— É mais bonito por dentro do que eu esperava — murmurou Cassian, quase para si.
Helick deu uma ombrada no irmão como se dissesse para ele pensar antes de falar alguma coisa que pudesse parecer ofensivo.
— Antigo, mas honesto — respondeu Suzano com um leve sorriso. — Cada canto tem sua história. E cada história… teve seu preço.
Um pesar na última fala deu a entender que não havia sido satisfatório o que quer que ele teve que pagar por ter aquela vida calma e tranquila naquela casa.
Kadia subiu os primeiros degraus da escada larga de madeira e fez um gesto para que a seguissem.
— Os quartos ficam no andar de cima — disse ela, com a voz calma, mas firme. — Se precisarem de qualquer coisa durante a noite, toquem o sino na entrada de seus aposentos e digam o que precisam. Uma linha dourada guiará vocês até onde o que pediram.
Enquanto subiam, podiam ver outras salas ao redor: uma biblioteca parcialmente à mostra com livros de capa grossa e lombadas douradas; uma sala de armas com vitrines que guardavam espadas, adagas e até lanças mágicas; e uma pequena estufa interna, onde plantas exóticas pareciam crescer em vasos de pedra encantada.
— Sabe, Helys… nunca entendi essa obsessão deles por colecionar e vender armas mágicas. Nenhuma chega aos pés de um ARGUEM ou um ARGENTEC. — cochichou Cassian.
— É por status. Simples assim. — respondeu Helick, sem tirar os olhos das escadas. — Mesmo num império que se diz meritocrático, quem quer estabilidade precisa parecer superior… ou acaba desafiado.
Chegando ao andar de cima, Kadia parou diante de uma longa ala com várias portas.
— Vocês ficarão nesses três quartos. Há camas confortáveis, roupas de banho limpas e água quente já encantada nos reservatórios — disse ela com leveza. — Os soldados podem me acompanhar para o próximo cômodo.
O grupo se separou com uma despedida breve de boa noite. Os olhos de Cassian e Tály se cruzaram por um segundo a mais do necessário antes dela seguir com Kadia para onde seriam seus quartos.
Helick entrou em seu quarto. O ambiente era simples, mas belo: uma cama de madeira entalhada, lençóis bordados à mão, e uma pequena lareira mágica que mantinha a temperatura agradável.
— Como eles conseguiram encantar tantas coisas ao mesmo tempo? — Helick se perguntou enquanto se sentava na cama e retirava suas botas.
Ele encarou as chamas por um tempo, de alguma forma ele sentia que podia entender o que a fazia queimar mesmo sem ter lenha.
Por um breve momento ele conseguiu enxergar a silhueta de uma runa e sentir uma presença mágica familiar.
“Curioso.” — Pensou o príncipe.
Havia também uma escrivaninha antiga com penas, tintas e pergaminhos, como se esperassem que ele escrevesse ali seus próprios pensamentos.
Cassian, ao lado, encontrou em seu quarto um espelho grande demais, ideal para seu gosto. Por um instante, se viu refletido com o rosto cansado, não de sono, mas daquilo que carregava. Suspirou, retirando os acessórios do dia e se jogando sobre a cama com o peso de quem finalmente podia respirar.
“Tály… Só espero que eles não durmam todos no mesmo quarto.”
Rhyssara percorreu o corredor mais lentamente, como se absorvesse cada detalhe. Suas mãos tocaram levemente uma tapeçaria com símbolos antigos, e por um momento seus olhos se estreitaram, como se reconhecesse algo.
Suzano parou ao lado dela.
— Espero que esteja tudo do seu agrado.
— O mesmo quarto de sempre — respondeu a imperatriz, com um sorriso enigmático. — Do jeito que me lembro.
Kadia seguiu pelo corredor e abriu uma porta sem a tocar mais uma vez só erguendo as mãos.
Um grandioso quarto em triângulo com três camas distribuídas pelos cantos do cômodo se mostrou. Era limpo, arejado e simples. Havia apenas uma mesa central com algumas frutas e água no centro e um candelabro de ferro com quatro velas que não tremeluziam. Provavelmente lâmpadas em formato de vela.
A assistente de Suzano olhou para Redgar, Tály, Morgan e Marco.
— Vocês estão em quatro — Pontuou Kadia. — Mas as camas são grandes, dois de vocês podem dormir juntos para não terem que ficar no chão. O quarto de vocês também tem o sino mágico. Boa noite.
E assim ela se retirou.
Todos se prepararam em silêncio para a noite.
Helick em seu quarto se despiu e foi para ao lado de sua janela onde havia uma visão privilegiada do rio vida. Ao lado sua banheira de madeira e juntas de ferro fervia com água quente e aconchegante.
Ele encostou o dedo na água e viu que a temperatura se ajustou até ficar perfeitamente confortável para seu gosto.
“Como? Que tipo de encantamento é esse?”
Helick estava acostumado a só aceitar as coisas mágicas do jeito que ela são, mas de alguma forma essas perguntas começaram a tomar sua mente, porque ele sentia que se analisasse bem, podia entender como ela funcionava.
Ele enfim entrou na água, e como suspeitou, a água foi se adequando a seu gosto de temperatura. Após um período pensando ele voltou a focar sua visão naquela água quente e mais uma vez ele viu a silhueta de uma runa tomar forma no fundo da madeira.
“Interessante.”
Banhos foram tomados, roupas de viagem trocadas por mantos mais leves, e pouco a pouco o casarão começou a se aquietar. Mas não completamente.
O som das águas do Rio Vida podia ser ouvido ao longe, correndo após a ravina além do casarão, como um lembrete de que, apesar da paz momentânea, o mundo lá fora seguia vivo, pulsando e esperando.
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