Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    ‘Quando penso que um dia me esforcei até desmaiar só para conseguir fazer o pano levantar uma segunda vez…’, pensou Flügel, permitindo-se um meio sorriso enquanto ganhava mais velocidade. Por um breve instante, ele se permitiu sentir uma pontada de orgulho. Não o tipo de orgulho arrogante, mas aquela satisfação silenciosa de quem sobreviveu, aprendeu e evoluiu.

    Nytheris, agora em seu peito, sentia a aceleração junto com ele, silencioso, mas atento. Flügel sentiu o calor reconfortante da presença do amigo, como se a magia dele e a existência de Nytheris vibrassem em um mesmo compasso.

    O vento aumentava, trazendo consigo mais gotas de chuva, e as nuvens ameaçavam desabar sua fúria carregada em breve. Flügel não acelerou. Pelo contrário, deixou-se levar num voo mais lento nos minutos finais, pairando sobre os portões da Academia Aera Veyris antes de descer suavemente até o chão de pedra branca do pátio, já molhado pelas primeiras gotas.

    Flügel pousou suavemente no pátio externo da Academia Aera Veyris, as pedras brancas refletindo a luz opaca do céu nublado. Torres altas erguiam-se como sentinelas vigilantes, e janelas de vitrais coloridos brilhavam como joias, mesmo sob o tempo cinzento.

    O aroma de cera polida misturava-se ao de pedra molhada e a um toque doce, talvez de flores invisíveis. Ele sentiu falta das habituais risadas e conversas que ecoavam pelo pátio externo, mas era de se esperar que todos já estivessem dentro de suas salas de aula.

    O pátio interno, vasto e circular, permanecia uma praça majestosa. Colunas esguias de mármore cinza sustentavam arcos delicados, e uma fonte de pedra negra no centro manipulava a água em arcos fluidos que se dissipavam em névoa brilhante. Acima, uma cúpula imponente de vitrais em tons de safira, esmeralda e rubi filtrava a luz escassa, espalhando fragmentos de arco-íris pelo ambiente.

    Nos vitrais, figuras lendárias capturavam o olhar: à esquerda, um espadachim de cabelos esvoaçantes empunhando uma espada reluzente, traçado em linhas douradas, como se possuísse o próprio sol na mão; à direita, um homem altivo cercado por dragões negros, suas escamas em cinza fosco e cor de preto ônix, asas esticadas como sombras vivas.

    Flügel, mesmo após tantas visitas, ainda se perguntava sobre aquelas figuras. Seriam Deuses ou apenas ornamentos para enaltecer a Academia Aera Veyris, a maga lendária de Tournand?

    A dúvida o acompanhava, mas seus passos seguiam firmes, guiados por instinto. Ele atravessou o pátio, o som de seus pés ecoando levemente, e passou por uma porta monumental do térreo, sua madeira quase negra com veios dourados entalhados com chamas estilizadas que pareciam pulsar.

    O corredor que se abriu era longo e estreito, o chão coberto por um tapete azul-escuro que abafava seus passos. Painéis de madeira polida nas paredes refletiam a luz de candelabros flutuantes, globos de vidro com chamas douradas dançando sem suporte. O ar estava quente, exalando incenso e pergaminho antigo, como se segredos de séculos impregnassem cada canto.

    Flügel subiu uma escada em espiral de pedra cinza, os degraus gastos no centro por incontáveis passos. O corrimão de ferro negro, frio ao toque, exibia runas minúsculas que faiscavam sob seus dedos. O ar parecia mais pesado a cada degrau, carregado com o peso da magia que atravessara aquele caminho por eras.

    No topo, o corredor se alargava em uma galeria ampla, onde uma parede de vitrais altos, do chão ao teto, retratava magos erguendo cajados, pássaros de fogo voando e rios congelados em pleno fluxo. A luz difusa banhava o chão de mármore branco em tons de âmbar, safira e esmeralda, com sombras coloridas dançando.

    No fim da galeria, a porta da Biblioteca das Eras dominava, maior que as demais, sua madeira escura entalhada com plumas e livros abertos, marcada por uma placa de latão reluzente. Flügel empurrou a porta, que se abriu com um clique suave, revelando um salão circular vasto.

    O chão de mosaico negro e dourado formava espirais hipnóticas, enquanto o teto abobadado, cravejado de cristais brilhantes, simulava um céu noturno com constelações em lenta mutação. 

    Estantes de madeira polida erguiam-se a alturas impossíveis, acessadas por escadas flutuantes de ferro negro que deslizavam silenciosamente. O ar zumbia com energia mágica, impregnado de couro velho, tinta seca e algo metálico, como relâmpagos adormecidos.

    No centro, Grenhard estava sentado a uma mesa de carvalho, imerso em um livro tão grosso que muitos ficariam entediados só de vê-lo. A luz suave de uma janela circular dançava em seus cabelos loiros, perfeitamente divididos, reluzindo como fios de ouro.

    Seu rosto, de traços finos e pele impecável, parecia esculpido, com olhos verdes brilhando como esmeraldas sob óculos de armação fina. As orelhas levemente pontudas, marca de seu sangue élfico, completavam uma beleza quase sobrenatural, como se ele fosse uma figura de lendas. Vestia um paletó azul-royal sobre uma camisa preta, abotoada até o colarinho, com um colar dourado e brincos longos captando a luz. Luvas pretas cobriam suas mãos, virando as páginas com precisão.

    Flügel, parado ao lado da mesa, não pôde evitar o pensamento que lhe cruzou a mente de forma quase infantil: ‘Seriam todos os elfos tão belos assim?’ 

    Seus traços delicados, o brilho sutil nos olhos, a pele alva como se carregasse luz própria… Havia algo neles que parecia ir além da simples genética. 

    ‘Talvez fosse mana.’ Uma teoria vaga, mas que fazia sentido dentro da lógica que Flügel começava a construir para si. Nytheris, afinal, era feito de pura mana… e, aos olhos de Flügel, era a própria encarnação da beleza. ‘Será que o sangue élfico carrega mana em abundância?’ Se fosse assim, talvez explicasse o motivo de parecerem tão perfeitos.

    Enquanto Flügel ainda se perdia nesses pensamentos, Grenhard ergueu o olhar, ajustando os óculos com um gesto leve e preciso. Sua expressão, serena, mas de olhar penetrante, pareceu atravessar Flügel por dentro, como se o avaliasse em silêncio.

    Flügel saiu do seu estupor, escondeu todos os seus pensamentos e curiosidade sobre a raça élfica sob um sorriso e perguntou:

    — Grenhard, quem são aquelas figuras nos vitrais da academia? O espadachim e o outro cercado por dragões. São alguém historicamente importante ou têm relação com sua família? — A curiosidade transbordava em sua voz.

    — Você está falando de Oscar e Abyrath, o Deus da Luz e o Deus da Escuridão — respondeu Grenhard, voltando os olhos para o livro, a voz firme e clara.

    — Eles estão nos vitrais porque Aelara Veyris, a fundadora da academia, era uma devota fervorosa de Oscar. Há muito tempo, uma guerra entre os deuses abalou o mundo. Abyrath, em sua ambição, foi confrontado por todos os Deuses, mas apenas os doze Deuses Heróis conseguiram detê-lo. Aelara, guiada por sua fé no Deus da Luz, imortalizou esse confronto nos vitrais, um tributo à vitória de Oscar e à derrota de Abyrath.

    — Então, são figuras históricas… Mas por que só eles dois, se havia doze deuses? — Flügel franziu a testa, confuso.

    Grenhard inclinou a cabeça, como se pesasse a pergunta. — Aelara via Oscar como a luz que guiava o conhecimento, o coração desta academia. Os vitrais são menos sobre história e mais sobre o que ela acreditava: a luta entre ordem e escuridão. Ou, quem sabe, ela apenas queria algo grandioso para impressionar.

    Flügel assentiu, mas sua mente já vagava. Ele nunca pesquisara sobre deuses, apesar de suspeitar que algumas entidades que encontrara fossem divinas. Seu foco na Biblioteca das Eras sempre fora outro: magia de invocação, teletransporte, reencarnação — e, acima de tudo, Aelara Veyris.

    — E sobre Aelara… — Flügel hesitou, escolhendo as palavras. — Você já leu algo sobre como ela criou a magia gravitacional? Algum registro que explique de onde veio essa ideia?

    Grenhard fechou o livro com um som seco, seus olhos estreitando-se atrás das lentes. — Aelara era um enigma, mesmo para seus contemporâneos. Os grimórios dizem que ela via o mundo como uma tapeçaria de forças, e a gravidade era apenas uma linha que ela aprendeu a manipular. Mas como ela chegou a isso? — Ele deu de ombros, um gesto raro que suavizou sua postura. 

    — Talvez inspiração divina, guiada por Oscar. Ou algo mais. Por que o interesse?

    Flügel sorriu, disfarçando a intensidade de seus pensamentos. — Só curiosidade. Ela parece… diferente.

    Ele passara horas refletindo sobre a lendária maga, cuja devoção a Oscar não eclipsava seu feito mais extraordinário: a criação da magia gravitacional, um elemento mágico tão único que ninguém mais conseguira replicar, nem mesmo compreender como funcionava. Para Flügel, esse domínio da gravidade era mais que genialidade; era uma pista.

    Ele acreditava, com quase certeza, que Aelara era uma reencarnada, como ele, alguém de outro mundo que trouxera conhecimentos além de sua era. A magia gravitacional, tão alienígena ao arsenal comum de Tournand, era sua maior evidência, um eco de algo que só um viajante entre mundos poderia conceber.

    Ele nunca pesquisara sobre deuses, embora acreditasse que muitas das entidades que vira fossem divinas. Estava mais preocupado em tentar encontrar uma resposta para sua reencarnação, pois, se você quer desvendar um mistério, deve começar pelo começo.

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