Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    — Cala a boca — retrucou Nytheris, mas um leve tremor em sua voz traiu sua tentativa de parecer bravo. Ele acelerou o passo, como se quisesse deixar a conversa para trás, mas Flügel o acompanhou, mantendo o ritmo com facilidade.

    — É sério, Nytheris, relaxa. Foi bonito o que você disse — Flügel deu de ombros, tentando soar casual, mas sua voz carregava uma sinceridade que não conseguia esconder. — E… obrigado. Por dizer que vai me proteger. Significa muito.

    Nytheris parou abruptamente, virando-se para encarar Flügel. Seus olhos negros brilhavam com uma mistura de irritação e algo mais profundo, que Flügel não conseguiu nomear. Ele cruzou os braços, erguendo uma barreira entre eles.

    — Apenas pare de falar sobre isso. Toda essa conversa é… embaraçosa.


    O portão menor de Tournand, a sudoeste do reino, era uma estrutura robusta de blocos de granito negro, reforçada com vigas de ferro. Diferente dos grandiosos portões principais, que exibiam entalhes e estandartes reais, este era puramente funcional, quase austero, projetado para a defesa e não para ostentação. No topo da torre de vigia anexa, dois guardas se destacavam como silhuetas escuras contra o céu que começava a clarear.

    Garrick aguardava, imponente em sua armadura de placas metálicas que cobria os pontos vitais. Sua espada lendária, com runas que pulsavam do cabo à bainha, pendia na cintura,  a mesma que lhe rendera o título de Mestre do Aço Encantado. Uma segunda espada, menos ornada, mas com sua própria beleza, completava o conjunto. Ele segurava um mapa dobrado, uma versão menor do que Flügel vira na reunião, e conversava em voz baixa com Thalion. O mago ajeitava nas costas uma bolsa cheia de pergaminhos e segurava, na mão esquerda, um cajado com uma esfera verde na ponta.

    Dellia estava encostada em uma parede próxima, afiando sua lâmina com uma pedra de amolar, o som rítmico cortando o silêncio matinal. Ao lado dela, Borghen esperava pacientemente com seu machado de guerra às costas. Era uma arma formidável: de um lado, a curva suave de uma lâmina afiada; do outro, uma face chata de aço maciço, perfeita para esmagar. Apenas alguém com a força anormal de Borghen poderia manusear tal arma com maestria.

    Contudo, Gundal não estava em lugar algum. Flügel suspeitou que ele estivesse atrasado, mas isso não parecia combinar com ele, que não era do tipo que se atrasa. O jovem procurou com o olhar pelo homem de aparência peculiar.

    — Gundal se atrasou? — perguntou a Borghen, que parecia o único desocupado no momento.

    — Gundal não vem. Não é sempre que Garrick consegue a ajuda de um integrante da Guarda Real. Mas o substituto dele ainda não chegou — respondeu Borghen, esfregando a barba rala. — Ah, olhe. Lá vem ele.

    Borghen apontou para o portão, de onde vinha um homem com um sorriso torto no rosto. Ele não era jovem, provavelmente na casa dos quarenta ou cinquenta anos. Carregava três armas diferentes: um stiletto no cinto esquerdo, junto a um punhal persa, e um porrete de madeira no lado direito.

    — Oh? Temos uma criança conosco? — O homem disse, olhando para Flügel. Em seguida, seu olhar correu para Nytheris, e uma expressão de desgosto percorreu seu rosto. — Uma belezura como você será útil em combate? Espero que sim, não quero ter que carregar peso morto.

    — Não os incomode, Koto. Você não venceria uma luta contra eles — interveio Garrick, antes que Nytheris ou Flügel pudessem responder.

    — Não estou incomodando, estou apenas cumprimentando os novatos — ele sorriu largamente, o que tornou seu sorriso ainda mais torto.

    — Se Nytheris e eu o vencemos em uma luta, por que ele está na equipe? Considerando que deve ter mais experiência que nós — disse Flügel, encarando Koto. Os olhos traiçoeiros do homem o irritavam, mas o que realmente o enfureceu foi a provocação a Nytheris.

    — Ora, ora, o baixinho tem atitude. Gostei de você, moleque — o sorriso de Koto não vacilou. — Garrick pode até estar certo sobre eu perder uma luta direta e limpa contra vocês dois, mas, como um bom ladrão, eu não jogo limpo.

    O olhar de Flügel percorreu o homem da cabeça aos pés. Ele usava apenas uma armadura de couro, e sua forma esguia e as três armas de curto alcance agora faziam sentido. Era como Gundal, seu papel era focado em reconhecimento e em explorar as fraquezas dos inimigos a partir das sombras. Vestia-se exatamente como os ladrões que Flügel conhecia das novels e dos jogos de RPG de sua vida passada.

    — Ele não está aqui para o combate direto, mas é um ladrão excelente. Exerce sua função muito bem — disse Garrick, enquanto retirava a espada menos ornada da cintura e a entregava a Flügel.

    — Eu não preciso de uma espada, Nytheris faz uma para mim — ele recusou, mas Garrick insistiu.

    — É sempre bom carregar algo de ferro. Nunca se sabe o que pode acontecer — disse ele, a voz firme ecoando contra as pedras. — Como Koto não estava na reunião, vamos repassar o plano.

    Ele apontou para Borghen, que ajustou o machado de guerra nas costas.

    — Borghen, você vai na vanguarda, nossa primeira linha de combate, lidando com qualquer inimigo que aparecer.

    Borghen assentiu, mudando o peso de uma perna para a outra, pronto para avançar. Garrick virou-se para Dellia, que guardou a pedra de amolar.

    — Dellia, você fica na retaguarda. Proteja nossas costas e mantenha o caminho livre atrás de nós.

    Ela confirmou com um aceno curto, a lâmina brilhando à luz do amanhecer. Garrick olhou para Flügel.

    — Flügel, você segue com Borghen. Use sua magia contra inimigos a distância e a espada para os que se aproximarem.

    Flügel anuiu, arrumando um jeito de prender a espada no cinto.

    — Nytheris, você vai para a retaguarda com a Dellia, para nos proteger de qualquer ataque por trás.

    Nytheris aceitou seu papel, e o olhar de Garrick mudou para Thalion.

    — Thalion, você cuida das curas e dará suporte onde for preciso.

    Thalion confirmou com um gesto, enquanto dava uma última checada em sua bolsa de pergaminhos perfeitamente organizados. Por fim, Garrick olhou para Koto, que girava uma faca de arremesso entre os dedos.

    — Koto, você vai à frente, fora de vista. Explore o caminho, desarme armadilhas e avise sobre qualquer perigo antes que nos alcance.

    Koto parou a faca no ar, acenando com a cabeça. Garrick dobrou o mapa com um movimento rápido.

    — Eu fico no centro, enfrentando as ameaças mais fortes e coordenando o grupo. Todos entenderam? Vamos pela estrada de carruagens em direção à área de desmatamento.

    Todos assentiram. Garrick organizou o grupo na formação de marcha e, com as posições definidas, eles adentraram a floresta. A expedição havia começado.

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