Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 52 — Coluna Celeste
A clareira permanecia envolta em um silêncio tenso, interrompido apenas pelo crepitar da fogueira e pelo ronco baixo de Borghen, que parecia alheio à inquietação que pairava sobre o grupo. Flügel, ainda encostado na rocha fria, observava as chamas dançando, mas sua mente estava distante, perdida na conversa com Nytheris e na promessa que haviam feito. O vento noturno trouxe um leve aroma de musgo e terra úmida, mas também o inconfundível cheiro que aquelas criaturas bizarras exalavam.
Todos estavam acordados, menos Borghen. Dellia estava de vigia com Garrick, mas isso não significava que os outros membros estavam relaxados. Não conseguiam. A sensação de ser observado era constante, e eles só estavam esperando o momento em que a criatura que lhes observava iria sair das sombras e atacar eles. Mas ele não fez, e isso era o pior.
Esperar algo acontecer era mais desgastante do que lutar. Cada um ali, em silêncio, compartilhava o mesmo pensamento: preferiam enfrentar o diabo em combate aberto a suportar aquele olhar invisível que os seguia sem trégua.
— Eu não aguento mais isso — Dellia finalmente explodiu, o estresse cobrindo sua voz. — Vamos logo atrás desse monstro que está nos espreitando! — Ela parecia pronta para avançar sozinha na floresta, sua mão direita já estava sobre o cabo da espada, ansiosa para acabar com a fonte daquele tormento.
Garrick, que até então mantinha a calma, assentiu lentamente, sentindo o peso da tensão afetar até mesmo sua paciência de líder. Ele gesticulou para Koto acordar Borghen, que ainda dormia com seu machado em mãos. Ele se virou para Thalion.
— Certo, acho que é melhor fazermos algo mesmo. Thalion, onde ele está?
Thalion, ajustando seu monóculo com a lente azulada que refletia a luz da fogueira, apontou discretamente com o queixo para um ponto na floresta. Sua voz saiu baixa, quase hesitante.
— Ali — Ele fez uma pausa, franzindo o cenho. — Mas não sei se um feitiço será suficiente. A mana dele… é diferente daquelas criaturas que enfrentamos antes. Talvez seja o criador daquelas coisas.
— Você acha que tem um feitiço que mata ele? — Garrick perguntou, direto. — Tentaremos pegá-lo desprevenido.
— Provavelmente. Posso usar um dos feitiços em pergaminho que eu tenho para não perder tempo conjurando ele… mas será que ele não é o criador daquelas criaturas? — Thalion estava mostrando hesitação em atacar o monstro abertamente. — A mana que exala dele é diferente da mesma que saía daqueles vultos.
Dellia, impaciente, interrompeu.
— Mas ele está sozinho, não é? Agora é a melhor chance de matarmos esse desgraçado!
Dellia se intrometeu na conversa, enquanto Borghen ainda se levantava e acordava completamente de seu sono profundo.
— Apenas faça — Garrick cortou, sem paciência para debates. Até ele, normalmente calculista, parecia afetado pela pressão daquele olhar constante. — Borghen, fique pronto para qualquer coisa que saia das árvores. Você atacará primeiro, bata com tudo. Dellia, você fica atrás e vê se não vão aparecer outros monstros. Flügel, você vai junto comigo e com Borghen, use aquela sua magia negra, parece ser bem eficiente contra esses bichos bizarros.
Thalion resmungou enquanto fuçava sua mochila em busca do pergaminho certo. — Desgraçado, como ousa falar assim comigo, nem mesmo meu superior você é… — Seus murmúrios, embora baixos, ecoaram na noite silenciosa, audíveis para quase todos.
Ele finalmente encontrou o que procurava e puxou um pergaminho, abrindo-o com cuidado. Sob a luz da lua cheia, o desenho no papel se revelou: um padrão complexo de círculos dentro de círculos, triângulos sobrepostos e formas geométricas entrelaçadas. Para os leigos, parecia caótico, mas quem entendia de magia reconhecia a perícia embutida naquele círculo mágico.
— Estou pronto quando vocês estiverem — Thalion disse, encarando a floresta com um misto de determinação e apreensão.
— Nytheris e Koto, vocês também ficaram para trás por enquanto. Se não sair nenhum monstro quando atacarmos ele, vocês devem vir nos ajudar também — Garrick ordenou, enquanto balançava a cabeça para Thalion, dando-lhe aprovação para ele ser o primeiro a atacar.
— Coluna celeste! — Thalion disse só para os membros do grupo ouvirem e estarem preparados para o que irá vir.
Ele colocou o pergaminho aberto no chão, posicionando as pontas dos dez dedos dentro do círculo mágico. Então, concentrou-se, derramando o máximo de mana que podia. O pergaminho brilhou em um azul profundo, e o céu, antes limpo e estrelado, pareceu rachar como se atingido por um golpe titânico. Uma fenda se abriu, e dela desceu uma coluna de luz, rasgando o ar em direção ao ponto que Thalion indicara.
O pilar atingiu o chão com uma força avassaladora, tremendo a terra e iluminando a clareira como um sol em forma de feixe. O grupo protegeu os olhos contra a luz intensa, mas Thalion, ofegante e suado, manteve o foco. Quando a luz finalmente se dissipou, ele arregalou os olhos, o terror tomando conta de sua expressão.
— Vamos recuar! Caiu em cima da coisa, mas a mana dela ainda está intacta! Eu a vi se reconstruir a partir do nada! — Sua voz tremia, carregada de pavor.
— Isso… isso não é normal. Nenhum ser comum sobrevive à Coluna Celeste sem ao menos se abalar. Só pode ser um Lich… ou algo pior.
Garrick, com a espada em mãos, tentou enxergar através da escuridão que retornava à clareira. Ele se virou para Thalion, mantendo a voz firme apesar da tensão.
— O que você quer dizer com “se reconstruir”?
Thalion engoliu em seco, lutando para organizar os pensamentos.
— Quando o feitiço atingiu, a mana dela se dissipou por um instante, como se tivesse sido destruída. Mas logo em seguida, ela… se reorganizou. Foi como se a essência da criatura não dependesse de um corpo físico. Ela se refez a partir do nada.
— Então essas são as boas vindas que vocês me dão, hein? — Uma voz reverberou da sombra de algumas árvores que não foram pegas pelo pilar de luz que rasgou os céus. A voz era estranha, como se diversas vozes falassem ao mesmo tempo, uma sobrepondo a outra, mas uma voz se destacava das muitas outras.
A mesma voz que Flügel ouviu a anos atrás, a mesma voz que lhe perseguiu pela floresta, lhe trazendo um terror inigualável. Era o Lich.
Os sons dos passos pesados de Borghen cortou a tensão que a voz trouxe consigo, o gigante estava correndo direto para a silhueta nas sombras, pronto para cumprir o que Garrick lhe ordenou. E com um rugido feroz ele balançou o seu machado em um golpe descendente.
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