Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    O ar gélido e o vapor sibilante que explodiram do iceberg estalavam contra a armadura de Flügel, uma lufada de frio antinatural que faria qualquer guerreiro hesitar. Mas para Flügel, aquilo era apenas um detalhe. Sua mente, consumida por um único e avassalador propósito, mal registrou a sensação. Havia apenas o alvo, parado e impassível em meio à carnificina que criara, e o ódio que servia de combustível para cada passo.

    Fragmentos de gelo do tamanho de punhais choveram sobre ele, mas a nova armadura forjada por Nytheris provou seu valor. As placas de metal negro, mais grossas e reforçadas com magia, não cederam. O gelo se estilhaçava contra o peitoral e as ombreiras com o som seco de vidro se partindo, ricocheteando sem deixar um único arranhão. Protegido por essa carapaça impenetrável, seu avanço não perdeu ritmo. A estratégia era simples: avançar.

    O Lich virou a cabeça lentamente em sua direção, e mesmo sob o elmo sem face, Flügel pôde sentir um ar de curiosidade condescendente. Um erro. Subestimá-lo seria o último erro que aquela abominação cometeria.

    Com um grito de guerra gutural, Flügel se impulsionou usando toda a força da perna direita. A lâmina negra traçou um arco ascendente e mortal, um movimento treinado à exaustão. A um metro. Meio metro. O contato era iminente.

    Foi no ápice do arco da lâmina que seu olhar cruzou o do inimigo, e uma dissonância aguda gritou em sua mente. Ali, naqueles olhos, não residia a frieza milenar de Nae’Zyrael, tampouco o brilho de uma inteligência perversa. Eram apenas feixes de luz morta, superfícies polidas sem profundidade alguma, a mesma vacuidade doentia do lobo amaldiçoado que os caçara anos antes. 

    Flügel não conseguiu fazer nada além de lamentar, ele não seria capaz de parar o ataque antes da espada de mana pura negra acertar a criatura, e ele não seria capaz de desfazer a espada a tempo também, ele tinha que aceitar o fato que estava prestes a destruir uma das marionetes mais preciosas do lich que eles poderiam conseguir. 

    Ao contato com a espada de Flügel, a matéria da marionete simplesmente se desfez. Grande parte de sua perna e torso evaporou em uma fumaça corrosiva, sem som ou resistência. O mais perturbador, no entanto, foi a reação. A criatura não lutou, seus olhos, antes vazios, ganharam um brilho fugaz de gratidão. Era o olhar de quem recebe uma dádiva há muito esperada. A visão causou uma pontada de pena em Flügel. Uma pontada que ele esmagou no mesmo instante. 

    Enquanto a criatura se desfazia, uma faísca de luz dançou sobre os dedos de sua mão tanto na esquerda, quanto na direita, um reflexo rápido das chamas que ainda ardiam na clareira. Flügel focou naquilo. Não podia analisar o corpo inteiro, mas aquele pequeno ponto brilhante… aquilo ele poderia pegar. Sua mão livre se fechou, e o ar frio se condensou em uma lâmina de gelo irregular, pronta para o corte.

    Com um movimento rápido e descendente, ele decepou a mão esquerda da marionete, que caiu no chão com um baque surdo. O resto do corpo já se desfazia rapidamente. Ele se virou para a direita, pronto para repetir o ato, mas o segundo golpe encontrou uma resistência inesperada. A lâmina de gelo se estilhaçou em uma explosão de fragmentos cristalinos, incapaz de cortar a carne e os ossos reforçados da criatura uma segunda vez com a mesma lâmina. 

    Então ele levantou os braços uma segunda vez, formando outra arma improvisada, agora uma menor, para ser mais rápido, ele estava tendo uma batalha contra o tempo. Ele balançou os braços novamente, o mais rápido possível, mas não rápido o bastante. A corrosão estava incrivelmente rápida, principalmente nas partes dos braços e mãos, como se tentasse chegar logo nos dedos da criatura. 

    Assim que o gelo entrou em contato com a carne da marionete, a negritude tomou conta da adaga de gelo, Flügel a largou instantaneamente. Ele não queria ver o que aconteceria com ele quando aquela mana negra entrasse em contato com ele. Ele olhou com uma carranca para a mão direita do Lich sendo consumida aos poucos pela corrosão. 

    Ele pegou a mão decepada da criatura do chão, não escorria nada do ferimento aberto, era simplesmente carne podre dura e um osso preto nojento. Ele olhou para seus dedos, eles eram ossudos e estranhos, mas em todos os seus cinco dedos havia anéis. De cores diferentes, com características diferentes. Flügel não perdeu tempo e retirou os cinco anéis da mão decepada. 

    Olhou para o cadáver, ou onde supostamente era para estar o cadáver consumido pela sua magia, ele não encontrou mais nenhum vestígio de algo lá. Pelo menos do cadáver. A mana negra estava corroendo a grama, a terra e se espalhava lentamente, mas se espalhava. Ela iria consumir tudo que havia mana, isso era óbvio. Como Aelara disse, a mana está em tudo e todos, logo a magia de Flügel comeria tudo. 

    Ele havia criado um câncer para o mundo, que o corrompe aos poucos até não sobrar mais nenhum ser com mana. A grama estava ficando cinza e sem cor, apesar de não virar pó, possivelmente por possuir pouca mana. 

    ‘A merda!’ Ele olhou para trás, e todos tinham notado o mesmo, menos Borghen e Nytheris que estavam lutando contra o colosso, que não estava em seus melhores dias. Ele não se parecia nem um pouco mais com o gigantesco blindado que tinha atropelado Flügel como um caminhão. 

    A carcaça do colosso estava mutilada, sua armadura retalhada e amassada em vários pontos. Borghen, com a força de um touro, abria brechas na defesa do gigante, e Nytheris, com a precisão de um cirurgião, explorava cada uma delas, suas lâminas de sombra cortando tendões entre as feridas expostas.

    Nenhuma ordem foi necessária. Um consenso silencioso se formou no campo de batalha: o colosso precisava cair agora.. Mas enquanto os outros se preparavam para o ataque final, Flügel enfrentava um dilema agonizante: ajudar na luta ou conter a praga que ele mesmo criara. Ele escolheu seu erro.

    Ele se ajoelhou, depositando os anéis com cuidado na grama intacta. Então, pousou as palmas no chão e liberou uma torrente de mana purificadora. Era um risco calculado, ele estava alimentando o solo com a energia que a corrupção tanto cobiçava, na esperança de criar uma barreira de luz mais forte que a fome da escuridão. 

    A mana negra não estava apenas corrompendo a grama, mas sim toda a terra abaixo deles, e com o tempo chegaria a um ponto que ele não faria ideia de onde mais estaria a corrupção. Sua testa escorria com suor frio enquanto ele via a mana negra deslizando cada vez mais perto para a magia de luz que estava entrando nas grama e no solo. 

    Quando elas entraram em contato uma com a outra, ele esperava uma explosão ou luz, mas a luta delas era silenciosa e calma. A luz tentando iluminar a escuridão e reprimir ela até consumir toda a escuridão, e a magia corrompida tentava resistir como uma infecção, mas essa batalha já tinha um vencedor decidido, e Flügel teria certeza que isso realmente aconteceria. 

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