Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    O suor escorria pelo rosto de Flügel, causado tanto pelo medo de falhar quanto pelo esforço de manter o fluxo contínuo de mana. Seu olhar desviou para o escudo do colosso, também maculado pela energia sombria. A ausência de mana em abundância no metal forçava a magia negra a uma corrosão lenta. Um atraso que lhe era providencial.

    Ele varreu a batalha com os olhos, avaliando a necessidade de sua intervenção. Definitivamente, não precisavam dele. O colosso já cambaleava, a vitória era palpável. Garrick servia como uma isca ágil, enquanto Borghen, mesmo ferido e recém-curado por Thalion, esmagava a armadura do gigante com a parte chata de seu machado de guerra. Dellia e Nytheris moviam-se em sincronia, suas lâminas buscando as frestas expostas entre as placas de metal.

    Então, o golpe decisivo. Borghen reuniu o que lhe restava de força e afundou o machado contra a perna do gigante. Com um rangido ensurdecedor de metal se partindo, o colosso desabou sobre os joelhos. A marreta de guerra que segurava tombou com um estrondo que fez o chão tremer.

    — Thalion! — O grito de Flügel foi quase um uivo de dor. O foco de sua magia, um poço de escuridão pulsante no chão, estava se aprofundando perigosamente, ameaçando fugir ao seu controle. Seu rosto estava retorcido numa máscara de pânico.

    Thalion, percebendo a urgência que transcendia os ferimentos da batalha, deu uma última varredura nos companheiros. Estavam ofegantes e machucados, mas vivos. Ele não hesitou e correu para o lado de Flügel.

    — Preciso da Coluna Celeste! Aqui, agora!

    — Rápido, use a Coluna Celeste aqui! 

    Com um gesto rápido, Thalion sacou da mochila a cópia do antigo pergaminho. Afastou-se alguns passos e depositou-o cuidadosamente no chão. Assim que seus dez dedos pressionaram o círculo mágico pintado no papel, sua voz soou firme eentão ordenou: — Saia daí!

    Flügel assentiu, lançando um último olhar à corrupção que lutava desesperadamente para consumir a magia de luz que emanava dele.

    Ele cessou o fluxo de mana e, num movimento rápido, recolheu os cinco anéis do chão e disparou em direção a Thalion. Ao ver o círculo mágico no papel começar a brilhar, ele forçou o passo, desesperado para alcançar seu companheiro antes que a magia fosse ativada. 

    — Coluna Celeste! — gritou o mago. Um som agudo, como cristal se partindo, ecoou de cima. O céu escuro se fraturou, e a luz que vazava das rachaduras passou de um amarelo pálido para um branco ofuscante.A coluna de energia desceu com velocidade avassaladora, cobrindo por completo o perímetro da grama cinzenta, o avanço da magia negra parou instantaneamente, contido sob o pilar de luz. 

    O baque surdo da Coluna Celeste reverberou pela floresta, estancando a corrupção no solo com um impacto que ergueu um véu de poeira. O foco de Flügel, porém, era o pavês, que encolhera ao tamanho de um escudo comum. Ele pressionou uma bola de luz pura contra a superfície escura, e a mana negra sibilou, fervendo em protesto. A luta foi breve. A escuridão se dissolveu, mas o pavês não sobreviveu inteiro, restando apenas uma casca metálica frágil, deixando apenas uma carcaça do que antes foi uma arma impressionante. 

    Como uma vela no fim, o pilar de luz começou a bruxulear, perdendo sua solidez. Thalion observava, o corpo pesado de exaustão. Cada feitiço poderoso cobrava seu pedágio, e ele sentia suas energias se esvaindo junto com a luz. Quando a última centelha celestial se apagou, no silêncio, o único vestígio da corrupção era a grama sem cor, um câncer finalmente contido

    Um suspiro de alívio escapou dos lábios de Flügel, como se um peso invisível finalmente tivesse sido arrancado de seus ombros. Mas a calma foi passageira, atravessada por uma constatação fria e desconfortável: aquela não fora a primeira vez que ele recorria àquele poder sombrio. A batalha contra as dezenas de monstros…  quando fora? Horas atrás? Oito? Doze? Ele não sabia. A batalha, movida a adrenalina, havia engolido as horas, deixando para trás apenas uma névoa indistinta que bagunçava qualquer noção de tempo.

    A lembrança do ataque contra os vultos esfarrapados o atingiu. Horas atrás, ele usara a mesma mana negra. Sua respiração engasgou na garganta e um suor frio umedeceu suas costas. Ele fez merda. Uma merda de proporções catastróficas, capaz de infectar toda a floresta de Tournand e, se chegasse ao reino, desencadear uma calamidade sem precedentes.

    Garrick se aproximou de Flügel, o peito arfando em busca de ar e a armadura exibindo os amassados do combate. — O que… era aquilo? — ele conseguiu perguntar entre uma respiração e outra.

    — A minha magia… ela consome tudo que possui mana. Teria devastado este lugar se Thalion não a contivesse com a Coluna Celeste… — Ele hesitou, a lembrança do confronto de ontem pesando em sua língua. A confissão morreu antes de nascer. Desviando o pensamento, ele focou no problema imediato. — Mas antes disso, o Lich… — Flügel se virou, olhando para onde o corpo do Lich estava antes de ser desintegrado até virar pó. 

    — Bom, ele está morto. Parabéns. — A voz de Garrick era pragmática, sem qualquer traço de alívio. — Mas, sendo franco, um Lich de verdade teria nos dado muito mais trabalho. Temo que aquele fosse só um peão — Ele terminou a frase, e só então notou que sua mão, apoiada no cabo da espada, tremia levemente. Um simples peão. E, ainda assim, uma das batalhas mais difíceis de sua vida. O pensamento o encheu de um pavor frio. — Vamos precisar da ajuda do império. 

    — Por que você está pálido, Flügel? A pergunta fez Flügel virar a cabeça. Nytheris surgira ao seu lado sem que ele percebesse. Instigado pela observação, o olhar de Garrick também se fixou em Flügel, cujo rosto se tornara visível no momento em que Nytheris dispensou a armadura negra de mana que o envolvia.

    Flügel engoliu em seco, o dilema o paralisando. Mentir seria fácil. Mas a verdade… a verdade era uma dívida. Ele se lembrou do Lich. Lembrou-se de seu silêncio de infância, um erro que permitiu a um mal crescer e ameaçar o reino inteiro. Se ficasse calado agora, sobre isso, o preço poderia ser o continente. 

    A história não se repetiria. Desta vez, não. Ele se recusava a ser o covarde que foge das consequências de seus próprios erros. Tinha sido irresponsável ao usar uma magia que mal compreendia, e agora arcaria com o peso dessa escolha.

    — Usei a mesma magia ontem, na luta contra os vultos. — Ele confessou, incapaz de erguer a cabeça. A vergonha o consumia.

    — Oh, deuses… — A voz de Garrick foi um murmúrio exausto. Ele passou a mão pelo rosto, como se pudesse limpar o cansaço da alma. A mente dele, já sobrecarregada, tentava processar a nova realidade. Não era mais uma catástrofe. Eram duas. De um lado, um Lich com seu exército marchando para erradicar o reino. Do outro, uma praga mágica que devorava a própria essência da vida até restar apenas pó.

    Garrick respirou fundo e então disse: — Certo, vamos voltar para o reino de Tournand! — bradou Garrick, sua voz um ponto de firmeza na exaustão do grupo. — Não é seguro ficarmos nesta floresta. Pediremos reforços e pensaremos em tudo isso depois. 

    E como se para atender a um chamado por esperança, o céu começou a clarear. A noite sem estrelas deu lugar a um amanhecer vibrante, e a primeira luz do sol banhou a floresta com um calor reconfortante, prometendo, apesar de tudo, o início de um novo dia.

    Exaustos, Dellia, Borghen, Koto e Thalion se puseram de pé ao comando de Garrick, os movimentos pesados e doloridos. O caminho de volta foi imerso em um silêncio denso, quebrado apenas pelo som de suas próprias botas na terra e pelo farfalhar das folhas. O estresse da batalha ainda pesava sobre seus ombros, mas nenhum novo perigo surgiu. Lá na frente, a silhueta de Koto se movia como um fantasma, o batedor silencioso, e sua contínua ausência de alertas era, por si só, um sinal de paz. 

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