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    O frio cortante da noite obrigou todos a se cobrirem com o máximo de roupas possível. Nem mesmo a magia constante de Kadia conseguia aquecer por completo o casarão antigo de Suzano, pelo menos, não o suficiente para dispensar mantos e tecidos pesados de inverno.

    Cassian e Helick tremiam sob grossas mantas, sentados diante de uma lareira acesa no grande hall de entrada, cada um segurando uma caneca de chá quente com mãos trêmulas.

    — Então o Kraken realmente existe… e ainda por cima falou com vocês. — comentou Rhyssara, recostada em uma poltrona próxima. — Eu não acreditaria se não tivesse lido isso direto das suas mentes.

    Helick ergueu os olhos com um sobressalto discreto.

    — Você o quê?

    — Não é algo que eu faça com frequência — disse a imperatriz, com um leve tom de justificativa. — Invadir uma mente sem permissão é complexo. Mas as de vocês estavam repletas de rachaduras e brechas. Não estavam assim mais cedo. É como se tivessem sido corroídas… enquanto o Kraken entrava.

    — Espera… — Cassian arregalou os olhos, corando subitamente. — Você estava na minha mente também?

    — Sim. E, curiosamente, a imagem de todas nós de roupas de banho está gravada com uma precisão invejável. Uma memória fotográfica, eu diria.

    Cassian afundou o rosto na gola da manta, sem saber onde enfiar a cara.

    — Mas enfim — continuou Rhyssara com naturalidade —, o Kraken foi claro. Se não aprenderem a controlar suas defesas mentais com perfeição, ele vai matá-los. E eu duvido que estivesse blefando. Não temos escolha. Vou treiná-los no domínio mental.

    Morgan, que conversava com Redgar, Marco e Tály em uma mesa mais afastada, levantou-se abruptamente ao ouvir aquilo. Seu olhar estava duro, e a voz, ainda mais.

    — Tem certeza disso, minha imperatriz? Vai mesmo ensinar isso… aos príncipes de Lyberion?

    Rhyssara sequer virou o rosto para respondê-lo:

    — Já tomei minha decisão. Precisamos descobrir logo o que está por trás disso tudo.

    Os olhos de Cassian se cruzaram com os de Morgan. O príncipe falou com um tom mais contido, mas carregado:

    — O que você tem contra a gente? É quase instintivo… Toda vez que alguém nos chama de “príncipes”, sua mana oscila. Fica… hostil.

    Helick deu uma ombrada no irmão, sem tirar os olhos da caneca quente:

    — Ele é de Ossuia. E embora nossos reinos nunca tenham entrado em guerra, nunca foram… aliados de verdade. Pra ele, ensinar isso a herdeiros de um possível inimigo é perigoso. E compreensível.

    Cassian se calou, refletindo. Morgan, por sua vez, inspirou fundo, e voltou a se sentar.

    — Farei isso… pelo bem maior. Temos um problema que ultrapassa qualquer rivalidade entre nações. Um problema que pode invadir este continente a qualquer momento.

    O semblante de Rhyssara endureceu. Aquela expressão de preocupação era rara. E só surgia quando ela se lembrava da ameaça externa que todos preferiam não nomear, mas que, no fundo, sabiam que era real.

    Helick notou. Ia dizer algo, mas Rhyssara falou antes:

    — É claro que fico preocupada. Por gerações vivemos em paz nesse continente. E agora… na minha vez de carregar esta coroa, o mundo parece à beira de ruir. Não deixarei que tomem nossa liberdade.

    Helick se levantou, o torso nu ainda úmido da água, refletindo a luz das chamas da lareira. Seu corpo tremia de frio, mas sua postura era firme.

    — Faremos o que for necessário para impedir isso. Essa responsabilidade também é nossa.

    Por um instante, Rhyssara enxergou nele a silhueta de alguém que partira há muito tempo. Uma memória viva, renascida em postura e palavras.

    — Claro… — murmurou ela desviando o olhar rapidamente. — Agora vão se vestir. Amanhã será um dia excruciante. Mas aprenderão a usar suas muralhas mentais da forma correta.

    E assim, a noite chegou ao fim. Após uma refeição quente, cada um deles se retirou para seus aposentos, com o corpo cansado e a mente ainda mais.

    O amanhecer chegou como um golpe seco.

    Helick despertou com a cabeça latejando, os olhos ardendo e o corpo ainda pesado. A noite havia sido povoada por ecos profundos daquela voz grave e abissal. A voz do Kraken.

    “Se abrirem suas defesas mentais a mim outra vez… eu os matarei.”

    A ameaça não havia cessado nem por um segundo. Ela se repetia em seus sonhos, com variações sutis, como se a criatura testasse diferentes entonações para o mesmo veredito de morte.

    Ao seu lado, Cassian se levantou com um resmungo, esfregando os olhos e estalando os ombros. Enquanto saíam do quarto e desciam os degraus de pedra em direção ao hall de entrada, ele murmurou:

    — Tive uma noite de sono terrível…

    — A voz do Kraken? — Helick perguntou num tom que já carregava a resposta.

    Cassian assentiu com um balançar sutil de cabeça, o rosto pálido sob a luz azulada da manhã.

    — Será que o maldito fez isso de propósito? — disse Cassian. — Pelo que me lembro, os Krakens, conseguem induzir delírios e hipnoses programadas. Helisyx usou isso na Guerra de do Redenoinho pra invadir um dos fortes submersos dos dragnaros.

    Helick sorriu.

    — Que foi? — Cassian franziu o cenho.

    — Só estou surpreso. Não sabia que você era entusiasta de história. Normalmente, você mal lembra o nome dos grandes eventos.

    Cassian deu de ombros.

    — Só me interesso por Bestas Míticas… e Helisyx foi o humano mais próximo delas que já existiu. Sei uma coisa ou outra sobre ele quando o assunto as envolve.

    Eles chegaram ao fim da escada.

    No salão principal, apenas Rhyssara os aguardava.

    Ela estava impecável em um sobretudo vermelho escuro, com botas de couro negras e luvas que combinavam. O hálito saía em pequenos sopros de fumaça branca, denunciando que o frio da noite havia vencido de vez qualquer vestígio da magia de Kadia.

    — Parece que Kadia enfim desistiu de esquentar essa casa com magia — comentou a imperatriz. — Usem esses casacos de pele perto da lareira, cortesia de Suzano. Agora vamos começar o treinamento.

    Cassian bocejou e coçou a nuca, os cabelos castanhos ainda desarrumados.

    — Mas… não vamos nem comer antes?

    — Mas vocês não estão com fome. — afirmou Rhyssara com a calma de quem revela algo óbvio. — Na verdade, estão tão cheios que não suportariam nem olhar para um prato de comida agora.

    Os príncipes trocaram um olhar confuso.

    E então sentiram.

    Um estrondo mental.

    Suas muralhas que haviam começado a se regenerar desde o encontro com o Kraken tremeram… e caíram. Não em pedaços, mas como se tivessem sido varridas por uma força invisível, avassaladora. A presença de Rhyssara invadira suas mentes como uma tempestade, sem aviso, sem piedade.

    De repente, a fome desapareceu. Um enjoo estranho tomou o lugar do apetite, como se estivessem de estômago cheio após uma refeição farta.

    — Uau… isso é incrível. — Helick murmurou, entre impressionado e alarmado. — Dessa vez sua intromissão foi mais agressiva… Mas ainda assim, impossível de deter.

    Rhyssara manteve o tom neutro, quase frio.

    — Só o fato de terem sentido a minha entrada já prova que vocês alcançaram o primeiro estágio: percepção consciente. Estão começando a entender como suas mentes funcionam. Mas… — ela fez uma pausa — isso ainda está muito longe de ser o bastante contra o Kraken.

    Cassian estava visivelmente incomodado. Seus olhos semicerrados não escondiam o desconforto.

    — Até quando você vai ficar na nossa cabeça? Eu sei que você ainda está lá. Não consigo te tirar, mas sinto você manipulando meus pensamentos.

    Rhyssara ergueu uma sobrancelha, como quem se diverte com a audácia.

    — Sabem quanto tempo um ser humano pode sobreviver sem comida? — perguntou ela, num tom casual, quase didático. — Setenta e duas horas. Três dias. Depois disso, o corpo começa a consumir a si mesmo. Lentamente. Dolorosamente.

    Helick fechou os olhos, entendendo de imediato o subtexto. Quando os abriu, seu olhar era firme.

    — Então é isso… Você implantou essa sugestão de saciedade nas nossas mentes e só vai retirar quando a expulsarmos de lá?

    — Quase isso. — disse Rhyssara, cruzando os braços. — O Kraken não vai ter piedade. E eu também não posso. Então ouçam bem: eu juro pela Coroa de Edgar, pelos três deuses e até pelo Deus Primordial… Se não forem capazes de me expulsar com a própria força de vontade, deixarei que morram de fome sem jamais perceberem.

    — O quê?! — Cassian se levantou num salto, incrédulo. — Isso é insano! Vai nos deixar morrer só pra provar um ponto?

    Helick já caminhava em direção à lareira. Tirou o casaco, sentou-se com as pernas cruzadas diante do fogo e fechou os olhos, respirando fundo.

    — Helys? Você não tá falando sério… — Cassian disse, os olhos arregalados. — Você não vai aceitar isso.

    — Não tem jeito melhor. Nem mais prático. — respondeu Helick sem abrir os olhos. — Estamos diante da maior manipuladora mental da raça humana. Se formos capazes de resistir à influência dela tempo suficiente para reconstruir nossas defesas e impedi-la de entrar de novo… então talvez consigamos encarar o Kraken. E qualquer outro ser com controle mental nesse continente.

    Cassian hesitou, os punhos cerrados. Olhou para Rhyssara, que apenas o fitava com a mesma frieza calculada. Então suspirou, resmungou um palavrão baixo e caminhou até o irmão.

    Sentou-se diante dele, ainda relutante.

    — Vocês apostam as próprias vidas com tanta facilidade…

    Fechou os olhos também.

    E ali, naquele silêncio pesado, começou o confronto invisível.

    Na superfície, dois jovens em meditação.

    Dentro de suas mentes… o combate contra a magia mais poderosa de controle mental já registrada desde a fundação de Ossuia.

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