Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —


    — É difícil de acreditar… — Flügel murmurou, pensativo.

    — Bom, não é nada além da verdade. Lembro-me como se fosse ontem: aquele garoto no beco, encolhido… O tempo passa tão rápido! — Thalion disse com um sorriso nostálgico, como se revivesse uma memória querida.

    — Hm, eu tenho que ir. Ele é um tanto exigente comigo — Thalion resmungou, virando-se e entrando novamente na Torre dos Magos, sem dar chance a Flügel de falar.

    — Eu tinha perguntas a fazer ainda — Flügel suspirou, encolhendo os ombros e olhando para o céu. O sol no zênite indicava ser meio-dia, e o vazio em seu estômago confirmava que era hora do almoço.

    — Vamos para a academia. Preciso conversar com Grenhard, mas antes vamos pegar uma comida de rua, certo? — Flügel perguntou a Nytheris, que assentiu.


    O cheiro familiar e reconfortante da biblioteca das Eras acolheu Flügel e Nytheris. Ambos haviam passado tanto tempo ali que o local se tornara um refúgio, um santuário onde podiam buscar soluções para seus problemas, escritas por mentes renomadas e sábias.

    Deslizando com facilidade entre as estantes repletas de livros, Flügel logo se deparou com Grenhard.

    — Por que veio hoje? Pensei que estaria ocupado com o problema na floresta — Grenhard perguntou, já imerso em um livro diferente do que lia da última vez.

    — Eu quero te pedir algo. Um favor, poderia dar uma chance para meus irmãos fazerem um teste e ganharem uma bolsa de estudos aqui?

    — Qual o nível e a idade deles? — Ele apoiou o queixo na mão, observando Flügel.

    — Mael é nível perito alto em esgrima sem ardema, e com ardema ele diz que é primarca baixo. Já Elijah é quase perito médio em magia e quase perito alto em esgrima. Elijah tem onze anos e Mael, treze. Ambos são muito talentosos, acho que seriam bons alunos… Embora eu ainda não saiba se Mael quer entrar aqui, ele disse que pensaria.

    — Hm… Pelas idades e níveis, eles conseguiriam entrar, mas não estamos em época de testes para novos alunos com bolsas.

    Flügel apertou os lábios e disse com uma voz suave: — Não há nada que você possa fazer, Mestre Grenhard? — Ele nunca havia tentado algo assim, mas estava buscando tocar o lado emocional do seu mestre.

    O descendente de elfo era duro como pedra por fora, mas suave por dentro; ele era solitário. Havia mais nele do que apenas um estudioso talentoso. Flügel jamais tentaria se aproveitar de Grenhard em um acordo ruim ou algo que lhe trouxesse mal.

    Seu mestre lhe ensinara muito durante esses anos, e ele sabia que jamais poderia pagar por todo o conhecimento que recebera, inclusive a forma de lutar, o raciocínio rápido e os bons reflexos. Flügel buscava sempre estar um passo à frente de seus companheiros.

    Embora não fosse um aluno de sucesso ainda, sem os ensinamentos de Grenhard, ele estaria muito pior.

    Grenhard não estava acostumado a essas abordagens emocionais, mas quando viu os olhos admirados de Flügel, cheios de expectativa, não conseguiu dizer não. Afinal, Flügel sempre foi um garoto exemplar. Ele mesmo o ensinara muitas coisas, e o garoto sempre aceitava tudo com um “sim”, nunca se esquivando e sempre querendo aprender mais.

    Era alguém que, assim como ele, adorava o saber. Mesmo as coisas antigas e mais esquecidas, Flügel estava sempre lá, lendo livros e fazendo anotações.

    Mesmo quando estavam apenas lendo na biblioteca, a presença constante de Flügel e Nytheris era um alívio. Podia-se dizer que ele até ficava ansioso pela chegada de Flügel. Tudo isso era estranho para ele. Grenhard nunca fora uma pessoa muito sociável.

    Seu sangue élfico o ajudava a ser mais reservado. E ser filho de Thalion, o mago mais forte da Torre dos Magos — superado apenas pelo próprio mestre da Torre —, não ajudava as pessoas a se sentirem confortáveis ao seu lado. Ele sempre foi sozinho desde criança, encontrando conforto nos livros e no conhecimento.

    E então veio Flügel, um garoto da favela. Uma criança. Grenhard ficou furioso por ter que cuidar e ensinar uma criança, mas seu pai havia pedido, então ele não podia recusar. Ele levou a situação se obrigando a seguir com a tutoria, dando tarefas excessivas para uma criança, esperando que ele desistisse e fosse chorar para Thalion. Mas não.

    Flügel não o fez. Ele aprendeu tudo que lhe foi passado, estudou mais do que era mandado e estava sempre presente para estudar, e mesmo quando não era dia de aula, quase sempre ia à biblioteca ler e estudar por conta própria.

    Olhando para aqueles olhos esperançosos, depois de tudo que eles passaram, Grenhard não poderia dizer não. Suas orelhas tremeram levemente e ele disse: — Eu vou ver o que posso fazer… mas não fique esperançoso, ok?

    — Sério? Muito obrigado, Grenhard! Isso já vai ajudar um monte — Flügel disse, soltando um suspiro de alívio, sem acreditar que seu plano realmente havia dado certo.

    — Foi por isso que você veio aqui? — Grenhard perguntou com um encolher de ombros, percebendo como havia cedido ao pedido de Flügel tão facilmente.

    — Sim e não. Eu queria te perguntar também: você conhece algum lugar que venda bons equipamentos, com um preço mais baixo que o normal? Mas eles precisam ser bons — A pergunta pegou Grenhard desprevenido. Afinal, onde mais se venderia itens mais baratos que em lojas convencionais, além de estabelecimentos do submundo?

    Até Nytheris arqueou uma sobrancelha com a pergunta, isso não era do feitio de Flügel. Ele odiava ladrões, tolerando apenas aqueles que roubavam comida por fome. Nytheris achava o pensamento de Flügel um tanto severo demais, mas vendo todas as notícias na TV do antigo mundo dele, até ele começava a questionar se Flügel não estava certo.

    — Na verdade, não é para mim. É mais para o Nytheris… Bom, se sobrar dinheiro, também gostaria de comprar algumas coisas para mim, mas quero que seja com o meu próprio dinheiro. — Flügel sabia que aquilo não era o certo. Ele não deveria se envolver com compras ilegais só para satisfazer o seu orgulho masculino de poder adquirir algo com o suor do seu esforço.

    Embora não tenha feito muito, sua primeira missão foi conquistada com grande sofrimento. Ele poderia dizer que morreu por aquele dinheiro diversas vezes e não estaria errado.

    E na expedição, mesmo tendo feito merda usando a mana negra, ele quase morreu e teve que lutar contra vários monstros ao mesmo tempo. Ele ansiava por comprar com o dinheiro que ele fez por merecer.

    Seus desejos, que ainda o assombravam desde sua vida patética passada, clamavam por expressão. Ele queria comprar presentes para sua mãe e irmão, queria ver a felicidade deles ao receberem algo que ele adquiriu com o próprio dinheiro.

    Mas ele nunca chegou perto de conseguir isso. Sua vida anterior foi desperdiçada em uma casa caindo aos pedaços, isolado do mundo, dominado pelo medo de pessoas. Ele sentia nojo ao pensar em si mesmo na vida passada. Liam era um covarde, um bastardo que não teve coragem para sair de casa e dar orgulho à sua mãe.

    Nesta vida, como Flügel, ele seria diferente. Ele faria diferente. E por isso, ele queria dar os equipamentos a Nytheris com o seu próprio dinheiro.

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