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    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    Grenhard soltou um suspiro, notando a vontade inabalável de Flügel em usar seu próprio dinheiro.

    — Eu acho que você está na idade de começar a ter orgulho próprio… — Ele disse, ajeitando os óculos com o dedo médio. — Eu posso te ajudar. Quer ir que dia?

    — Agora — Flügel respondeu sem hesitar. Amanhã, ele provavelmente iria para a floresta com outros magos. Poderiam acabar encontrando monstros, e Nytheris lutaria, sendo machucado e sentindo dor.

    Ele não queria isso. Queria conseguir dar uma armadura a Nytheris o mais rápido possível.

    — Hoje? — Grenhard falou surpreso com a pressa de Flügel em ir às compras no submundo.

    — Sim, é bem provável que amanhã eu parta para a floresta novamente, e gostaria de já ter os itens. Minhas experiências com aquela maldita floresta nunca foram boas — Flügel disse com um rancor palpável. Ele realmente começou a odiar a floresta de Tournand; ela nunca lhe trouxera nada de bom.

    — Certo. Os maiores mercadores geralmente marcam uma reunião para um leilão, mas você não teria dinheiro para isso de qualquer forma, então vamos a um lugar que abre todos os dias… Mas já vou avisando, não é tão barato quanto você pensa.

    — Certo. Eu tenho minhas economias. Não gasto quase nada do que ganho, então acho que consigo comprar algumas coisas.

    — Quanto você tem? — Grenhard perguntou. Mesmo não duvidando da palavra de Flügel, ele duvidava que o garoto conseguisse comprar uma armadura para Nytheris e ainda sobrar dinheiro para si. Na verdade, ele queria que essa fosse a verdade. Há algum tempo, ele já queria dar um presente a Flügel, e esse seria o cenário perfeito para comprar algo para seu único aluno.

    Flügel contou seu dinheiro três vezes antes de pegá-lo de manhã. Ele tinha cento e cinquenta e três moedas de ouro. Tirando dois saquinhos de dentro do casaco, ele os colocou sobre a mesa de madeira.

    — Cento e cinquenta e três moedas de ouro. Eu sou econômico — disse com um sorriso, orgulhoso. Ele havia conseguido uma pequena fortuna. Pessoas na favela diriam que eram ricos com essa quantia, e, de certa forma, realmente estavam. Com essa quantia, estavam em situação melhor que a maioria nas favelas, que mal possuíam um terço disso.

    — Bom, eu acho que você conseguirá algo sim — O elfo suspirou interiormente, seu plano fora por água abaixo. Ele poderia simplesmente comprar um presente para Flügel e entregá-lo, mas não tinha coragem suficiente para isso. Ele nunca havia dado um presente a ninguém, nem mesmo a seus pais.

    — Certo, vamos. Eu vou te levar até lá então. Mas você não deve contar a ninguém sobre isso, entendeu? — Grenhard estava falando sério. Seu rosto impassível continha uma centelha de seriedade em suas palavras. O submundo nunca era um lugar pacífico, então quanto menos se falasse e mexesse com ele, melhor.

    Assentindo com um balançar de cabeça, Flügel guardou os saquinhos de moedas e seguiu Grenhard. Nytheris segurou seu ombro com força.

    — Tem certeza? Não precisa comprar das mãos de bandidos para me proteger, não se meta com essas coisas de submundo! — Ele estava preocupado que isso se tornasse algo mais além de uma única compra. Alguém poderia tentar roubá-lo, alguém poderia não gostar deles e querer fazer algo. Tudo poderia acontecer quando se tratava de pessoas criminosas.

    — As coisas não são tão ruins quanto você pensa. Muitas pessoas usam o submundo porque não conseguem ter uma loja legalmente. Além do mais, se formos a um lugar onde Grenhard vai, não pode ser tão ruim — Ele disse com um sorriso calmante no rosto, tentando tranquilizar os nervos de Nytheris.

    Com hesitação, Nytheris aceitou e seguiu junto com seu criador e o elfo que os levaria às lojas do submundo.


    A transição para o submundo foi abrupta, quase como se tivessem atravessado uma cortina invisível que separava o mundo da lei da anarquia velada. Grenhard liderou o caminho por um labirinto de vielas estreitas e mal iluminadas, onde a luz do dia mal ousava penetrar. O chão era um mosaico irregular de pedras soltas e lama, pontilhado por poças estagnadas que refletiam fracamente os brilhos distantes.

    O ar era denso, carregado com o cheiro acre de incenso barato, o ranço do suor e do álcool derramado, o tabaco queimado, e algo mais pungente — talvez o odor metálico de sangue seco ou a promessa embriagante de lucros ilícitos. Ruídos indistintos de ratos e insetos se misturavam ao zumbido constante de vozes baixas e risadas ásperas, muitas vezes interrompidas por tosses secas ou o bater de portas escondidas.

    As ruas de paralelepípedos eram úmidas e escorregadias, e a cada passo, ouvia-se o som da água pingando de beirais invisíveis. Goteiras persistentes ecoavam em becos, criando pequenas cascatas que se perdiam na escuridão.

    A arquitetura era uma mistura caótica de edifícios antigos e decadentes, com fachadas escuras e pálidas onde o reboco desprendia em flocos. Janelas gradeadas, algumas quebradas e remendadas com panos sujos, pareciam olhos vazios e observadores. 

    Placas enferrujadas e desgastadas, muitas delas balançando precariamente com o vento, escritas em um dialeto que Flügel não reconhecia, pendiam sobre portas de madeira pesada, algumas adornadas com símbolos enigmáticos ou traços de tinta desbotada. De vez em quando, um vislumbre de luz bruxuleante escapava de frestas, revelando a silhueta de figuras movendo-se em seu interior.

    Pessoas de todas as formas e tamanhos se aglomeravam nas sombras: figuras encapuzadas que sussurravam em cantos escuros, seus rostos ocultos por mantos pesados. Mercadores com olhos perspicazes exibiam suas mercadorias em panos estendidos diretamente no chão, oferecendo desde bugigangas brilhantes até objetos de aparência duvidosa e armas improvisadas.

    Guardas de semblante duro, com cicatrizes antigas e olhares vigilantes, permaneciam em postos estratégicos, suas armas escondidas sob mantos, mas a tensão em seus ombros revelava sua presença. Uma névoa quase palpável de desconfiança e cautela pairava sobre todos, onde cada passo era calculado e cada olhar, uma avaliação silenciosa.

    Grenhard estava com uma cara de nojo e desprezo a todo momento, aparentemente, ele também não gostava de estar ali e só havia vindo a pedido de Flügel. Ver pessoas bêbadas demais no chão ou usuárias de substâncias ilícitas era comum naquela podridão.

    — Nytheris, entre — Flügel ordenou. Ele estava com medo que seu familiar passasse por alguma situação constrangedora graças à sua aparência mais andrógina. Sem querer ficar ali por mais um segundo, Nytheris acatou a ordem e se desfez em mana, entrando no braço de seu criador.

    — Quanto tempo até chegarmos, Grenhard? — perguntou Flügel, ansioso para sair das ruas fétidas.

    — Mais uns dez minutos caminhando — respondeu, enquanto se esquivava da sujeira no caminho.

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