Capítulo 4: Vibrações no escuro
Era só mais uma noite comum.
Porto Alegre seguia acesa sob a luz fria da lua, e as ruas — mesmo tarde — ainda tinham vida passando.
Louie, meio perdido nos próprios pensamentos, decidiu sair pra caminhar.
Já fazia um dia desde aquele momento estranho em frente ao memorial do Colégio Península.
E desde então…
A cabeça dele parecia não ter mais espaço.
Era informação demais, coisa demais pra processar de uma vez só.
Queria respirar um pouco.
Dar uma volta.
Só andar por aí e tentar clarear as ideias — algo que tinha virado meio rotina pra ele depois do incidente.
As ruas estavam tranquilas, iluminadas só pelos postes e pela lua.
Tudo tinha aquele brilho frio, silencioso…
Meio distante, meio pesado.
Mas mesmo assim, Louie seguia andando — com os pensamentos à flor da pele.
— “O que tá acontecendo…? Que merda foi aquilo? Até agora eu não entendi porra nenhuma!”
Seu semblante mudava sutilmente, da frustração pra raiva.
— “Depois de tudo, eu e a Nina voltamos pra casa e contamos tudo pra mãe…”
Louie apertou os olhos, tentando lembrar da reação dela.
— “Mas o mais estranho… foi que ela nem pareceu surpresa quando falei dos poderes.”
Ele parou por um instante, franzindo a testa.
— “Será que ela já sabia de alguma coisa?”
Louie parou por um segundo, deu uma olhada pro nada… e entrou todo desengonçado em posição de luta.
— CHIDORI! — gritou, socando o ar com força.
O som se perdeu no meio da rua vazia.
Um silêncio vergonhoso tomou conta do local… e até uns grilos resolveram chiar só pra aumentar a vergonha.
— …É. Bateu vergonha agora.
Ele soltou uma risadinha meio sem graça, balançando a cabeça.
— Tô viajando demais, credo…
Passou a mão na nuca, pensativo, tentando disfarçar o constrangimento.
— “É impossível. Nem sei se aquilo lá foi mesmo um poder.”
Olhou pras próprias mãos, como se esperasse que alguma coisa voltasse a acontecer.
— “Vai ver foi só um raio, ou… algum surto. Sei lá poxa, qualquer coisa normal tá ligado?”
Suspirou fundo.
— “E aquela silhueta…? Aquilo também foi real?”
Fechou os olhos por um segundo.
— “Talvez só… uma lembrança misturada com o susto do “poder”? É, deve ter sido um sonho maluco… Bem maluco e assustador.”
Um silêncio pesado ficou no ar por um instante.
— “Deve ser isso… né?”
Ele soltou o ar devagar, como se esperasse que junto com o fôlego saísse também a confusão que carregava por dentro.
— Ahhh… desse jeito eu ainda deixo a Nina preocupada — e ela vai querer me dar um esporro depois.
Mas antes que pudesse pensar em qualquer outra coisa, uma vibração estranha passou pelo ar.
Foi rápida… mas gelou a espinha de Louie na hora.
— Ugh… de novo essa sensação… — ele murmurou, sentindo os pelos do braço arrepiarem. Os músculos se contraíram sozinhos, como se o corpo soubesse de algo que a mente ainda não entendia. — “Justo agora, né? Sozinho… no meio de uma rua escura… que maravilha.”
Foi quando ouviu.
— E aí… Louie…
A voz saiu de um dos becos ao lado. Baixa. Arrastada. Vinda direto das sombras.
Louie travou. Congelou no lugar.
O coração acelerou — o olhar virou na mesma hora, tentando entender o que tinha acabado de ouvir.
E então, outra vez:
— Finalmente… te achei.
Era uma voz masculina. Grave. Pesada.
Daquelas que já chegam carregando presença, sem precisar levantar o tom. Dava pra sentir a força só no jeito de falar.
Louie parou.
Tentou enxergar alguma coisa na escuridão do beco… mas seus olhos mal davam conta de acompanhar a própria respiração.
O coração disparado, as pernas meio travadas — e ainda assim, algo dentro dele insistia que ele ficasse.
Que não corresse.
Foi aí que das sombras surgiu uma figura.
Alto, forte, ombros largos.
O cara usava uma camisa social simples, meio amarrotada.
Cabelos grisalhos, barba da mesma cor.
Mas o que mais chamava atenção era o olhar.
Fixo. Cortante.
Parecia observar cada pequeno movimento a frente.
Louie conseguiu dar um passo pra trás, finalmente quebrando o gelo.
— Q-quem é você? — perguntou, tentando disfarçar a tensão na voz. — E o que tu quer… comigo?
O homem soltou um meio sorriso.
— Dá pra parar de tentar fugir? — respondeu, com um tom de leve deboche.
— Meu nome não importa por agora. O que importa… é que você tem algo diferente aí.
Ele deu mais um passo pra frente, os olhos castanhos por um breve momento brilhou em dourado, mas quase instantâneamente voltava a cor original, ainda fixos no garoto.
— E tu querendo aceitar ou não, isso precisa ser controlado. E o quanto antes.
Louie sentiu o corpo esquentar.
Deu mais um passo pra trás, engolindo seco.
— C-controlado…? — murmurou. — O que você quer dizer com isso?
Você… você sabe o que aconteceu comigo? O que eu sou…?
A respiração dele começava a se acalmar, aos poucos.
O corpo ainda tenso, mas a curiosidade — e o medo — brigavam dentro dele a cada segundo.
O homem não respondeu de cara.
Só ficou ali, parado, observando o Louie por uns segundos — como se estivesse tentando enxergar mais do que o rosto dele mostrava.
Depois de um tempo, deu um sorrisinho discreto, quase irônico.
— Tu não tá sozinho nisso, Louie.
Esse poder que despertou aí em ti… não é invenção, nem loucura.
E, convenhamos… — ele soltou uma risada leve — não tem nada a ver com esse tal de “Chidori” que tu gritou no meio da rua.
Louie arregalou um pouco os olhos, o rosto pegando fogo.
Na hora, o medo meio que evaporou por um segundo — e deu lugar à pura vergonha.
— …Tá, esquece isso. — murmurou, virando o rosto pro lado, sem saber onde enfiar a cara.
O homem só soltou um leve “hm” pelo nariz, como se estivesse se divertindo com aquilo.
Mas não tirava o olho de Louie nem por um instante.
— Mas me fala uma coisa… — o olhar de Louie voltou a ficar desconfiado. — Como tu sabe meu nome? De onde é que tu me conhece?
O homem deu um passo à frente. Louie, por instinto, recuou um pouco.
— Sou alguém que já passou por algo parecido com isso aí. Faz tempo, mas eu lembro bem da confusão… da solidão que vem junto.
E é por isso que tô aqui. Pra te ajudar a transformar esse poder — que, se mal usado, pode acabar com tudo ao teu redor, até contigo mesmo — em algo que sirva pra proteger quem tu ama.
O homem sorriu de leve.
— Então… que tal vir comigo?
— Quê?! — Louie franziu a testa, a voz subindo. — Tu tem noção do quão doido isso é? Eu nem entendi direito o que tá acontecendo ainda!
Tu acha que eu vou sair por aí com um cara aleatório que surgiu do nada?! Tá maluco?
— Bom… na real, sim. — o homem passou a mão na nuca, sem jeito. — Sendo bem sincero, por tu ser o primogênito de quem é… achei que ia ser mais tranquilo te convencer.
Tanto que eu já até comprei uns cafés lá em Áurea. Sabia que tu gostava…
— Café? Eu nem sei o que é café, véi! — retrucou Louie, indignado. — Mas foda-se isso agora!
Cê tá achando que eu vou só sair andando contigo como se fosse normal?! Tá tudo uma loucura!
Tem coisa demais acontecendo… eu nem tive tempo de pensar em nada ainda!
O homem assentiu, respirando fundo.
— Beleza, beleza… entendi já. Pensa com calma então.
Mas pensa de verdade…
Esse poder que tu tem, se tu não aprender a lidar com ele — pode acabar machucando quem tu mais queria proteger.
Ele solta um breve suspiro.
— Bom, agora que pelo menos já foi avisado, se cuida ai.
Ele virou de costas, já indo embora, mas ainda acenando com a mão.
— nos veremos em breve… Louie Kaede.
Assim, a noite seguiu nas ruas quase desertas de Porto Alegre.
Os passos de Louie ecoavam baixos na calçada molhada, enquanto ele tentava processar tudo aquilo.
As luzes dos postes tremeluziam, como se hesitassem em iluminar os caminhos adiante.
Nada parecia ter sentido… mas uma coisa era certa:
Seja lá o que estivesse acontecendo, Louie tinha alguma relação em tudo aquilo.
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