Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    Tendo passado a noite em claro, era de se esperar que Flügel estivesse cansado. Mas não. Tendo ficado tão absorto em seus pensamentos a noite toda, com a presença reconfortante de Nytheris o abraçando, ele foi capaz de descansar. Mesmo não estando em seu cem por cento, ele estava bem.

    Na rua, Nytheris não se parecia nada com o familiar que estava chorando em seus braços ontem. Como sempre, ele estava com o rosto impassível e frio. Era incrível a capacidade de Nytheris em conseguir mascarar as suas emoções. 

    Só havia uma coisa de diferente em sua aparência: ele estava usando a armadura que Flügel comprara para ele. A armadura prateada já carregava por si só uma aura de mistério e poder, mas ao se juntar com a aparência de Nytheris totalmente distinta e destacada, isso se amplificou.

    Flügel observou seu familiar com um leve sorriso. ‘É impressionante como ele consegue mudar tão rápido. Ontem, parecia o fim do mundo para ele, e agora, está como se nada tivesse acontecido.’

    Sabia que, por trás daquela fachada imponente, Nytheris ainda carregava o peso da culpa, mas a capacidade de se recompor tão prontamente era uma de suas muitas peculiaridades. A armadura, agora vestida, parecia uma extensão natural da figura de Nytheris, realçando sua aura enigmática, e beleza majestosa.

    Eles caminhavam em direção à Torre dos Magos, o burburinho matinal de Tournand começando a ganhar força. Mercadores abriam suas bancas, o cheiro de pão fresco e ervas se misturava no ar, e o tilintar distante de um ferreiro já podia ser ouvido, embora seu destino não fosse um desses artífices comuns. 

    Flügel, por sua vez, ia vestido com a armadura danificada que comprara, até mesmo com o elmo amassado na cabeça, preferindo lidar com os olhares curiosos a carregar as pesadas peças de metal pelos braços.

    Seu primeiro objetivo do dia era claro: a Torre. Lá, ele esperava encontrar não apenas a expertise necessária para restaurar a armadura peculiar — talvez através do próprio Mestre da Torre, Siegmeyer, ou de algum artesão ligado à Torre que entendesse de artefatos mágicos —, mas também os livros para suas pesquisas sobre os núcleos artificiais. 

    A armadura, com sua habilidade de mascarar presença, era um item sensível demais para ser confiado a qualquer um, e seu estado atual, com amassados e furos visíveis mesmo sob o elmo, certamente levantaria muitas perguntas. 

    Além disso, a ideia de Nytheris ter seu próprio núcleo de mana ainda ecoava em sua mente, um projeto ambicioso que exigiria conhecimento especializado, materiais raros e, acima de tudo, sigilo absoluto.

    Flügel sentia que a Torre, com sua vasta biblioteca e os magos que a habitavam, seria o único lugar onde ele poderia começar a desvendar esses mistérios. A urgência da situação com sua magia negra o estava deixando ansioso, mas ele tentava não pensar sobre isso, ele queria acreditar que a situação não era tão ruim quanto ele pensava.


    Conforme se aproximava da Torre dos Magos, o frio na barriga de Flügel e a tensão em seus músculos se tornavam cada vez mais difíceis de ignorar. Assim que estava em frente ao imponente portão da Torre, ele ponderou sobre como conseguiria entrar.

    Ele começou tirando o elmo e olhou para Nytheris, como se esperasse alguma ideia mirabolante, mas tudo o que recebeu em troca foi um olhar tão confuso quanto o seu.

    Dez minutos se passaram. Os dois ainda estavam imóveis diante dos portões imponentes da Torre dos Magos, sem a menor ideia de como abri-los. Foi então que uma carruagem parou, e dela desceu Thalion. Um sorriso divertido já se desenhava em seu rosto, o velho claramente se divertia com a situação de Flügel e Nytheris.

    Mas, ao perceber a armadura de Flügel, uma centelha de preocupação e dúvida atravessou o rosto de Thalion, e ele apressou o passo. — O que houve com a armadura? — Sua voz estava carregada de urgência, temendo que algo tivesse atacado Flügel no caminho.

    — Eu a comprei assim, está tudo bem. Trouxe-a exatamente para ver se não consigo consertá-la com algum ferreiro daqui. Ela é um tanto especial, sabe? — Flügel disse, apontando para o portão e fazendo um gesto para que Thalion o abrisse.

    — Menos mal, mas por que você compraria esse lixo? Olhe o estado dessa armadura, garoto, foi um desperdício de dinheiro! — O velho mago disse, aliviado, enquanto retirava o mesmo brasão que usou para abrir o portão ontem de seu bolso.

    Encaixando-o perfeitamente no buraco no meio do portão, ele se abriu devagar, com a mesma elegância de antes.

    — Certo, certo. Mas por que nos deixou esperando aqui? Estamos há uns dez minutos, e Siegmeyer disse que era para estarmos cedo. Pensei que você já estivesse aqui — Flügel questionou, a confusão evidente. Sabendo que o Mestre da Torre era um tanto rígido com Thalion, não fazia sentido vê-lo tão despreocupado, mesmo chegando cedo.

    — Ontem fiquei trabalhando até tarde, por culpa dele, e apesar de ser exigente comigo, ele ainda sabe que preciso descansar. Estamos bem — As rugas nos cantos dos olhos de Thalion aprofundaram-se com seu sorriso, mas o brilho em seus olhos de  medo em ser cobrado por Siegmeyer traía completamente sua confiança.

    Flügel decidiu não estender mais o assunto, e seu olhar se voltou para a rampa que parecia aguardá-lo ansiosamente para subir. Mesmo já tendo a experimentado e sabendo que era segura e confiável, ele não conseguia deixar de se sentir um tanto medroso ao subir nela.

    O medo de confiar tão plenamente em uma tecnologia mágica, somado à ansiedade crescente de saber a extensão do estrago que sua mana negra causou na floresta de Tournand, fazia as pernas de Flügel quererem travar.

    Com isso, o nojo invadiu sua boca, uma sensação familiar de sua vida passada. Medroso. Covarde. Ele não queria aceitar as consequências, não queria ver o dano causado por seus atos. Engolindo em seco, como se tentasse engolir a própria ansiedade, medo e nojo, ele caminhou o mais firmemente possível para cima da rampa.

    Era inevitável, em algum momento, ele teria que encarar seus atos e seus medos mais profundos.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota