Capítulo 9: Dia de descanso
O falso sol de Áurea estava lá em cima, espalhando aquela luz dourada por toda a cidade. A temperatura estava no ponto — nem quente, nem fria. Parecia até que alguém tinha ajustado tudo só pra deixar o ambiente perfeitamente confortável para os habitantes da cidade subterrânea.
Louie ainda estava tentando se acostumar com tudo aquilo de uma vez só.
Poderes, uma cidade escondida embaixo da terra, gente estranha pra todo lado… Era muita coisa. Mas, aos poucos, começava a sentir que talvez pudesse ficar ali por um tempo. Não era exatamente um lar, mas servia por enquanto.
Mesmo exausto do treino, não conseguia parar quieto. A cabeça estava acelerada, cheia de dúvidas. Então decidiu sair, andar um pouco, ver o que encontrava pela frente.
Queria conhecer melhor aquele lugar. Entender onde estava pisando.
E, quem sabe, se entendesse mais sobre Áurea… também entenderia mais sobre si mesmo.
— “Kael disse que, pra um começo, até que eu não estava tão mal…” — pensou Louie, andando devagar por uma daquelas ruas douradas, brilhando como uma ambar. — “Foi isso que ele falou antes de repetir mil vezes que meu controle ainda é uma merda, me chamar de imprestável e sumir como se eu conhecesse super bem essa cidade inteira… sendo que estou vendo ela pela primeira vez hoje.”
Ele bufou, passando a mão no cabelo preto com mechas esbranquiçadas.
— “Nem um mapa ou sei lá, só me falar o básico pelo menos. Mas não, ele só largou um ‘tenho um compromisso, tchau’ e se mandou. Velho desgraçado.”
Louie riu sozinho, meio sem acreditar.
— “E aquele prédio lá? Pensei que era tipo… um quartel secreto ou algo assim. No fim, era só o depósito de tralha dele, cheio de peças e materiais dos experimentos malucos dele.”
Ele seguiu andando, olhando os carros flutuantes passarem como vultos rápidos, fazendo um zunido suave no ar.
— Bom… Não tem muito o que fazer. Já que tô aqui mesmo, vou dar uma volta. Não é como se eu não estivesse curioso pra conhecer a cidade…
E foi. Meio perdido, meio curioso, com aquele jeito de quem reclama, mas no fundo, até curte a bagunça.
Áurea era tipo um labirinto brilhante, todo cheio de estruturas futuristas. As ruas eram largas, pareciam levitar, ligadas por umas pontes transparentes, como se fossem feitas de água parada.
Louie andava por ali meio abobado, olhando tudo com uma surpresa sem tamanho, tropeçando nos próprios passos de tanto virar o pescoço pra tudo que era lado.
— Tá, isso aqui definitivamente não é o mundo real… — murmurou pra si mesmo, parando quando viu um monte de orbes de luz flutuando numa feirinha. — O que é isso, Pokémon flutuante vendendo fruta?
Um senhor de bigode roxo piscou pra ele e apontou pra uma bancada. Em cima, umas frutas esquisitas giravam dentro de bolhas de luz que pareciam holograma e gelatina ao mesmo tempo.
Louie chegou mais perto, meio desconfiado. E do absoluto nada, uma vendedora apareceu na frente dele com um sorrisão, quase como se estivesse tramando uma peça.
— Quer provar essa aqui? É boa pra dar… energia. — Ela levantou uma fruta ovalada que parecia uma lâmpada de Natal translúcida.
— Isso é comestível mesmo, né? — perguntou, pegando a fruta com um olhar desconfiado. — Não é golpe não?
— Vai nessa, menino. Confia.
Mesmo desconfiado, Louie deu uma mordida.
Na mesma hora, sentiu o gosto doce — absurdamente doce. Como uma mistura de mel e açúcar onde o resultado era um arco-íris de dez cores ao invés de simples sete.
— Hm… até que… — tentou falar, mas aí o azedo explodiu na língua como se tivesse mordido três limões de uma vez.
— … — Sua língua travou, e seu rosto ficou tão vermelho que parecia uma pimenta em si.
E quando finalmente o gosto azedo passou, antes que pudesse reagir, veio o toque final: um ardido estranho, tipo pimenta com gás de refrigerante, que subiu direto pro nariz.
— AAAHHH—CHHUUUUUUU! — espirrou com tanta força que fez alguns orbes de luz piscarem em volta.
A vendedora riu alto, limpando o canto do olho de tanto rir. Dois outros clientes ali do lado também começaram a rir, e um deles falou:
— Primeira vez experimentando cavialuva, né?
Louie ficou parado, fungando, com os olhos cheios d’água e a língua formigando.
— sim…
— Tá, essa fruta me bateu, eu admito. — disse ele, limpando o nariz com o dorso da mão. — Que bagulho é esse? Uma bomba em forma bonita e comestível?!
— Cavialuva é uma fruta feita em Áurea juntando limão-caviar e uva-japonesa. — Responde à vendedora, olhando para Louie.
— Pra que criaram uma coisa dessas? Quem é o louco que come isso por prazer?! — Pergunta Louie, sua pele vermelha de irritação.
— Relaxa, uma hora tu se acostuma! — disse a vendedora, rindo. — Mas só os fortes voltam pra segunda mordida! E aí? Quer levar uma pra viagem? Faço um descontinho supimpa. — Seu olhar era malandro, direcionado pra Louie.
Louie olhou pra fruta mordida na mão, pensou por dois segundos, e devolveu:
— “Desgraçadaaa! Querendo me fazer comprar usando do frágil orgulho masculino de um homem!” — Louie suspiro brevemente, aceitando a derrota. — Vou deixar pros fortes então… valeu… Eu acho.
E saiu andando, ainda fungando, com a dignidade e orgulho masculino pisoteados — mas rindo sozinho como se tivesse acabado de levar um tapa divertido do orgulho.
— Volte sempre! — grita a vendedora, acenando para Louie.
— “Aham… ‘Volte sempre’ é o caralho.” — Pensa, com o rosto vermelho e emburrado.
Depois de se recuperar da fruta explosiva — e de espirrar tão alto que provavelmente foi ouvido até mesmo em Porto Alegre — Louie seguiu andando, ainda tentando entender onde estava se metendo.
Alguns minutos depois, chegou em uma praça enorme.
— Uou… — murmurou, quase sem querer.
A Praça Harmonia era surreal. localizada no que era considerado o coração de Áurea, um lugar futurista misturado com o próprio parque do harmonia de Porto Alegre se estendia por diversos quilometros de extensão e diâmetro. Tinha estruturas de vidro curvados que pareciam folhas gigantes, luz dourada artificial escorrendo do chão como se fossem pisca piscas… E, no meio de tudo, um obelisco flutuando — girando bem devagar, completamente azul, soltando pulsos de luz que pareciam até música.
Louie andava devagar, olhando pra tudo sem ao menos saber onde realmente estava. O chão tinha painéis esverdeados misturados com grama de verdade — ou quase isso. Era tão bem-feito que ele nem sabia mais o que era natural e o que era criado.
— Isso aqui não é uma praça não… tá mais pra algum tipo de… spa alienígena de luxo… — falou em voz baixa, olhando pras árvores que brilhavam com reflexos dourados quando passava a luz.
No meio do espaço, tinha umas esculturas que flutuavam, bancos que se moviam sozinhos, e fontes de agua onde crianças brincavam, jogando respingos para todo lado. Uma árvore gigante soltava alguns sons leves, tipo música ambiente misturada com som de vento.
Foi aí que ele viu o que mais chamou sua atenção, um grupo de crianças correndo atrás de uma esfera flutuante que parecia feita de cristal com energia — era azul, brilhante, meio translúcida. Elas gritavam, davam risadas e tentavam chutar o negócio como se fosse futebol… só que a bola voava, sumia, reaparecia… e às vezes dava choquinho em quem encostava errado.
Louie parou do lado de um menino que só observava a partida com um sorvete estranho na mão — que parecia mudar de cor.
— Qual é o nome desse jogo aí? — perguntou, curioso.
— Hiperbola. — respondeu o garoto, sem tirar os olhos do campo. — Tipo futebol… só que melhor.
— Hiperbola? — Louie arqueou uma sobrancelha. — Isso parece mais uma pegadinha de física do que um jogo.
— É, meu pai fala isso também. — respondeu o menino, dando de ombros. — Mas é legal. Só que não pode encostar na bola se ela estiver vermelha. Senão… tchzzzt! — fez um barulho com a boca e um gesto de choque com a mão.
Louie riu.
— Tá, isso parece perigoso e divertido ao mesmo tempo. Igual tudo nessa cidade maluca… — Diz Louie, relembrando os traumas com a cavialuva.
Seu corpo se arrepia levemente no mesmo instante. Mas logo voltou ao normal.
Louie ficou ali encostado numa das estruturas metálicas que cercavam a praça, braços cruzados, só observando. O som das risadas, os gritos empolgados, o barulho da água das fontes… tudo ali passava uma sensação boa. Quase nostálgica.
Ele deixou escapar um leve sorriso. Era meio raro se sentir assim — em paz, mesmo que só um pouco.
— Ei, moço! — gritou uma vozinha aguda.
Louie se virou e viu uma menina correndo na direção dele. Cabelos cacheados presos num coque todo bagunçado e olhos âmbar brilhando de curiosidade. Atrás dela vinha um bando inteiro de crianças.
— Tu é novo aqui, né? Nunca te vi!
— Hã… é… Sou sim — respondeu, meio surpreso. — Cheguei faz pouco .
— Você tem um olho vermelho! — exclamou um garoto com um boné girado em cima da cabeça. — Isso aí é de verdade ou é um implante? — perguntou, aproximando-se com olhos arregalados.
Louie riu, abaixando um pouco pra ficar mais na altura deles.
— É sim… Eu acho.
— Que massa! — falou uma guria de cabelo verde curto, pulando toda animada. — E esse cabelo aí? Tem mecha branca! Tu parece personagem de jogo!
— Qual é teu nome? — perguntou um menino com cara de “chefe da turma”.
— Louie. E vocês?
Aí foi aquele caos sincronizado. Todo mundo começou a falar ao mesmo tempo, se atropelando nas apresentações, dando risada, apontando pros colegas e soltando apelidos que provavelmente eles inventaram naquela mesma manhã.
— Eu sou o Niko! — disse o do boné.
— Ela é a Luma, e aquele ali é o Zibi, ele quase não fala — explicou uma menina mais séria.
— E eu sou o Ayo! Mas todo mundo me chama de “Turbo”! — gritou o menor de todos, fazendo uma pose super heróica, com direito a careta e tudo.
Louie riu alto.
— Vocês são um grupinho bem… único hein?
— Vem jogar com a gente, Louie! — convidou o Niko. — A gente tá com um a menos desde que a Luma derrubou o Kaz na fonte.
— Eu não derrubei ele! Ele tropeçou! — respondeu Luma, cruzando os braços, indignada.
— Bora jogar! — disseram quase em coro, puxando Louie pelas mãos como se ele fosse um amigo de infância.
— Tá, tá! Eu vou, mas não prometo nada! — disse Louie, rindo.
— Relaxa, tu tem cara de herói! — falou Ayo, piscando pra ele. — Herói sempre aprende rápido!
Louie se jogou na brincadeira, tentando entender as regras daquele “futebol energético” meio doido. Era só correr, rir, tentar não levar choque… e chutar quando desse. Fácil, né?
Claro… até a bola começar a brilhar vermelha.
Louie, no embalo, correu e mandou o chute.
— Lá vai!
TCHZZZZZZT!
No mesmo segundo, a esfera soltou um estalo elétrico e o pé de Louie pareceu virar antena parabólica. Uma faísca enorme subiu pela perna dele, o cabelo arrepiou inteiro, e — PUF! — rolou uma explosãozinha ali mesmo em reação ao poder de Louie.
A bola voou como um míssil, riscando o céu com um rastro brilhante. Silêncio total. Todo mundo ficou olhando pra cima, de boca aberta.
— Uau… — soltou o Zibi, finalmente dizendo alguma coisa.
— ISSO FOI INCRÍVEL! — gritou o Ayo, pulando.
Louie ficou parado, com a roupa meio chamuscada, os cabelos parecendo que tinham sido penteados com um trovão.
— Eu juro que não foi de propósito — disse ele, levantando as mãos, rindo nervoso.
Todos riram juntos, sem nem pensar. E Louie, naquele momento, só conseguia rir também — com a perna formigando, o coração leve e a cabeça longe dos problemas.
Se sentia… quase normal.
Ele estava começando a se acostumar com o ritmo estranho da grande cidade subterrânea— aquele vai e vem animado, pacífico e principalmente futurista. Parecia um sonho — até ver uma silhueta familiar se aproximando ao longe.
Kael Dragan.
O jeito de andar continuava o mesmo: firme, mas sem pressa. Ele estava com roupas mais casuais agora, Mesmo assim, ainda passava aquela sensação de imponência e segurança de ter por perto
Louie ajeitou a postura, meio no susto.
— Louie — chamou Kael, parando perto dele. O tom era sério. — Vou precisar sair por um tempo, tenho algo pra fazer.
Na hora, o bom humor de Louie esvaziou um pouco.
— De novo? O que é? — perguntou, ainda com os olhos meio vermelhos de tanto rir com as crianças.
— É algo importante — respondeu Kael, olhando rápido pros lados antes de continuar. — Eu vou atrás da tua família. Tua mãe. Tua irmã. Eles precisam estar aqui em Áurea também.
Louie congelou.
A simples palavra “Família” o fez gelar. Mesmo tendo os vistos pela última vez a algumas horas atrás, o quão preocupados elas devem estar?
Ele nem mesmo tinha conseguido avisar que estava vivo ou onde estava.
— Espera aí… eu vou contigo então.
— Não, Louie — respondeu Kael de imediato, calmo, mas firme. — Aqui dentro tu tá seguro. Lá fora, não dá pra garantir. É mais arriscado contigo do que sem. Eles não são o alvo direto… mas se essa organização quer tanto te atingir, vão usar de qualquer meio possíveis. Então só relaxa que eu trago a Emi e a Nina em segurança aqui pra Áurea.
Louie franziu a testa, desconfiado.
— Tá… mas como tu sabe o nome da minha mãe e da Nina?
Kael deu um sorrisinho de canto, mas não respondeu direto.
— Depois a gente fala disso.
— Ahhh… — Louie suspirou, ainda inquieto. — Já vai sair agora então?
— Sim — respondeu Kael, já olhando pro caminho. — Quanto antes eu for, melhor. Quanto mais tempo passar, maior o risco que elas estão sofrendo. Não quero que ninguém chegue nelas antes de mim.
Ele enfiou a mão no bolso e tirou uma chave, estendendo pra Louie.
— Se sentir fome, cansaço, qualquer coisa… volta pro mesmo prédio onde a gente treinou. Tem comida, um teto, tudo ali. Fica tranquilo. Vou tentar ser rápido. Vai dar tudo certo.
Louie pegou a chave devagar, os dedos apertando com força. Assistiu Kael se afastar, até sumir entre as construções translúcidas e douradas da cidade.
Ficou ali parado por um tempo, encarando o nada.
Sabia que Kael era forte. Mesmo que pouco, já tinha visto o suficiente pra confiar na força dele. Mas o pensamento de sua mãe e da sua pequena irmã em perigo por causa dele — era como um nó apertando no peito.
Sua inquietação não o deixava descansar, a sensação de perigo não era sobre sim mesmo… E isso o fazia se sentir vulnerável.
Alguns minutos depois, Kael já estava longe.
Tinha saído como quem some no ar, usando o que sabia fazer de melhor: mexer com o tempo.
Cortava distâncias como se o mundo estivesse pausado pra ele — movendo-se como uma sombra entre rachaduras do tempo. Cada passo parecia dobrar o espaço, distorcendo o ar ao redor com aquele brilho discreto de energia temporal.
Mas quando chegou perto da casa de Louie, o corpo dele parou no ato.
Tinha algo errado.
O ar estava diferente. Pesado. Como se o próprio lugar tivesse prendido a respiração.
Silênciooso demais.
Sem barulho de pessoas, sem risadas ou passos, nem mesmo o som do vento.
E então, do absoluto nada — Uma emboscada se armou.
Dois caras encapuzados saíram das sombras como fumaça saindo de uma rachadura. Os corpos dos dois vibravam como se estivessem cobertos por alguma energia estranha, quase viva. Em segundos, um campo se ergueu ao redor deles, com um zunido agudo que fez o chão vibrar leve.
Kael nem piscou.
— Kael Dragan — disse um deles, a voz áspera como se tivesse engolido areia. — Achou mesmo que podia atrapalhar nosso plano assim tão fácilmente?
Kael ergueu uma sobrancelha, encarando os dois.
— “Plano”, é? E vocês são quem exatamente?
— Não é da tua conta palhaço. — respondeu o outro, já num tom debochado.
— Não é hora de piada agora não…
— A… desculpa. — Respondeu um dos encapuzados — Bom, tu não vai sair vivo daqui mesmo.
Kael deu uma risada curta pelo nariz e ajeitou a postura.
— Que entrada dramática… — disse, com um sorriso irônico. — Mas vou ser sincero… Vocês não fazem ideia no que estão se metendo.
Enquanto falava, o olhar dele foi pro campo de energia em volta. Não era só uma barreira qualquer — aquilo ali era tecnologia. Nova. Estranha. Tinha pulsos regulares, como um coração batendo. E dava pra sentir que era forte. Uma barreira que impedia até mesmo o som de entrar ou sair.
— Hm… Isso aí é novo. Bem curioso esse brinquedinho de vocês — murmurou, como se falasse com ele mesmo.
O ar ao redor de Kael começou a oscilar, como se o tempo estivesse tremendo. Era sutil, mas dava pra notar. Até a luz parecia se curvar um pouco.
— Aqui vai ser o seu tumulo Kael! — gritou o mais impulsivo, avançando com tudo, uma espada de energia vermelha acesa nas mãos. — Com essas novas armas, até os poderes Kaelums ficaram pra trás!
— Típica frase de vilão antes de ser brutalmente humilhado… — Cochichou Kael observando o ataque vindo.
E ali continuou, apenas encarando. Sem ao menos se moveu.
Olhos fixos no atacante.
E então, com um sorriso debochado no canto da boca, disse calmo:
— Kaelum ficaram pra trás, é?…
Fez uma pequena pausa.
— Vamos ver se tu dança tão bem quanto fala!
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