Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 82 — O Príncipe e a Possessividade
Flügel sentiu a gravidade da palavra “Príncipe” como um peso repentino. Sua mente acelerou, revisando cada palavra que havia dito a Aleksander. Sua indiferença em relação ao agradecimento, a resposta cética sobre os relatórios, tudo parecia ter assumido uma nova e incômoda dimensão. Ele estendeu a mão a um príncipe, como se fosse um soldado qualquer, e o tratou com uma frieza desnecessária. Eadric, por outro lado, se curvou em respeito.
— Príncipe? — A confusão na sua voz era genuína. Ele olhou novamente para Aleksander, tentando conciliar a imagem do garoto com o título de realeza. Os olhos de esmeralda, que antes pareciam meramente juvenis, agora brilhavam com a autoridade de um futuro imperador.
Aleksander apenas sorriu, o mesmo sorriso levemente divertido de antes, como se estivesse acostumado a essa reação.
— Sim, o Príncipe Aleksander Oblivayne — Eadric confirmou, parecendo aliviado. Fez uma pausa, os olhos se movendo entre Flügel e o Príncipe. — O Herdeiro do trono do Império Guardião.
— Você não vai ordenar que eu seja decapitado por desrespeito à família imperial, não é? — Flügel disse com um tom preocupado. Ele não sabia nada sobre a nobreza, mas imaginava que era assim que as coisas funcionavam, e não apenas a sua cabeça que iria rolar, mas possivelmente a de toda a sua família também. — Príncipe Aleksander… — ele completou apressado, tinha se esquecido de usar o título. Poderia ser interpretado como um insulto.
— Claro que não! — Ele sorriu e passou um braço por cima do ombro de Flügel, puxando o garoto banhado de sangue podre contra sua armadura de placas cinza-escuro. — Eu jamais faria isso com você.
Flügel sentiu um calafrio com a proximidade forçada. O contraste entre a armadura fria e o calor de seu corpo era estranho. A aura de dominância que ele agora exalava era diferente da de qualquer um que ele já havia conhecido. Era pura e poderosa.
Aleksander se afastou, o sorriso malicioso ressurgindo. — Mas você está me devendo um favor.
Flügel engoliu em seco. — Um favor?
— Sim. E eu vou guardar. Você pode ter certeza de que vou usá-lo quando menos esperar — Aleksander disse, com um brilho nos olhos. — Eu gosto de estar um passo à frente.
A explicação de Aleksander, embora plausível, não tranquilizou Flügel. O jovem príncipe, apesar da pouca idade, havia sido criado pela nobreza e treinado para sair por cima em qualquer situação. Um favor em aberto era uma arma poderosa. Flügel olhou para Nytheris, que estava em silêncio. A aura negra ao redor do familiar parecia mais densa, como se absorvesse a tensão do ambiente, prestes a explodir com a proximidade forçada de Aleksander.
Enquanto a conversa se desenrolava, Flügel mal notou que a matriz de mana, antes tremelicando sob o peso do ataque, havia voltado ao seu zumbido baixo e constante. O alívio o atingiu como uma onda. O risco de um colapso e do desastre iminente havia sido evitado. Com o perigo da matriz afastado, ele sentiu um novo peso deixar seus ombros, permitindo que a tensão de toda a batalha finalmente começasse a se dissipar.
— Eu vou para o portão menor, quero confirmar que Siegmeyer e Thalion estão bem. Preciso conferir com meus próprios olhos — Flügel avisou Eadric, a voz firme, mas com uma nota de preocupação. O capitão, compreendendo a necessidade do garoto, sorriu e deu a permissão com um breve aceno de cabeça.
Flügel se virou então para Aleksander, ou melhor, para o Príncipe Aleksander, que estava parado a uma curta distância. Ele estava perto de Severus, o Guardião Imperial, e a criatura o olhava com uma inteligência tão profunda e perturbadora que Flügel sentiu um arrepio na espinha. Era um olhar que parecia compreender tudo que havia no mundo.
Ele mal conseguia processar a ideia de que a inteligência de um ser pudesse ser tão palpável a ponto de ser visível nos olhos, ainda mais nos de uma criatura tão imponente como aquela. Enquanto ele observava o príncipe e a besta, Nytheris permanecia imóvel atrás dele.
Mesmo com o elmo prateado escondendo o rosto, Flügel conseguia sentir o olhar frio e a raiva contida do seu familiar. O olhar dele fixo em sua nuca transmitia a sua fúria, que parecia ser causada pela proximidade forçada do Príncipe Aleksander.
— Uh… Nytheris, poderia parar de me olhar assim? Sinto como se fosse me atacar a qualquer momento — Flügel murmurou, virando-se lentamente. Seu olhar tentou encontrar os olhos de seu familiar através das fendas escuras no elmo prateado, buscando por qualquer vestígio de sanidade. A raiva que sentia no vínculo era avassaladora, e o peso da presença de Nytheris atrás dele era quase tão esmagador quanto a imponente presença de Severus.
— Aqui, não tem por que você ficar com a camiseta rasgada.
Nytheris estendeu a mão. Uma mana negra e fria emanou de sua palma, condensando-se no ar até materializar uma camiseta idêntica à de Flügel, porém, sem os furos e cortes.
O tecido parecia tão sólido quanto a realidade, e o gesto, por mais simples que fosse, exalava uma magia poderosa e perigosa. Ele estendeu a peça para Flügel, seu olhar frio fixo em seu criador, ignorando completamente a presença de Aleksander e de Severus.
Sua voz carregava uma raiva mal contida, uma mistura de ciúmes e possessividade. O gesto de entregar a camiseta a Flügel parecia algo mais profundo do que simplesmente ajudar seu criador. Era quase como se estivesse colocando uma coleira invisível, um lembrete sutil de que Flügel lhe pertencia, para mantê-lo na linha e longe da influência de qualquer outra pessoa.
— Certo… — Flügel respondeu, a confusão se instalando em seu rosto. O comportamento de Nytheris era mais do que uma cautela habitual com estranhos; havia uma periculosidade latente, uma raiva que Flügel já havia presenciado, mas nunca com tamanha intensidade.
O ciúme e a possessividade de seu familiar não eram novidade, mas a forma como se manifestavam agora, diante do Príncipe Aleksander, eram particularmente perturbadoras.
Ele tirou a camiseta em trapos, sentindo o ar frio da floresta morder sua pele exposta. Ao ajustar a nova peça que Nytheris havia criado, vestiu-a, sentindo a malha macia e quente contra o corpo endurecido pelo treinamento. A camiseta se ajustou perfeitamente, um contraste reconfortante com a frieza do ambiente e a tensão daquele momento.
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