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    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    A floresta, que momentos antes ecoava com o clangor da batalha, agora jazia em um silêncio pesado. A luz do sol, antes filtrada pelas copas das árvores, parecia hesitante em penetrar a desordem deixada pelo confronto. O ar ainda carregava o cheiro acre de sangue, uma lembrança sombria do caos. Flügel, vestindo a camiseta limpa fornecida por Nytheris, sentia o tecido macio em um contraste gritante com a tensão que lhe percorria o corpo.

    Sem mais palavras a Nytheris, Flügel caminhou até Aleksander. — Príncipe Aleksander, você deve ir ver o Major Garrick, certo? Posso te levar até ele. Ele já deve estar no portão menor, considerando que todos em Tournand devem ter visto o “seu” Severus. — Mesmo sabendo da posição de Aleksander, Flügel não conseguiu segurar o ceticismo. A ideia de um jovem príncipe ter domado uma criatura lendária era difícil de engolir.

    — É Ophiornis — Aleksander corrigiu, batendo com a mão na pata do Guardião. Flügel, que ainda estava a metros de distância, desejou estar ainda mais longe. A memória de ter sido obliterado pelo ataque daquele mesmo ser era muito recente, e a proximidade com a criatura o deixava extremamente desconfortável.

    — Ophiornis? — a confusão de Flügel era evidente. Ele tinha visto e lido sobre os Guardiões do continente em incontáveis lugares, e o ser que servia ao Império era sempre referido como Severus. A mudança de nome, tão casualmente apresentada por Aleksander, parecia uma contradição com toda a história daquela criatura lendária.

    — Sim, Ophiornis. Não é normal dar um nome a um amigo que não tem um? Ou a um familiar? — O príncipe sorriu, deliciado com a incredulidade estampada no rosto de Flügel.

    Cada nova revelação sobre a relação entre Aleksander e Severus impressionava mais Flügel. Nomear um ser lendário, como se fossem iguais, era um feito absurdo por si só. Mas o mais impressionante era a aceitação tranquila de Severus. Algo dentro de Flügel se agitava, uma mistura de admiração e uma inveja quase inconsciente. Seus olhos se estreitaram ao observar a criatura alada, um brilho de desejo perpassando seu olhar.

    ‘Se eu o tivesse como meu…’ O pensamento invadiu sua mente, uma pontada de inveja do parceiro de Aleksander. A vida, as batalhas, tudo teria sido tão mais fácil com um ser que carregava o título de guardião ao seu lado. Ele não teria sentido o desespero da morte, nem provado o gosto do seu próprio sangue tantas vezes. O calor do ataque seguido pelo frio congelante de ser cortado pelos vultos esfarrapados ainda o assombrava. Eram pesadelos que o impediam de ter uma noite de sono tranquila, sempre acompanhados pelo aperto no peito e o medo das vozes em uníssono que só ele ouvia.

    Respirando fundo e soltando o ar pela boca, ele respondeu: — Certo. Tudo bem, chamarei ele de Ophiornis. Mas onde ele vai ficar? Não sei como vocês abrigam uma coisa desse tamanho no império, mas aqui em Tournand, não temos um lugar para uma criatura desse porte.

    — Isso não será problema — Aleksander disse, afastando-se de Severus e, com um gesto, indicou que Flügel e Nytheris o seguissem. Quando estavam a cerca de vinte metros da criatura, Severus se levantou sobre as patas dianteiras. Seu corpo serpentino se moveu com uma graça surpreendente para seu tamanho, e ele desdobrou suas asas, erguendo-as majestosamente.

    Assim que a besta sagrada começou a se mover, todos, instintivamente, recuaram. Com um último olhar para Aleksander e outro para Flügel, Ophiornis bateu as asas e impulsionou-se com as patas dianteiras. Uma enorme ventania se formou, forçando-os a cravar os pés no chão para não serem arrastados pelo poder do balançar de suas asas. Grasnando, ele ascendeu acima das nuvens, tão alto que Flügel mal conseguia acompanhar sua figura no céu.

    — Ele vai ficar lá em cima voando. Quando eu precisar dele, ele vai descer assim que me escutar — Aleksander disse, batendo a mão nas costas de Flügel. O jovem soldado, com o rosto pasmo, mal sentiu o toque.

    “Como ele consegue voar com um corpo tão pesado? Como Aleksander vai chamá-lo? E, mais importante, ele realmente o escutará?” As perguntas se atropelavam na cabeça de Flügel. Ele observava a figura minúscula de Ophiornis acima das nuvens, a mente lutando para processar a realidade de que a criatura lendária era, na verdade, uma montaria obediente a um adolescente.

    — Oh, certo… — Ele engoliu suas perguntas, aceitando que, com Aleksander, as coisas simplesmente funcionavam daquele jeito. — Me siga, vou te levar até Tournand e, se não encontrarmos Garrick no portão, eu te levo até o quartel dele. — Flügel completou, já começando a andar sem dar espaço para resposta ou pergunta ao príncipe.


    A caminhada pela floresta era tensa, um silêncio pesado pairando sobre os três. O som dos seus passos sobre as folhas secas e galhos quebrados era o único ruído, um eco solitário na imensidão do ambiente. Flügel, na liderança, sentia-se menos um soldado e mais um guia, conduzindo um príncipe e seu familiar através de um território que, apesar de familiar, agora parecia estranho e perigoso. 

    A presença de Aleksander era imponente. Seu poder não vinha apenas do título, mas da aura de comando que ele exalava por ter um Guardião em seu arsenal, uma força que contrastava drasticamente com sua aparência juvenil.

    Flügel sentia a presença de Nytheris atrás dele como uma sombra constante. O vínculo que os unia transmitia uma raiva mal contida, uma emoção que se tornava cada vez mais nítida, mesmo com o familiar não estando incorporado a ele. 

    Nytheris estava possessivo, irritado pela presença de um novo rival pela atenção de seu criador. Era um sentimento irracional, mas Flügel sabia que a lealdade do familiar era inabalável, ainda que se manifestasse de maneiras estranhas e perigosas.

    A densidade da floresta começou a diminuir, e a escuridão que a cobria recuou. A luz do sol, que antes mal se esgueirava pelas copas densas, agora iluminava os arredores com uma clareza bem-vinda. Foi então, emergindo da paisagem, que Flügel avistou o portão menor de Tournand.

    Duas carruagens estavam paradas próximo ao portão. Flügel as reconheceu; eram as mesmas que ele tinha visto antes, carregadas com suprimentos e roupas para os soldados. Mesmo não estando diretamente envolvido nessa parte da missão, ele sabia que estavam montando um acampamento lá na floresta.

    Um aglomerado de cavaleiros e magos se misturava com diversos aventureiros, cujas vestes e equipamentos eram variados. Flügel deduziu que o exército de Tournand havia solicitado reforços da guilda, uma tática comum para aumentar a força de combate. Ignorando a multidão, ele seguiu direto para a base acoplada ao portão menor. 

    Ao entrar, a base estava estranhamente silenciosa, um contraste marcante com a agitação do lado de fora. No pátio, Flügel viu Thalion e Siegmeyer sentados em uma mesa, com o Major Garrick parado ao lado deles. Um sorriso de alívio se formou em seu rosto. — Major Garrick — ele cumprimentou, sentindo um peso enorme ser retirado de seus ombros.

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