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    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    — Eu não gosto dele. — A voz de Nytheris quebrou o silêncio, fria e cortante como gelo. No quarto, a penumbra da noite mal iluminava a figura dele enquanto removia sua armadura prateada, peça por peça, com gestos ríspidos. Uma inquietude perturbadora o envolvia, algo mais profundo que o simples ciúme.

    Flügel, em pé no meio do quarto, terminava de se livrar das roupas sujas. Ele conhecia bem aquele tom. Não era apenas a voz da possessividade, mas de um pavor latente que ele sentia no vínculo com seu familiar. Agora, o sentimento parecia ainda mais intenso, liberado da repressão que a presença do Príncipe havia imposto. Nytheris estava sozinho com ele, e não havia mais motivos para conter sua fúria e medo.

    — De quem você está falando? — Flügel perguntou, embora já soubesse a resposta. O cheiro fétido do sangue podre dos goblins o incomodava, e ele apressou os movimentos para se livrar das botas em frangalhos que esquecera de tirar na entrada.

    — Do Príncipe Aleksander. — Nytheris quase rosnou, o som baixo e gutural. Seus olhos, normalmente calmos e astutos, queimavam com um ódio que Flügel raramente via. — Ele é perigoso. Ele deve ter segundas intenções.

    Flügel parou de se despir, um arrepio percorrendo sua espinha. Ele tocou de leve o ombro de Nytheris, mas o familiar se esquivou.

    — O que você quer dizer? — Ele perguntou.

    — Ele te tocou. — A voz de Nytheris era uma ameaça sibilante. A imagem de Aleksander passando o braço sobre o ombro de Flügel voltou à tona, e ele sentiu um calafrio. — Ele te olhou como se fosse sua propriedade. Eu não permitirei isso. Você é meu.

    O tom de posse era inegável. Nytheris não apenas desaprovava o príncipe; ele o via como uma ameaça direta à sua conexão com Flügel. O ciúme era uma força poderosa em seu familiar, e Aleksander, com sua aura de dominância e seu sorriso malicioso, havia despertado o pior dele.

    Flügel sentiu a tensão no ar, uma eletricidade perigosa entre a possessividade de Nytheris e a lembrança da arrogância do príncipe. Ele sabia que precisava acalmar seu familiar antes que a situação escalasse, pois a última coisa de que precisavam era de um conflito interno prestes à grande batalha.

    — Você não precisa gostar dele, mas ele é importante para nós. — A voz de Flügel carregava uma seriedade que visava frear a raiva de Nytheris. — Ele tem um dos Guardiões do mundo ao lado dele. É muito melhor tê-lo como aliado do que como inimigo. Ou você prefere se opor à besta sagrada do Império?

    — Mas… você não acha isso estranho? — Nytheris balançou a cabeça com exasperação, os cabelos chicoteando no ar. Sua voz era um sussurro tenso, carregado de frustração, como se as intenções de Aleksander fossem óbvias e Flügel fosse o único incapaz de enxergar. 

    — Ele estava agindo como se fossem velhos amigos, te abraçando e tudo mais! É óbvio que ele tem segundas intenções. Ele deve estar seguindo alguma ordem do Império, talvez para criar um laço emocional e depois usar isso contra você.

    — Vamos lá, você não acha que o Império estaria realmente atrás de mim, acha? Por que eles precisam de mim quando já possuem Severus? — Flügel terminou de tirar as meias. Pegou uma toalha limpa da cama e caminhou em direção ao chuveiro, para terminar de se desnudar. 

    — Você precisa dar um jeito nesse seu ciúme. Como vou arranjar uma namorada se meu familiar ficar encarando a garota como um gavião?

    Flügel entrou no banheiro, deixando Nytheris sozinho com seus pensamentos. A porta se fechou com um clique suave, abafando o som da água que começava a correr. Nytheris ficou parado por um longo momento, o silêncio do quarto tão pesado quanto a armadura que ele havia acabado de remover.

    As palavras de Flügel ressoaram em sua mente. Ele sabia que o ciúme era uma fraqueza, um sentimento irracional que o impedia de pensar com clareza. Mas a imagem de Aleksander tocando Flügel e a aura de posse em seus olhos era algo que ele não conseguia simplesmente ignorar.

     A ideia de que alguém pudesse se aproximar de “seu” criador, de seu único amigo, o enchia de uma fúria sombria. Ele não queria uma namorada para Flügel, ele queria que Flügel fosse dele. Só dele. 

    Não por possessividade egoísta, mas por um medo abissal e inexplicável de ser abandonado, de que a conexão que os unia pudesse ser rompida. Ele não entendia a origem desse terror, apenas sabia que era real e avassalador.

    Nytheris suspirou, um som baixo e pesado. Ele sabia que precisava controlar seus sentimentos, pelo bem de Flügel. Ele não podia arriscar um conflito com o Príncipe, especialmente com a batalha iminente. 

    Mas, por dentro, a raiva ainda borbulhava, uma pequena chama de ódio que ardia silenciosamente, misturada a um medo profundo, esperando o momento certo para explodir. Ele se sentou na beirada da cama, apoiando os cotovelos nos joelhos, encarando a sua armadura prateada suja, e esperou pacientemente que Flügel terminasse o banho. 

    O silêncio voltou a reinar no quarto, mas a tensão, embora menor, ainda estava presente, flutuando no ar como uma névoa invisível.


    Dentro do banheiro, a água gelada não fazia nada para amenizar o calor que irradiava sem parar do peito de Flügel, percorrendo todo o seu corpo. Ele ponderava se tinha sido rude com Nytheris, mas o pensamento era logo ofuscado por algo mais perturbador. 

    O sangue seco nos cabelos e no corpo amolecia e escorria pelo ralo, sem que ele precisasse esfregar. Ele apenas observava a água levar a sujeira embora, a sensação de facilidade assustadoramente familiar.

    ‘Ele entende o que eu quero dizer,’ pensou, tentando distrair a si mesmo, mas a imagem dos goblins esmagados por suas mãos nuas o atingiu em cheio. A sensação de matar com aquele poder avassalador, tinha sido… gratificante. O pavor dessa realização o atingiu em cheio.

    Esse era um sentimento perigoso. Ele não queria se sentir bem ao tirar vidas, mesmo que fossem de monstros. O medo de que aquele poder pudesse corromper sua mente, de que a adrenalina da batalha se tornasse um vício, crescia em um canto escuro de sua consciência.

    Ainda assim, o calor em seu peito persistia. Uma chama faminta que pedia por mais. Uma parte dele desejava matar outros goblins, talvez até enfrentar aqueles vultos esfarrapados novamente. Precisava de mais provas, precisava ter certeza de que todo o seu sofrimento e o poder que agora o queimava não tinham sido em vão.

    Ele esfregou a cabeça e o rosto com força, forçando-se a parar de pensar e a se concentrar no banho. — Estou com fome… — murmurou para si mesmo, o som ecoando no pequeno espaço. Ele não sabia se era seu estômago implorando por comida ou a nova chama em seu peito, com fome de sangue.

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