Capítulo 75 - ... a hora, chega...
Em base marcial, Miya encarava o passado, o presente, e o futuro que a aguardava. A brisa que balançava os tecidos rasgados do kimono tornou-se um perigo exponencial.
Akemi e a noite estrelada viam-se cúmplices do confronto iminente onde uma ameaça invisível atacaria.
Durante brisas rasteiras e empoeiradas, ventos fortes porém distantes tremeram construções arruinadas. Foram testes, sondas de um predador que circulava sua presa até a verdadeira ofensiva.
Velozmente, uma ventania potente convergiu em contra-direção à jovem, subiu poucos metros acima, e iniciou a queda como um tsunami transparente prestes a mergulhar sobre o alvo.
Um ataque inevitável projetado para obliterar, mas Miya já o esperava. “Veja-o antes que venha…” A voz da mãe era uma memória distante com um ensinamento escolhido para aquele momento. “…toque-o antes que atinja… e conduza-o para onde não fere.”
A frase floresceu em prática. Entre suaves gestos marciais finalizados com rigidez, garras prontas para desferir o poder de uma criatura mítica preparavam uma defesa em forma de ataque.
Quando o tsunami de vento despencou, labaredas rodearam a mão recuada, que se fechou em punho e lançou uma explosão flamejante, um sopro dracônico que colidia contra a avalanche aérea e travava um confronto de forças.
“Incrível…” Pela primeira vez, Akemi via o poder de Miya em ação. “Essas chamas conseguem conter o vento de Jin!?” Hipnotizado pelo calor que batia contra o rosto e arrepiava a pele, o rapaz sentia a eletricidade latejando nas veias, querendo sair e lutar junto; mas sabia que não era o momento. “Definitivamente não é uma luta pra mim. Melhor observar e aprender.”
Enquanto chamas poderosas e ventos impiedosos se anulavam entre detonações de poeira e calor, uma brisa trouxe um sussurro desdenhoso aos ouvidos da adversária. — Então realmente aprimorou-se com os ensinamentos de uma traidora? Ho ho, está começando a me fazer lembrar de como ela era.
A clara menção à mãe foi uma farpa na concentração da filha, um ponto fraco evidente.
Um milissegundo foi tudo o que Jin precisou.
Em um estouro incolor, o ar arremessou a jovem para trás com a brutalidade de um aríete.
— Miya! — O grito desesperado de Akemi nunca poderia parar o trajeto da companheira, mas serviria de um certo apoio.
Enquanto era projetada pelo campo de treinamento, a jovem acrobaticamente rotacionou-se e antecipou a queda. A aterrissagem em pé manteve os joelhos flexionados para a absorção do impacto e o foco para o seguimento do combate que estava longe do fim.
Inúmeras ventanias tão poderosas quanto à primeira aproximavam-se em várias direções, prontas para ferir.
Precisando de respostas rápidas, Miya abaixou o corpo e evocou a agilidade de uma besta felina agachada, enrijecendo as mãos como se quisesse agarrar um coração. Contra o primeiro ataque dos ares, movimentos rápidos projetaram arcos flamejantes defensivos no ar, rasgando os ventos com um chiado agudo e superaquecido.
As investidas do adversário oculto continuavam; chamas marciais e ancestrais se defendiam à altura do possível com socos, espalmadas, chutes arqueados e o poder herdado de uma aura única.
Mas aquilo não duraria pela eternidade.
As ofensivas invisíveis intensificaram-se. Em forma de lâminas translúcidas e finas que assobiavam de múltiplas direções, o vento pretendeu fatiar.
Miya voltou à sua forma de antes, a sabedoria tomou o espaço da agressividade e ergueu uma redoma de fogo representada por um dragão de fogo ascendente que protegia sua mestra por todos os ângulos.
As lâminas de vento se desfaziam contra a couraça de chamas dançantes, convertendo-se em um vapor inofensivo e obrigando-se a aumentar a pressão.
Formado em uma cúpula de ventanias, um vendaval comprimia a atmosfera na intenção de tornar o espaço num esmagador cárcere de vento.
Miya ergueu ambas as palmas abertas para cima, sustentando o escudo de fogo.
Akemi lutava contra o desejo de luta da sua própria aura elétrica afetada pelo calor crescente. “Ugh, sinto como se esses ventos pudessem puxar a energia do mundo inteiro! Mas essas chamas, como não se apagam com tanta pressão!?”
O suor na testa marcava o esforço da garota, e para que superasse aquela vontade, o vento tinha uma carta na manga.
Um estilete agudo de ar desprendeu-se do turbilhão e perfurou a muralha de chamas. Sua rota imperceptível atravessou de raspão o ombro da jovem em milésimos, o corte, limpo e profundo, jorrou sangue.
A dor destruiu o foco.
O escudo dracônico caiu, espalhando chamas pelo chão até a dispersão.
A ventania também deu trégua. Jin Ichikawa rematerializou-se em descansar. O uniforme branco seguia intacto como a expressão desdenhosa que observava o corpo curvado e a mão no ombro ensanguentado da oponente. — Então você consegue de alguma forma barrar-me? Interessante… Entretanto, Miyazaki, tem certeza que o legado de sua mãe se resume a isso? Chamas fortificadas através da exibição medíocre de movimentos básicos meramente copiados?
A permanência em pé da companheira deu sensações distintas a Akemi. “Mesmo ferida, Miya segue desafiando o impossível como se estivesse tudo sob controle. Isso que me assusta e, ao mesmo tempo, me dá uma estranha esperança.”
Pelos segundos sem resposta, notou-se que aquela, fatigada pela sucessão de defesas, estava longe de ceder.
— Hmm… Pois diga-me, garota, mesmo com uma aura tão poderosa, por que se contém?
Miya largou a mão do ferimento e endireitou a postura. A vontade por continuar fortificou-se. — Um aprendizado diz para jamais desperdiçar força… principalmente quando se está treinando. E já que o senhor me julga indigna do seu total poder, não me excederei de apenas responder à altura.
— Ho ho, és audaciosa, sem dúvida. Mas essa serenidade soa vazia quando vejo o vermelho de seu sangue e a exaustão de seus ossos. Para alguém que está só “treinando”, não parece que você está à beira de desmoronar?
— Se é isso que pensa, por que não chega de perguntas e tenta logo me derrubar de uma vez por todas?
— Ho… Hohohohoho! — A arrogância de Jin menosprezava a seriedade da garota — por favor, já desperdicei tempo demais com uma pirralha. Pois bem, irei-me agora, meus homens me aguardam — ele deu as costas, reduzindo-se em correntes de ar prontas para a fusão com a noite.
Sem mais, o superior encerrava o confronto.
Mas o fim foi recusado.
— Aonde pensa que vai!? — Durante seu coro de labaredas fundido a um eco cósmico, Miya, com um forte pisar no chão, fervilhou-se: seu corpo inteiro trocou-se por brasas. A própria chama, com olhos amarelos incandescentes em um rosto avermelhado, entrou em guarda, espalhando cores quentes por uma grande área.
A energia renovada da garota atraiu o olhar do superior; daquele modo, qualquer recusa ficou fora de questão…
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