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    Lincon e mesmo Brakas foram pegos de surpresa com as palavras do rapaz pálido.

    “Q-qualquer coisa!” O sujeito baixinho exclamou, desesperado, enquanto olhava, de canto de olho, para a criatura, com um medo persistente em seu olhar. Se ele pudesse se livrar daquele inferno, estava disposto a fazer tudo o que fosse necessário!

    Vendo a resposta do homem, Fernando sorriu levemente.

    “Primeira coisa, eu quero informações sobre a Família Lopes. Não quero coisas simples, eu quero tudo, tudo que você sabe.” afirmou de forma decisiva.

    Ao ouvir a demanda, a expressão de Lincon mudou, quando ele hesitou, rangendo os dentes e ficando em silêncio.

    Notando isso, a expressão do jovem Tenente ficou fria.

    “Entendo, não tem interesse. Você é realmente leal a sua organização e isso é admirável.” Ao falar até aí, levantou-se com aparente desinteresse em seu rosto. “Brakas, leve-o de volta e… continue seja lá o que estiver fazendo.”

    O Beholder sorriu largamente ao receber a ordem, entendendo quais eram as intenções de Fernando.

    “Hahahaha! Sem problemas, Mestre!” Logo o Baiholder começou a arrastar o sujeito de volta para o portal, enquanto soltava gargalhadas que fizeram o assassino sentir um arrepio em sua espinha.

    “N-não! Espera! Podemos conversar!” Lincon gritou, com um rosto em pânico, mas o rapaz pálido o ignorou completamente.

    “Não há sobre o que conversar. Eu fiz uma proposta e você recusou, assunto encerrado.” Fernando falou, com a voz fria, sem sequer olhar para o sujeito, enquanto movia o pulso e tirava um livro aleatório para ler.

    Mesmo sentindo que era um blefe, o assassino entrou em desespero. Ao mesmo tempo que sentia um ódio mortal por Fernando, nesse momento, ele era sua única esperança de escapar dessa tortura.

    “Não estou falando, porque algumas coisas simplesmente não podem ser ditas!!” Lincon gritou, como último recurso, exasperado.

    O jovem Tenente, que parecia focado no livro, de repente, o fechou, levantando uma sobrancelha, olhando-o com algum interesse.

    “Explique melhor.” ordenou, com um rosto frio.

    Vendo que seu Mestre parecia ter chegado a algum lugar, Brakas parou de puxá-lo.

    Respirando pesadamente, Lincon continuou.

    “Uma vez que se entra na Família, não se pode deixar a Família, mesmo que queira.” O homem falou, de forma ambígua.

    A expressão de Fernando mudou, franzindo as sobrancelhas, parecendo ter entendido algo escondido em meio as suas palavras, então se aproximou do sujeito.

    “Está me dizendo que não consegue falar, é isso?” perguntou, olhando-o diretamente. “Há algum tipo de contrato ou Magia o impedindo?”

    O sujeito mordeu os lábios, hesitante, mas assentiu.

    Notando que ele sequer se atrevia a responder diretamente, o jovem Tenente teve ainda mais certeza.

    Esse cara… Ele está sob algum tipo de Contrato de Vassalo? Talvez Magia Mental? pensou, preocupado, finalmente entendendo porque o homem era tão persistente e porque mesmo Túlio não conseguiu arrancar nada dele.

    Ele planejava extrair o máximo de informações sobre Lincon e talvez fazê-lo ajudá-lo a entender os conceitos por trás da Magia de Eletricidade. Mas considerando os perigos envolvendo esse elemento, não se atrevia a ouvir qualquer dica ou instrução de sua boca de forma precipitada, já que o homem o odiava e certamente o mataria ou tentaria prejudicá-lo na menor das oportunidades.

    É por isso que Fernando teve a ideia de forçá-lo a assinar um Contrato de Vassalo com ele, para obrigá-lo a cumprir com suas demandas sem riscos. No entanto, se o sujeito já estava sobre um Contrato ou influência de outra coisa, então não seria possível de acontecer.

    Como o nome sugere, um Contrato de Vassalo era o mesmo que jurar lealdade a um senhor. Logo, não havia como assinar dois contratos, pois era impossível ser leal a dois Mestres ao mesmo tempo.

    Que irritante… O rapaz pálido pensou, frustrado.

    Ele não entendia exatamente que tipo de contrato estava prendendo o assassino, mas certamente não era apenas um simples Contrato de Vassalo, já que se fosse o caso, ele poderia apenas ter deixado escapar uma ou duas coisas e ter sido morto pela ativação inerente do Contrato, escapando de Brakas. Mas, independente do que fosse, essa situação era extremamente problemática para o rapaz.

    Atualmente, Fernando sabia que era visado pela Família Lopes, por destruir a Guilda Fúria de Belai, que servia como um de seus tentáculos no Sul. Sendo assim, ele sabia que estava numa corrida contra o tempo, onde sua vida estava em jogo.

    Enquanto ele próprio, como um Tenente Nomeado de uma Legião, estava na luz, seu inimigo estava o observando secretamente das sombras, pronto para agir a qualquer momento. Essa sensação de estar exposto fazia o rapaz se sentir inseguro.

    Da mesma forma que eles tentaram o matar no meio de Garância, apenas tendo falhado devido à interferência de Raul, nada garantia que não seriam bem sucedidos em sua próxima tentativa. Além disso, não havia como contar com a proteção dos Leões Dourados para isso.

    Sabendo disso, Fernando precisava urgentemente reunir mais informações sobre essa organização, como pontos em que atuavam, quais Guildas estavam sob sua influência e diversas outras coisas que pudessem ajudá-lo a entendê-los melhor. Somente ao conhecer a fundo um inimigo, é que se poderia estar preparado para reagir a suas próximas ações.

    “Tenho formas de saber se está dizendo a verdade ou não, então é melhor não estar mentindo.” O jovem Tenente ameaçou, com um rosto frio.

    “Eu não estou.” Lincon disse, abaixando o rosto, em submissão.

    Por mais que odiasse o rapaz, frente a tortura que era estar com aquela aberração, ele poderia engolir seu orgulho e ira.

    Vendo isso, Fernando ficou impressionado, sentindo que o homem realmente estava dizendo a verdade.

    De repente, lembrou de algo e olhou para Brakas.

    “Nós tínhamos dois prisioneiros, certo? E quanto aquela mulher? Você não fez nada com ela, né?”

    Brakas o olhou com desaprovação e desgosto ao ouvir isso.

    “Mestre, eu sou totalmente fiel a suas ordens. Você me disse para não tocar nela e eu não o fiz.” afirmou, com uma expressão de justiça. “Mas mesmo que eu não tenha feito nada, não tenho certeza se ela ainda é útil…”

    “O que quer dizer com isso?”

    “Acho melhor você ver por si mesmo.” O Beholder falou, sem explicar.

    Ouvindo isso, Fernando ficou confuso, então, olhando para o anel em seu dedo, focou sua mente no interior do Anel de Aprisionamento.

    Ao varrer com seu olhar pelo interior, viu os dois Lobos Prateados que haviam ficado para reprodução. A fêmea estava com uma enorme barriga, parecendo estar pronta para dar à luz a qualquer momento.

    Vendo isso, o jovem Tenente assentiu. Mesmo que sentisse que era cruel manter esses animais dessa forma, os Lobos Prateados eram essenciais para a Cavalaria Dama de Prata, sendo necessárias reposições constantes e ele simplesmente não poderia abrir mão disso.

    Depois disso, seu olhar voltou-se para uma das celas, mais precisamente para duas criaturas, que mesmo ‘miniaturizadas’ por Brakas, pareciam enormes. Estas eram as duas crianças Ciclopes que ele havia poupado. Ambos, mesmo tendo sido encolhidos, ainda tinham a altura de Humanos comuns e até poderiam se passar por um, apesar de seus torsos serem um pouco desproporcionais, o que o deixou abismado.

    Merda, o quão grandes esses carinhas vão se tornar? pensou, assustado.

    Os dois Ciclopes, que pareciam estar ‘brincando’ com pedaços de carne, mastigando-os e jogando-os para os lados, pareciam ter notado algo, quando ambos, ao mesmo tempo, olharam para cima, na direção de Fernando.

    O único olho, de iris clara, de cada, focou-se diretamente na projeção da mente de Fernando. Dentro do Anel de Aprisionamento, sua projeção nada mais era do que uma massa mental invisível, que não deveria ser notada pelas duas criaturas, mas mesmo assim foi. Isso deixou o jovem Tenente intrigado.

    Desde quando Ciclopes tem uma percepção tão boa? perguntou-se, ao lembrar de quando lutou contra as criaturas, que sequer notaram ele e suas tropas, mesmo quando estavam tão próximos, prestes a emboscá-los.

    Uma das crianças Ciclopes apontou diretamente para Fernando.

    “Mestre.” A pequena coisa falou, com uma voz semi infantilizada.

    Essa ação repentina pegou o rapaz completamente de surpresa, deixando-o perplexo.

    “Mestre! Mestre!” O outro falou, também apontando, quando se levantou, dando pequenos pulinhos, como se estivesse feliz.

    “Brakas. O que está acontecendo? Por que os Ciclopes estão falando?!” perguntou, alarmado.

    Fernando havia lido muito sobre várias criaturas nos livros e ele tinha certeza que Ciclopes não deveriam ser Humanoides sencientes, ou seja, que tinham um grande intelecto e percepção de si mesmos.

    Era por isso que mesmo que fossem Humanoides, Ciclopes geralmente eram tratados não como uma raça, mas como simples Monstros.

    Mesmo Ogros, que eram prole de uma mistura entre Orcs, uma raça inteligente e Ciclopes, quase nunca desenvolviam algum intelecto significativo. Sendo assim, falar deveria ser impossível para esses seres!

    Quando o Beholder ouviu isso, um dos seus tentáculos ergueu-se até sua cabeça, como se a estivesse coçando.

    “Para falar a verdade, não tenho muita certeza. Essas coisinhas têm se mostrado mais inteligentes que o normal, então resolvi ensiná-los algumas palavras, apenas para matar o tédio.” afirmou, de forma despreocupada.

    Fernando ficou surpreso ao ouvir isso.

    “E por que não me informou isso?” perguntou, indignado.

    “Pensei que não era algo que merecia sua atenção, Mestre.”

    A expressão do jovem Tenente era tensa. Apenas o fato dele manter dois Ciclopes consigo já era um crime grave, se essas pequenas criaturas desenvolvessem inteligência sob sua tutela, isso seria ainda mais agravante, caso descoberto pela Legião ou qualquer outra pessoa!

    Num mundo onde cada raça luta desesperadamente uma contra a outra por sua sobrevivência, disputando por territórios e recursos, permitir que uma nova raça inteligente se desenvolva em Avalon era algo extremamente sério e preocupante para todas as raças, principalmente para os Humanos, que estão cercados.

    Vendo a expressão tensa de Fernando, Brakas apressou-se para tranquilizá-lo.

    “Não se preocupe tanto Mestre. Mesmo que seja um pouco estranho, isso não é totalmente incomum. Em Avalon, nada é perpétuo e tudo está em constante mudança. A menor alteração de ambiente, pode gerar modificações e acredito que é o caso dessas duas coisinhas.”

    O jovem Tenente ficou um pouco pensativo, não entendendo exatamente o que o Baiholder queria dizer com isso. Mas logo seu foco voltou-se para os dois pequenos dentro do Anel. Vendo-os ainda alegres com sua presença ali dentro, o fez engolir em seco.

    Ele os havia poupado apenas para desencargo de consciência e muito devido às palavras de sua esposa, mas não imaginou que esse seria o resultado.

    Vendo-os nus, percebeu que se tratava de um garoto e uma garota.

    “Você… deu algum nome a eles?” perguntou, hesitante.

    Brakas ficou pensativo ao ouvir isso.

    “Não exatamente. Apenas os chamo de Coisinho e Coisinha, eles respondem bem assim, então acho que pode ser considerado um nome.”

    O rapaz pálido ouviu aquilo com um certo incômodo, dando um olhar estranho para ele. Apesar de Brakas ser uma criatura tão inteligente e ardilosa, não parecia ser nada bom em dar nomes.

    Percebendo o descontentamento de seu Mestre, o Beholder rapidamente fez uma sugestão.

    “Caso não seja do seu agrado, poderia dar um novo nome.”

    “Não é necessário.” Fernando negou, balançando a cabeça.

    Suspirando, deu uma última olhada nos dois pequenos, em seguida moveu o pulso, retirando algumas roupas velhas e largas de sua Pulseira de Armazenamento, jogando em direção ao Beholder.

    “Quando voltar, faça-os usar isso.” ordenou e ao parar por um momento, uma ideia estranha veio a sua mente, quando moveu o pulso novamente, retirando um livro infantil e dois lápis, que continha algumas figuras, desenhos para colorir e palavras simples. Era um dos livros que ele havia encontrado na biblioteca da Guilda Valorosos. “Dê isso a eles e continue ensinando-os palavras.”

    Mesmo sabendo que eram ‘apenas Monstros’, Fernando ainda se sentiu mal de deixar as duas pequenas criaturas presas dentro do Anel desde o momento de seu nascimento. Além disso, ele próprio havia matado a mãe deles, o que fazia um certo mal-estar o envolver ainda mais. Então pensou que dar alguma coisa para distraí-los e ensiná-los poderia diminuir um pouco dessa sensação ruim em seu peito.

    E, mesmo que soasse um pouco perigoso, sua curiosidade ainda o fez querer entender até onde as duas pequenas coisas poderiam ir e se seriam realmente capazes de aprender a ler, escrever e falar como Humanos.

    Brakas achou estranha as ordens, mas concordou.

    Apesar de ainda estar intrigado com os dois Ciclopes, logo desviou sua atenção, focando na cela mais ao canto, completamente isolada das demais, tendo sido trancada por dentro. Lá, uma mulher, de pele negra e cabelo com mechas prateadas, estava encolhida, parecendo murmurar coisas incompreensíveis. 

    Fernando tentou focar-se, para escutar.

    “Desculpa, desculpa, desculpa.” murmurou, repetidamente.

    Ouvindo isso, o rapaz franziu a testa, então, ao olhar com mais cuidado, notou que, ao contrário de Lincon, que apesar dos machucados, estava limpo e bem cuidado, a mulher estava completamente imunda e havia cortes profundos em seus pulsos.

    “O que aconteceu com ela?” O rapaz perguntou a Brakas.

    “Bem… É o que você está vendo, ela só fica aí o dia todo, o tempo todo falando a mesma coisa. Além disso, tentou se matar algumas vezes. Como você ordenou que a mantivesse viva, então não permiti que morresse. Mas além de curá-la, não a toquei nenhuma vez.”

    “Aquela vagabunda, ela já está morta por dentro. Apenas acabe com isso.” Lincon cuspiu, com a voz baixa. Mesmo nessa situação o sujeito ainda parecia rancoroso com a traição da mulher.

    “Cale a boca. Você só fala se eu falar com você primeiro.” Fernando ordenou, com uma expressão fria.

    O sujeito baixinho, que agora estava sentado no chão, se encolheu, não ousando retrucar, apesar de seu olhar conter uma pitada de raiva escondida.

    Voltando sua atenção para a mulher, Fernando suspirou consigo mesmo.

    Lembrando-se de como ela implorou para viver, demonstrando uma enorme resiliência, e mesmo após ele lhe dar a opção da morte, ela ainda escolheu desesperadamente a vida, o fez sentir uma sensação amarga, já que ela parecia muito diferente de antes.

    Sua enorme vontade de viver foi o que o fez ter piedade dela. Saber que ela havia tentado acabar com sua própria vida lhe decepcionou um pouco.

    Seu nome… É Verônica, se bem me lembro. Vamos verificar se ela ainda tem valor. pensou, com uma expressão indiferente.

    Apesar de superficialmente ter alguma pena dela, também não esqueceu que ela participou da sua tentativa de assassinato e era a principal responsável pela morte de seus homens.

    “Verônica.” O jovem Tenente disse, dentro do Anel de Aprisionamento.

    Assim que ouviu sua voz, a garota, que murmurava sem parar, parou por um instante. Com olhos arregalados e uma expressão aterrorizada, olhou para os lados, buscando a fonte da voz.

    Diferente dos dois Ciclopes, ela não parecia saber onde estava a ‘mente’ de Fernando.

    “Lhe darei a mesma escolha novamente. Se quiser viver, saia pelo portal, se não quiser, apenas fique onde está, providenciarei para que tudo acabe hoje.”

    A mulher abriu a boca, como se quisesse falar algo, mas fechou-a novamente, ainda com uma expressão cheia de medo.

    Vendo aquilo, seu olhar cheio de terror, Fernando se sentiu mal. Mesmo sabendo que ela já fora sua inimiga, saber que possuí o poder de decidir a vida ou a morte de outra pessoa não era uma situação que lhe agradava. Entretanto, também sabia que se não assumisse essa posição, outros fariam isso com ele.

    Num mundo onde o forte ordena e o fraco apenas obedece, não havia espaço para piedade ou empatia demasiada.

    A mulher continuou parada, mesmo após ouvir as palavras do rapaz. No fim, ela abaixou a cabeça, colocando-a entre os joelhos.

    Atualmente ela própria havia trancado a cela, talvez por medo do Baiholder e das outras Criaturas e o portal estava aberto, então se ela quisesse, poderia sair, mas parecia estar se recusando.

    Vendo isso, Fernando suspirou.

    Então essa é sua escolha. pensou, retirando sua mente do Anel de Aprisionamento, decidido que pediria para Brakas acabar com seu sofrimento da forma mais indolor possível naquela noite.

    Voltando sua atenção para Lincon, estava prestes a dizer algo, quando, de dentro do portal, uma silhueta feminina surgiu.

    “Eu… quero viver.”

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