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    A exploração das cavernas abaixo da Costa Esquecida estava ocorrendo sem problemas, mas lentamente.

    O Mar Negro — e as abominações Corrompidas que o povoavam — passaram milhares de anos se escondendo do sol obliterante. Assim, o solo estava coberto por inúmeras camadas de lama, fragmentos de coral pulverizado, ossos estilhaçados de Criaturas do Pesadelo mortas e tudo o mais que a maré baixa havia arrastado consigo para o subsolo.

    Tudo repousava em uma escuridão eterna e imperturbável… e havia coisas angustiantes escondidas na escuridão. Abominações poderosas que não haviam sido engolidas pela Torre Carmesim quando o Titã Colossal surgiu do chão, enxames de parasitas microscópicos que poderiam consumir um humano em instantes, bolsões de escuridão total que cegavam Sunny, e muito mais… Nada disso representava uma ameaça séria para ele, mas ele precisava proceder com cautela.

    Afinal, apesar de seu grande poder, Sunny não era imortal. Ele conseguia lidar com qualquer Criatura do Pesadelo que habitasse a Costa Esquecida, desde que se dedicasse, mas alguns momentos de descuido ainda podiam lhe custar uma encarnação. Ele também era bastante resistente, mas não imune a ataques de alma e mente.

    Além disso, por mais poderoso que fosse, ainda havia todo tipo de seres misteriosos e bizarros no Reino dos Sonhos que simplesmente escapavam à lógica. Então, valia a pena ter cuidado.

    Por enquanto, Sunny não havia descoberto nada muito valioso na vasta escuridão das cavernas ocultas. Ele encontrou mais do que alguns artefatos históricos interessantes pertencentes à civilização extinta da Costa Esquecida, mas isso apenas saciou sua curiosidade como explorador do Reino dos Sonhos, não contribuiu para seus objetivos como Supremo.

    Mesmo assim, ele continuou pacientemente. Afinal, cada Criatura do Pesadelo que ele matava tornava sua Legião das Sombras mais forte — além disso, cada poço de escuridão verdadeira era uma descoberta valiosa, já que Sunny estava pensando em maneiras de ajudar a Santa a alcançar um Nível e uma Classe mais elevados.

    Enquanto explorava as cavernas, outra encarnação sua jazia no frio chão de mármore do Templo Sem Nome, respirando com dificuldade. Seu corpo era um mapa de feridas cruéis e, embora sua pele de jade já tivesse se recuperado há muito tempo, os músculos e tendões abaixo estavam em um estado lamentável.

    “Ah… maldição…”

    Gemendo baixinho, Sunny estremeceu e sentou-se. Invocou a Primavera Eterna, bebeu profundamente dela e então se levantou, cambaleante. Essa encarnação particular dele estava se recuperando de uma tarefa que cada um deles realizava a cada poucas semanas.

    Essa tarefa era lutar contra a Caçadora.

    Sunny mantinha a Sombra assassina na masmorra abaixo da catedral em ruínas da Cidade das Trevas, agora na cela de pedra onde encontrara a Máscara de Weaver. A cada sete dias, ele a convocava para o salão inferior do Templo Sem Nome e travava um duelo com ela.

    Isso durou um ano inteiro. Os duelos eram invariavelmente cruéis, brutais… e educativos. Toda semana, Sunny mal conseguia derrotar a Caçadora, e toda semana ele acabava nesse estado lamentável. Como resultado, uma encarnação estava sempre se recuperando, enquanto uma curada desafiava a Sombra na semana seguinte.

    O avatar em recuperação desempenhou o papel de guardião do Templo Sem Nome. Estremecendo novamente, Sunny foi em direção ao jardim dos fundos.

    “Eu deveria levá-la para um piquenique ao norte da cidade um dia. Ela provavelmente vai gostar da estátua da Caçadora… mesmo que ela não tenha cabeça. Duas Caçadoras em um só lugar, será engraçado? Ou será demais? Será que…”

    Um sorriso dolorido iluminou seu rosto. A dor era real, mas os duelos estavam dando resultados.

    Inicialmente, Sunny não sabia o que fazer com a Sombra assassina. Ele não queria destruí-la, mas também relutara em obrigá-la à servidão contra a sua vontade. Isso ia contra os seus princípios. Ao contrário das sombras silenciosas — as sombras1, como ele as chamava agora para evitar confusão — que não tinham noção de si mesmas, suas Sombras tinham identidade própria. Eram tanto indivíduos quanto partes dele. 

    Santa, Serpente, Pesadelo, Diabo e Mímico pareciam mais do que dispostos a seguir seu comando, mas Caçadora não. Então, ele não a forçaria. Mas ele também não conseguia libertá-la. Afinal, ela era um ser de letalidade e malícia arrepiantes, então Sunny não iria desencadear aquela calamidade sobre o mundo por desconforto moral.

    Por isso, ele lutava com ela toda semana. Os duelos começaram como uma tentativa de comunicação — Sunny esperava chegar a algum tipo de entendimento com a Caçadora, mas, em vez de ouvi-lo, atacou imediatamente. Então, em vez de palavras, eles acabaram se comunicando com aço afiado.

    Sunny ficou frustrado com sua agressividade obstinada no início, depois indignado e, por fim, com raiva.

    A Caçadora permaneceu teimosamente desafiadora, sempre com o objetivo de matá-lo e machucá-lo de qualquer maneira que pudesse. E por mais que Sunny estivesse aprendendo lutando contra ela, ela também estava aprendendo e se adaptando lutando contra ele. Portanto, nenhuma de suas vitórias havia sido fácil até então.

    Em algum momento, ele ficou inseguro sobre por que continuava com essas dolorosas surras semanais. Mas elas já haviam se tornado um hábito, quase um ritual, então ele decidiu simplesmente aproveitar como lições valiosas. Ele treinava regularmente com Nephis na Ilha de Marfim e com Santa ou Caçadora aqui na Costa Esquecida. A vida o estava mimando com parceiros de treino maravilhosos…

    Mas então, algo inesperado aconteceu.

    Após uma longa sequência de derrotas, Caçadora parecia ter começado a tratá-lo com uma espécie de… respeito relutante. Um senso de parentesco, até. Ela ainda não estava disposta a se submeter a ele, mas pelo menos estava disposta a fazer um acordo com ele.

    Contanto que Sunny a derrotasse naquela semana, ela obedeceria ao seu comando por uma semana. Além disso, ela exigia pagamento por cada vez que ele a invocasse. Sendo uma Sombra, a Caçadora naturalmente não precisava de dinheiro ou tesouros mundanos. O que ela queria como pagamento… era o sangue de Sunny.

    A Caçadora não falou, mas conseguiu facilmente expressar seu desejo com um silêncio pungente.

    Era um pouco estranho… e mais do que um pouco assustador… mas ela parecia ter desenvolvido um gosto pelo sangue de Sunny, ou pelo menos um interesse por ele — desde que algumas gotas caíram sobre ela e foram absorvidas por ela, dos nós dos dedos dilacerados de Sunny durante a batalha no Reino das Sombras. Absorver o sangue dele quase a fez parecer… mais viva, de alguma forma.

    De qualquer forma, esse era o acordo deles agora, e esse era o preço que Sunny estava pagando para se beneficiar do poder de sua sexta Sombra.

    Isso e a dor.

    Gemendo, Sunny mancou pelos corredores do Templo Sem Nome, entrou no jardim escondido atrás da magnífica Cidadela negra e usou a Primavera Eterna para regar sua árvore. Então, ele olhou para o céu sem estrelas e suspirou.

    “Eu me pergunto quando virá a próxima tempestade. Já faz meses que não chove…”

    Sua expressão escureceu e ele resmungou:

    “Vou ter que me preocupar com o abastecimento de água também? Mais trabalho para mim, droga…”

    1. vamos lá, o ingles tem 2 palavras pra sombra: Shadow e Shade, mas nós temos apenas sombra. Ai la no começo eu decidi colocar as Sombras que evoluem em negrito pra facilitar a compreensão, enquanto as sombras normais nao, ai agora o autor tbm tem esse dilema, mas como la ele pode usar duas palavras… fica de boa, enfim, vcs entenderam, nada vai mudar[]

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