Havia se passado aproximadamente uma hora desde que a portinhola fora aberta para a entrega da comida.

    Louie já havia comido. Sentia-se um pouco mais disposto fisicamente, mas sua mente continuava em um turbilhão — tomada por dúvidas, perguntas, lembranças quebradas… E uma dor incessante.

    — Ugh… porcaria de dor. — Louie suspira. — Pelo menos a dor diminuiu um pouco depois que comi…

    E então, com um movimento simples, Louie apoia as duas palmas de suas mãos no chão, forçando seu corpo para frente.

    Ficando assim de pé, Louie começa a caminhar lentamente pela cela quadrada.

    — E agora… o que eu faço pra sair daqui? — Louie murmurou, passando as mãos pela parede enquanto andava de um lado pro outro. — Além de estar sentindo dor em cada parte do corpo e com a energia drenada, eu não faço a menor ideia de como sair dessa maldita prisão.

    A cabeça dele já estava no limite. Era uma pergunta atrás de outra, e nenhuma resposta significativa.

    Parecia que, mais do que só preso fisicamente, ele estava encurralado mentalmente também.

    O que aquela frase de Sethros significava?

    Quem seria o “ele” que Sethros havia mencionado?

    Essa pergunta não saía de sua mente.

    Parecia uma farpa encravada, incomodando a cada segundo. Quanto mais tentava empurrar pra longe, mais fundo aquilo se cravava.

    Seria uma referência ao seu antigo eu?

    Ou será que falava de outra pessoa… alguém que ele já tinha tido por perto?

    Ou pior ainda — alguém que estivesse ali dentro, dividindo o mesmo corpo com ele?

    Mesmo que fosse uma ideia meio absurda, aquilo batia dentro dele como se fosse o som de um martelo da verdade.

    E esse som foi junto com ele até a porta da cela.

    Parou ali, encostou a testa no metal gelado.

    O silêncio da cela parecia gritar de tão vazio e escasso dentro da cabeça dele.

    Com apenas sua voz falha rompendo esse silêncio perturbador.

    — Prisão, né… — murmurou.

    De repente, sem aviso ou tempo de preparo, seu olho se estreitou, seu coração disparou e as veias saltaram para a pele, pareciam que iam estourar.

    A garganta de Louie trancava, como se roubassem todo o ar à sua volta. Sua cabeça latejava, e cada batida parecia o estalo de uma engrenagem, girando e repetindo como um velho disco de vinil estragado.

    Tocando consigo os gritos e dores finais de todos aqueles ceifados no fatídico incidente.

    E então, como um DVD, imagens começaram a aparecer.

    E no meio de todo aquele inferno, aquela pergunta não saía do lugar.

    Não… Ainda mais do que isso.

    Elas pareciam se interligar com as falhas e distorcidas memórias do dia em que tudo começou.

    O tão temido: Massacre sangrento.

    Porém, diferente de antes, essas memórias não eram como flashes que apareciam sem conexão.

    Era como se tivesse um filme passando dentro da cabeça do Louie.

    E ele… não era nada além de um espectador preso nas próprias lembranças falhas.

    Sua cabeça começou a girar.

    Era como se estivesse sendo puxado pra outro lugar… outro mundo… outro universo.

    Quando Louie abriu seus olhos novamente, sua visão estava pesada… E completamente embaçada.

    Estava tonto, porém com pressa, tentou entender onde tinha ido parar, olhando em volta de forma desesperada.

    — O-onde eu tô?! Eu tava na cela agora há pouco… como caralhos vim parar aqui?! — murmurou, levando a mão direita até a testa.

    Mas congelou assim que a viu.

    — Q-que merda é essa… minha mão tá… transparente? — Sussurrou baixo, virando e revirando as mãos. — Será que… isso aqui é só um sonho?

    Olhou ao redor.

    Corpos largados no chão, destroçados, irreconhecíveis.

    E no ar, uma névoa negra que crescia a cada segundo… engolindo o lugar.

    Cada pedaço dela que se espalhava criava novas cenas.

    Cenas distorcidas… pesadas… reais demais pra serem apenas fruto de um sonho da sua finita criatividade.

    — “Não… isso é real demais… não pode ser só um sonh—”

    Antes de terminar o pensamento, ouviu passos ecoando.

    Eram lentos, calmos… cada batida no chão fazia a cabeça do Louie tremer, como uma maldita música tocando só para ele.

    Tok…

    Um frio atravessou o ambiente, subindo pela espinha de Louie.

    Tok…

    O mundo parecia parar.

    Como se uma presença divina andasse sobre os caídos… uma calamidade que carregava consigo o cheiro das ruínas.

    Tok…

    E era só isso.

    Naqueles segundos que pareciam eternos, só aquele som persistia, vibrando e fazendo todo o resto do mundo se calar diante dele.

    O corpo inteiro de Louie gelou só de ouvir aquele som visceral… Menos… Seus olhos.

    Os olhos começaram a vasculhar o espaço, nervosos, sem saber onde focar… quase como se buscassem sozinhos a origem daquele som.

    Um azul… o outro vermelho… girando sem parar atrás da fonte…

    Até que… finalmente… encontraram.

    No meio daquele mar de corpos, uma silhueta feita de pura sombra caminhava devagar.

    Os olhos brilhavam num vermelho intenso, e o cabelo… branco como neve.

    Andava pelo sangue como se o chão fosse um tapete vermelho, feito só pra ele desfilar.

    O coração do Louie disparou, parecia que ia pular pra fora do peito.

    Suas mãos suavam, tremiam sem ele conseguir controlar.

    — “E-e-ele… eu… eu já vi ele!” — Louie pensou, quase gritando por dentro, com o peito apertado e a garganta seca.

    A sensação de perigo fez as pernas do Louie tremerem por um segundo.

    A cada passo daquela silhueta ecoava na cabeça dele, batendo como um tambor que anunciava a entrada de um caído pelos grandes portões do inferno.

    Louie se sentiu pequeno… impotente e… totalmente vulnerável frente a aquele ser.

    — “Foi ele que eu vi quando despertei os poderes! Mas… o que ele tá fazendo aqui?! Qual é a relação dele com esse incidente?!”

    Louie tentava se mover, mas era em vão.

    Seu corpo estava completamente imóvel.

    Seus olhos tremiam, como se fossem cair do rosto.

    E naquele momento… parecia que eles caíam diante do diabólico sorriso branco, dissimulado e vazio que a sombra de olhos escarlates exibia.

    Em meio à queda, ele se sentia como uma pequena gota de sangue caindo em um oceano azul parado, espalhando sua cor vermelha por toda a água.

    Ao redor de Louie, o mundo tremeu.

    Como se a própria realidade se distorcesse.

    Raios cortavam o céu, e o som de cada descarga parecia chorar pela perda daquela cor.

    Seus olhos, tocando o chão e iluminados pelo brilho ofuscante dos raios, mudaram sua perspectiva de repente.

    Era como se ele fosse outra pessoa, observando a mesma memória de fora.

    Viu de cima dos corredores mais altos a quadra de baixo, que parecia um deserto de corpos.

    Sem controle do corpo, e com a visão turva, ainda limitada pela névoa negra, Louie percebeu mais seis silhuetas, como sombras manchadas, à volta do homem de cabelos brancos.

    De forma completamente dissimulada, ele gargalhava.

    O som de suas risadas parecia travar todo o ambiente.

    Até… parar abruptamente.

    Por um instante, o homem soltou breves palavras, como uma voz muda — existindo, mas inaudível para Louie.

    Junto dessas palavras silenciosas, ele apontou a mão em direção a Louie, formando com os dedos algo próximo a uma arma.

    E, como se mirasse com a própria carne, os olhos vermelhos escarlates se fixaram nos de Louie.

    E, junto com as últimas palavras mudas do homem…

    BAM!

    Os olhos de Louie giraram em espiral ao som do “tiro”.

    O corpo dele tremeu todo, parecia que cada músculo tinha levado um choque de arrepiar.

    O ar faltou por um segundo, e um frio estranho subiu pela espinha, deixando ele travado.

    As mãos se agarraram no chão como se fosse a única coisa que segurava ele no mundo real.

    A cabeça rodava, latejava… e o coração parecia que ia pular pra fora do peito.

    E naquele momento…

    Como se a própria realidade se quebrasse em cacos de vidro, fragmentada, Louie foi jogado de volta à sua consciência normal, dentro da estranha e solitária cela escura.

    Ainda apoiado com a testa no metal gélido, ofegante como se tivesse corrido uma maratona sem parar.

    Respirava fundo.

    Com o peito apertado e tomado pela frustração, socou a porta da cela.

    As dúvidas corroíam por dentro, como ferrugem consumindo um prego velho.

    Ele não sabia nada.

    — D-desgraçado… quem… é você afinal?! — murmurou Louie, ainda arfando, com a imagem do estranho homem de cabelos brancos e olhos escarlates presa na sua memória deturpada e corrompida.

    — “Calma Louie, se acalma.” — Suspira Louie, tentando acalmar os nervos. — “Se eu fosse dizer o que era isso que vi agora… Seria que foi uma memória do massacre.”

    Louie desgruda da parede, ainda ofegante, porém mais calmo.

    — “O Seprus(Sethros) deve saber o que aconteceu lá… Preciso sair daqui e fazer ele falar.” — Mas… Como eu faço pra sair daqui?

    E naquele momento… Louienão tinha ninguém por perto.

    Nenhum rosto amigo. Nenhuma mão estendida. Nada.

    Exceto… Kael.

    A lembrança dele, com aquele olhar sarcástico mas que passava segurança, apareceu como um raio de luz no meio da escuridão da cela.

    Louie nem sabia direito quem Kael era — nem por que sentia tanta segurança perto dele — mas tinha algo naquele jeito, nas piadas e nas brincadeiras, que fazia ele se sentir protegido.

    Era mais do que só simpatia.

    Era como se o olhar dele transmitisse um senso de responsabilidade, algo que Louie não entendia, mas que lhe dava apoio.

    Talvez fosse alguma conexão com seu antigo eu…

    Ou talvez algo que vinha de ainda antes disso…

    — Kael né… Ele parecia forte pra caramba… — Louie deu uma risadinha curta. — Será que ele conseguiria vencer o Seprus em uma luta?

    Ele soltou um suspiro baixo, como se sua cabeça ainda estivesse cheia demais para raciocinar.

    — Se bem que eu nem sei se o Seprus é tão forte assim… Mas o olhar dele… me dava arrepios! — falou, e o corpo tremeu arrepiado. — Parecia um avestruz com olhos e língua de cobra…

    — … — imaginou, fazendo careta só de pensar naquela “coisa”.

    — Eca… É nojento… — cochichou, comparando mentalmente os dois.

    — Bom, não que seja importante agora com qual animal o Seprus se parece… — disse, levando a mão aberta devagar até a porta. — Eu só… espero que a Emi e a Nina tenham chegado bem em Áurea.

    Com um olhar afiado, cheio de foco e confiança, fechou a mão na porta.

    — E é por isso… que eu tenho que sair daqui logo… não importa como.


    Enquanto Louie arquitetava suas possibilidades de fuga, Kael estava em outro lugar — uma sala branca, silenciosa, suja de sangue seco e cercada por instrumentos de tortura.

    Na frente dele, o prisioneiro que capturou na emboscada algumas horas atrás.

    Um homem de pele metálica viva, todo quebrado, sem os dois braços, mas com um orgulho intacto.

    — Vou perguntar de novo — disse Kael, com a voz carregada de ameaça. — Quem são vocês? E o que querem com o Louie, a Nina e a Emi?

    O homem arfava, cuspindo sangue, mas ainda conseguiu soltar um sorriso torto, quase desafiando Kael.

    — Pode me torturar o quanto quiser… — disse, cortando as próprias palavras, mas com uma coragem irritante. — Prefiro morrer do que abrir a boca.

    Kael inclinou o corpo, os olhos queimando de raiva contida.

    — Sério… eu odeio fazer isso… — murmurou, impaciente. — Mas você não tá me dando escolhas.

    Ele deu um passo devagar até uma caixa azul no canto, o barulho metálico da mão roçando a caixa ecoando pela sala.

    — Vamos ver se você ainda vai ser corajoso assim agora que vamos começar de verdade. — Kael abre a mala com calma, tirando vários equipamentos de tortura como lâmina, pregos e outros objetos.

    O homem engoliu seco, respirando pesado, o corpo completamente tensionado.

    Cada músculo parecia gritar em resistência… ou… Em desespero.


    Horas depois, a sala parecia saída de um pesadelo.

    Ferramentas jogadas pelo chão, todas sujas de sangue. Ossos quebrados. Unhas dos pés arrancadas uma a uma.

    O homem de pele metálica já não parecia mais humano — era só um amontoado de dor, carne e metal respirando.

    Kael se aproximou devagar, a voz rouca, cansada, já sem paciência.

    — Já deu dessa merda… Responde logo o que eu perguntei, ou a gente recomeça tudo do zero. De novo e de novo.

    O prisioneiro arfou, cuspindo litros de sangue. A voz saia fraca, dolorida, e aquele maldito orgulho irritante… já tinha se quebrado em milhões de fragmentos.

    — N-não… por… por favor… só me… só me mata logo…

    Kael apertou os olhos, sua voz agora saindo mais baixa, porém ainda mais ameaçadora do que antes.

    — Só me responde… e eu acabo com essa merda de dor que tu tá sentindo.

    O homem de metal não respondeu de imediato, hesitando, respirava fundo, como se estivesse brigando com ele mesmo sem saber qual caminho escolher.

    Kael deu um leve sorriso sarcástico, se inclinando para pegar as ferramentas de novo.

    — Então beleza… parece que a gente vai ter que continuar.

    — N-não… não… — a voz saiu falhada, quase sussurrando. — Eu… eu falo.

    Ele começou a tossir forte, cuspindo sangue no chão. A cada palavra parecia que ia desmaiar.

    — Sacr- coff, coff, coff — tosse sem parar, o sangue escorrendo pela boca — Sacrificium Sanguinis… nos chamamos… de… Sacrificium… Sanguinis…

    O som daquele nome gelou a espinha de Kael na hora.

    Ele nunca tinha ouvido falar daquele nome, mesmo depois de ter tido um confronto direto com essa organização dez anos atrás.

    Ela não era só uma célula criminosa qualquer.

    Era maior. Muito mais complexa e sigilosa do que as demais.

    Tanta gente envolvida… e nenhum registro sobre. Não sabiam quem eram, nem o que queriam.

    Para Kael, nada daquilo fazia sentido.

    Era como se tivesse tropeçado num poço sem fim, um buraco que era fundo demais… e escondia algo muito pior do que ele conseguia imaginar.

    E, nesse instante, a porta da sala se abriu com um estalo seco.

    — Kael! — disse um agente, entrando apressado — O que… aconteceu aqui…?

    O agente olha pela grande sala branca, manchada de sangue e materiais ensanguentados.

    — Nada… Não aconteceu nada aqui. — disse Kael, indo a um pano branco, limpando o sangue de suas mãos. — Por favor, continue.

    — Ah… C-certo… — disse, tentando tirar seu foco do terror à sua volta. — Então… encontramos uma das vítimas do sequestro.

    O olhar de Kael se virou rápido, quase perdendo a compostura com a notícia, porém respirou e respondeu com calma.

    — Prossiga, explique de forma detalhada.

    O agente engoliu seco, ajeitando o bloquinho nas mãos trêmulas antes de começar a falar.

    — C-certo… — disse, puxando uma caneta do bolso e respirando fundo. — A Vigilante Lila investigou os principais locais isolados que poderiam servir de base em Porto Alegre, como foi ordenado.

    Ele folheou rapidamente as páginas, os olhos correndo de um lado pro outro, até parar em uma anotação marcada.

    — Ela encontrou um prédio abandonado na região sul da cidade, com uma movimentação suspeita. — continuou, levantando o olhar para Kael, antes de voltar a escrever. — Ao se infiltrar no local, enfrentou guardas com poderes Kaelum… e localizou uma menina de aproximadamente 10 anos.

    O agente fechou o bloquinho devagar, segurando a capa firme entre os dedos.

    — Bate exatamente com a descrição de Nina Kaede — disse, finalizando.

    Kael ergueu-se, o olhar cheio de urgência.

    — Entendo… — Kael avança em direção à porta. — Envie uma mensagem a Lila, agrupe os outros Vigilantes. Vamos atrás do Louie e da Emi.

    — Certo! — respondeu o agente, entrando em posição de sentido diante de Kael.

    — E você… — continua Kael, olhando de canto de olho para o homem metálico aprisionado. — Fique aqui por enquanto, depois continuamos nossa… “conversa”.

    Kael finaliza indo até a porta, mas antes que pudesse sair da sala, o homem de aço murmurou com um sorriso ensanguentado.

    — Hahahahaha, pobre homem… Vocês não fazem ideia de onde estão se metendo mesmo…

    Kael para de caminhar, vira o rosto para o homem e questiona:

    — Do que tu está falando?

    — O garoto… se quer um conselho… não vai atrás dele. — Seus músculos se contraem contra a corrente, e suas pupilas diminuem. — Talvez assim… só talvez… vocês sobrevivam um pouco mais até o fim… a primeira queda já aconteceu…

    — Garoto? Fim…? — pergunta Kael, apreensivo. — O que seria a primeira queda? O massacre do Colégio Península?

    O homem não responde de imediato… ao menos não com palavras, porém começa a rir incessantemente.

    — O garoto… O garoto é apenas um fantoche! … Um peão da vontade de algo muito maior! … Aquele que trará o caos original sobre todos os mortais e imortais! … O receptáculo da Calamidade e do juízo final! Lu-

    SPLAT!

    E, sem aviso, sua cabeça explodiu. Fragmentos e sangue espirraram pela sala. O cheiro de metal queimado e sangue impregnava o ar ainda mais do que antes.

    O soldado atrás de Kael observava a terrível visão dos miolos espalhados pelo chão.

    Sem controle do próprio corpo, seus olhos tremiam e afundavam.

    O estômago se revirou.

    Ele se virou para o lado e vomitou diante da horrível e grotesca visão.

    Kael, sujo do sangue e dos restos da explosão, limpa o rosto com desprezo.

    — “Um dispositivo de autoextermínio? Não… Ele já teria usado antes, e se ele soubesse sobre isso, já teria se matado há muito tempo.”

    Kael caminha devagar até o corpo, os olhos ainda fixos nos restos espalhados pelo chão.

    — “Será um poder Kaelum que funciona à distância? Talvez… Que tipo de organização coloca essas coisas em seus próprios membros e ainda os elimina assim?”

    Ele para por um instante, respira fundo e fecha os punhos, sentindo o peso de todas as respostas que ainda não tinha.

    — “Se essa primeira queda foi o massacre do Colégio Península, será que haverá mais? E o que significa aquela última palavra incompleta que ele ia dizer? Lu…?”

    Kael range os dentes diante de tantas perguntas sem resposta.

    — “Não tem o que fazer. Agora que ele morreu, não adianta ficar pensando demais nisso.”

    Ele parou por um instante, soltou um longo suspiro e, logo depois, voltou a encarar a porta, murmurando:

    — Aguenta firme, Louie e Emi. Eu juro que vou salvar vocês. Não importa como.


    Um pouco antes de Nina ser resgatada por Lila…

    Em outro prédio — nem o de Louie, nem o de Nina — Sethros observava várias telas de vigilância espalhadas à sua frente.

    Numa delas, Louie estava preso numa cela escura, filmado por uma microcâmera escondida.

    Em outra, Nina aparecia sentada no chão de uma cela simples, distraída, dobrando e soltando um aviãozinho de papel.

    E em mais uma, Emi estava acorrentada a uma barra de ferro, imóvel, com o olhar perdido.

    Sethros estava sentado de forma desleixada, mexendo em uma espécie de comunicador. Girava os botões e batucava os dedos calmamente sobre a mesa, como se estivesse marcando o ritmo de uma música qualquer.

    A voz metálica ecoou do aparelho, travada, quase irreconhecível:

    — Sethros… não era pra ter capturado o Louie ainda. E Áurea já está procurando eles.

    Uma breve interferência chiou antes da continuação:

    — Já está tudo organizado para onde será a segunda queda. Tua missão era só resgatar a casca perdida, aquela com que a gente tinha perdido contato.

    A voz que vinha do aparelho era metálica e estranha, impossível dizer se era de homem ou de mulher.

    Sethros sorriu, encostando-se na cadeira como uma criança mimada:

    — Ah, mas seria muito chato só recuperar ela!

    Ele riu sozinho, balançando o corpo na cadeira.

    — Relaxa… vou só brincar um pouco de caça ao tesouro com o pessoal de Áurea e depois levo a segunda casca para a base principal.

    Seus olhos passaram pelas telas, analisando cada detalhe.

    — Até separei eles em três prédios diferentes só pra deixar a caçada ao tesouro mais divertida.

    Soltou uma breve risada.

    — Eu quero entender o motivo de “ele” ter gostado tanto dessa casca ao ponto de mudar todos os planos só para ficar com ela.

    O comunicador respondeu, apressado:

    — Tem coisas que nós, meros mortais inferiores, não conseguiremos entender, então talvez valha mais a pena desistir de entender as decisões de um ser superior.

    — Tá, tá, eu sei… — Retruca Sethros — mas não há com o que se preocupar. Mesmo que meu pequeno joguinho desse errado e, no pior dos casos, a segunda casca entrasse em custódia de Áurea assim como Louie, isso não mudaria nada no plano; afinal, ela seria inútil até que a segunda queda fosse realizada e o motor fosse abastecido.

    — Realmente, não vejo um problema nisso, mas, mesmo assim, tome cuidado. Lila é uma das melhores investigadoras que existem. E Kael… talvez nem você consiga enfrentá-lo em um combate direto.

    Sethros se recostou, cruzando os braços:

    — Certo, certo. Vou só brincar um pouco e depois volto.

    — Não alterando o plano original, faça o que quiser. — O comunicador chiou novamente. — Mas me fale melhor sobre a segunda casca.

    Sethros olhou para a menina de olhos roxos intensos e cabelos negros como carvão, imóvel sob o manto escuro.

    — Eu a encontrei. Agora já está em nosso controle novamente.

    Ele fez uma breve pausa antes de continuar:

    — Mas algo inesperado aconteceu. Depois do sacrifício sangrento, ela aparentemente perdeu toda sua memória — assim como Louie.

    Sethros estreitou os olhos.

    — Eles foram os únicos entre as Cascas a esquecer tudo, não apenas o massacre. Então coloquei ela no efeito da minha “Dominância Mental”.

    — Entendi… O Louie eu até compreendo a perda de memória, mas por que ela também?

    — Talvez… — disse Sethros, soltando um leve suspiro enquanto olhava para ela — seja por causa do caído que habita dentro dela.

    Ele inclinou levemente a cabeça:

    — Ela era, dentre todas as Cascas, a mais compatível. Então pode ser um efeito colateral por ter se fundido mais do que as outras, mesmo o sacrifício sendo incompleto nela.

    O comunicador chiou novamente, transmitindo a voz:

    — É uma possibilidade. Inclusive, ela não estava na lista de sobreviventes divulgada pela mídia. Foi dada como morta?

    — Sim… — Sethros desviou o olhar para a menina, ainda estática como um robô.

    O chiado retornou com outra mensagem:

    — Melhor que continuem acreditando nisso. Forneus já está tendo trabalho suficiente para forjar famílias para cada uma das outras Cascas, só para encobrir origens e desaparecimentos após o massacre.

    — Ecaaa, me dá agonia só de ouvir o nome desse maníaco do Forneus.

    — Já mandamos vocês pararem com essa rixa de vocês. Fora que tu não é muito melhor que ele, não. — respondeu o comunicador.

    Sethros passou de uma expressão de nojo para puro desgosto a cada palavra dita.

    — Não me compare com aquele desgraçado. — disse Sethros, levando a mão à testa. — Ahhhh, que saco. Até perdi a vontade de falar. Obrigado por essa infelicidade… Apóstolo de Mammon.

    — Não precisa agradecer… — respondeu a voz metálica, sarcástica.

    — Bom, deixando essa merda que tu falou de lado, esse é meu relatório até o momento… Se não tem mais nada pra falar, ja vou desligar…

    E, por uma última vez, o comunicador chiou.

    — Certo, certo. Não se esqueça de não passar dos limites e… aproveite sua diversão, pois, após ela, vamos ficar um bom tempo parados.

    — Pode ter certeza de que vou aproveitar cada segundo… — murmurou Sethros, com um sorriso dissimulado, olhando as imagens de Nina e Emi nas telas.


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    CURIOSIDADE 1:

    Louie tem pavor de avestruz.

    E não é só um medo não, é pavor mesmo.

    Tudo começou quando a Emi levou ele e a Nina pro zoológico. Tava tudo tranquilo… até que Louie sendo curioso, chegou perto demais da cerca dos avestruzes, acabou tropeçando e indo parar direto na jaula dessas lindas aves não voadoraa.

    Como resultado, Louie correu desesperado do bicho que ia atrás dele como se tivesse algum problema pessoal com ele, é só depois de muito tempo consegue pular de novo a cerca.

    Desde esse dia, só de ouvir a palavra “avestruz” ou imaginar um, ele se arrepia todo.

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    CURIOSIDADE 2:

    Quando Louie foi capturado e “interrogado” por Sethros, estava com uma dor de cabeça tão forte que não conseguiu ouvir direito o nome dele.

    E foi aí que nasceu a confusão, com Louie acreditando fielmente que o nome de Sethros é, na verdade, “Seprus”.

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    CURIOSIDADE 3:

    Devido à perda de memórias, Louie, mesmo tendo idade, corpo e certa mentalidade de um adolescente, pode mudar de emoção muito rápido. É como uma criança que passa do choro para a risada em questão de segundos.

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