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Capítulo 160 — A Lâmina do Trovão
O som das fábricas não cessava nunca. Mesmo de madrugada, o vapor subia dos dutos e tingia a névoa com o brilho arroxeado das lâmpadas de néon.
Em meio ao barulho constante, um zumbido diferente ecoou: agudo e crescente.
Alguns trabalhadores nas docas olharam para o alto, tentando entender o que era.
O clarão veio logo depois, e a Cidade de Ferro tremeu sob o trovão.
Um estrondo anunciou para todos nas proximidades que um combate havia se iniciado dentro da terceira muralha de Ossuia.
Celina avançou contra Oberinus, rápida, precisa, mas ainda assim, com a limitação de um corpo sem magia.
Oberinus achou aquilo nada mais do que engraçado. Como poderia, uma simples Órfão da magia ter chegado a pisar no mesmo solo que ele naquela dinastia meritocrática baseada em poder? Isso beirava ao desrespeito.
Com agilidade e rapidez sobre humana ele girou a lança entre os dedos e com um movimento gracioso e leve levou sua lança negra rúnica, seu ARGUEM, de encontro com a espada de raios, o ARGENTEC, de Celina.
Um zumbido ecoou no ar, e Oberinus sentiu seu corpo, mesmo sendo mais forte e abençoado pela mana, recuar um passo contra o impacto.
Celina, por sua vez, acostumada com o corpo e situações de combate contra usuários de mana, aproveitou a força do impacto para projetar seu corpo para cima, girando e golpeando, sua lâmina mirando o pescoço de Oberinus.
O soldado prontamente se defendeu e contra-atacou com uma estocada antes de Celina tocar o chão.
Foi então que ele percebeu na sola dos sapatos da procurada, dois círculos que começaram a brilhar e a queimar com propulsão, a desviando no ar e golpeando o flanco desprotegido de Oberinus, mirando seu ombro direito.
Foi então que o semblante de um touro se ergueu grandioso a frente da lâmina de raios de Celina.
O escudo de Dionísio interceptou seu ataque sem muitas dificuldades.
— O que é isso? Um prodígio que pode alcançar o conselho precisando de ajuda contra alguém que nem tem magia? — Falou Celina recuando um passo após ter seu ataque anulado.
— O QUE ESTÁ FAZENDO SENHOR DIONÍSIO?! — O soldado parecia ter se irritado com a intromissão.
— Esse golpe dela deceparia seu braço como se fosse manteiga sendo cortada por uma faca quente. Senhor. — Dionísio explicou. — Já te falei várias vezes. Se uma pessoa está nesta muralha ela tem de ser levada a sério, seja portador de ARGUEM ou Órfão.
Oberinus respirou fundo se contendo, embora uma veia tivesse soldtado de sua testa sobre o elmo vermelho em sua cabeça.
— Tudo bem — disse por fim, baixando a lança. — Vamos levar isso a sério, então.
Uma onda de mana percorreu a Cidade de Ferro, mesmo que, Celina não pudesse senti-la, ela sabia que a postura de Oberinus havia mudado.
As luzes de néon próximas piscaram, uma a uma, até o roxo metálico da rua ceder lugar a um brilho esbranquiçado que emanava da lança do tenente.
O símbolo rúnico em sua superfície girava, as linhas prateadas se expandindo como se o metal respirasse.
— Tema o poder que você jamais possuirá, não importa suas gambiarras. Conheça meu ARGUEM, minha lança … — murmurou Oberinus, a voz vibrando como se viesse de dentro da própria arma. — Que o peso da tua alma determine o meu golpe.
Celina ajustou o cilindro na mão, o ARGENTEC chiando com faíscas amarelas e azuis.
As propulsões de seus calçados reacenderam, lançando fagulhas no asfalto molhado.
Oberinus moveu-se primeiro.
Não um avanço comum, mas um rasgo. O espaço entre eles pareceu se comprimir, e Celina mal teve tempo de cruzar a lâmina diante do corpo.
O impacto a lançou contra o portão de ferro da taverna, que cedeu com um estrondo, dobrando-se como se fosse papel.
Ela tossiu, o som abafado por fumaça e vapor. Sua visão via as mesas e cadeiras do salão, enquanto varriam tudo a seu redor para localizar o soldado.
Oberinus estava vindo de cima. As runas da lança brilhavam em tons diferentes a cada segundo, como se calculassem algo invisível.
Oberinus girou a arma em punho e a fincou no chão, o metal rachou sob seus pés, e o ar ficou pesado, como se cada molécula que ali se encontrava em sua presença tivesse dobrado de massa.
Celina tentou se mover e sentiu o corpo pesar.
Seu joelho afundou um pouco, as juntas travando como se o mundo inteiro a empurrasse para o chão.
— A Lança pesa tua alma, — disse Oberinus calmamente, — e decide se mereces permanecer de pé diante de mim, baseado no meu ego.
Celina apertou os dentes, fazendo força para se manter de pé.
— Que excêntrico, nada adequado para um nobre soldado.
Com um giro de pulso, ela girou uma válvula nos sapatos e concentrou energia nos propulsores, o brilho amarelado se expandindo em círculos concentrados.
O chão se partiu quando ela saltou, rompendo a pressão e deixando um rastro de poeira e fumaça.
— Impossível! É necessária uma força de nível mágica para conseguir se mover nessas condições!
A lâmina de trovão desceu em diagonal, cortando o ar como um relâmpago contido e quando o golpe encontrou a lança, o clarão fez o néon das ruas apagar de vez.
— Deixa eu ver se entendi… — Celina falou encarando Oberinus enquanto forçava sua espada de raios que zumbia contra a lança rúnica. — Seu ARGUEM aplica a força na qual você acredita ser necessária para derrotar o oponente? E como achou que eu era só mais um Órfão que fez seu nome através de tecnologia, achou que precisaria só disso para vencer meu ARGENTEC? Se for o caso, seu ego é sem dúvidas a coisa mais inútil que vi até hoje na minha vida.
— Não fique tão confiante, isso só mostra que é necessária mais força para te neutralizar. E isso eu tenho de sobra.
— Não se preocupe, não te darei essa chance.
As armas se separaram, e por um breve instante, o ar pareceu parar. Depois, ambos desapareceram.
Oberinus reapareceu primeiro, um salto preciso, sua lança projetando um golpe gravitacional que distorcia o chão. Celina girou no ar e desapareceu num clarão de eletricidade.
— O quê?! — exclamou o tenente.
Mesmo Dionísio, o veterano com escudo de prata, mal acompanhou o movimento. Seus olhos captaram apenas um rastro amarelo serpenteando como um raio atrás de Oberinus.
— CUIDADO, OBERINUS! — berrou Dionísio, avançando com o escudo erguido. Seu ARGUEM se acendeu em prata, pronto para receber o impacto.
Mas Celina surgiu girando o corpo em um arco impossível, contornando o escudo num mortal lateral. Sua lâmina traçou uma curva brilhante e o corte partiu a armadura de Oberinus ao meio.
O clarão apagou tudo por um instante.
Quando a luz se dissipou, Oberinus estava de joelhos, a lança caída ao lado, o olhar vazio.
— Mas… o que? — murmurou, incrédulo.
— Você disse que era blasfêmia eu me chamar de ThunderBlade, não é?
Oberinus se ajoelhou no chão deixando sua lança cair no chão ao seu lado.
— Dizem isso porque era um dos vários títulos na língua antiga que Helisyx um dia carregou. — A mulher respondeu. — Sabe o que significa?
— A Lâmina do Trovão. — Ross concluiu se aproximando.
Dionísio ergueu o escudo, preparado para reagir.
Mas Ross não avançou. Apenas guardou a espada, o olhar fixo no corpo caído de Oberinus.
Celina o observou com atenção, a expressão impassível. Mesmo sem sentir mana, havia algo na postura dele, algo silencioso, contido, que lhe dizia que o homem não se aproximava com hostilidade.
— O que está fazendo, Ross?! — vociferou Dionísio. — Afaste-se! Esse ferimento é fatal, não há mais nada a ser feito!
— Eu sei. — A voz de Ross era calma, quase lamentosa, enquanto se ajoelhava ao lado do tenente. O reflexo pálido das luzes de néon delineava o rosto dele. — Que estúpido… bastava reconhecer que ela valia metade da força que ele acreditava ter. A lança teria poupado sua vida.
Ele olhou de relance para Celina.
— Um fim humilhante.
Celina arqueou uma sobrancelha.
— Humilhante porque sou uma Órfã da magia?
Ross negou com um breve movimento de cabeça.
— Humilhante porque, se ele tivesse enxergado quem realmente era o mais forte aqui… talvez tivesse vencido. A lança respondia ao ego de seu portador e o ego dele era cego. Um ARGUEM desperdiçado, você não acha?
O silêncio se estendeu entre eles, pesado. O vapor das chaminés ao redor fazia o ar vibrar.
Celina estreitou o olhar, como quem começava a entender as entrelinhas.
— Você sabe qual é o valor de uma verdade? — Ela perguntou como alguém que pergunta esperando uma resposta exata.
Dionísio franziu o cenho, sem compreender, mas Ross pareceu entender exatamente o que ela quis dizer. Seus olhos escureceram.
— Uma verdade… ainda mais cruel.
Celina sorriu de canto, e naquele instante, Ross moveu-se.
O som da lâmina cortando o ar foi quase inaudível.
— Corte Fantasma!
O ar estalou. Um traço invisível percorreu a distância entre Ross e Dionísio.
O escudo ergueu-se por reflexo, o impacto ecoou como um trovão abafado.
— O que significa isso?! — gritou Dionísio, recuando.
Mas antes que pudesse virar o corpo, o trovão soou novamente. Mais próximo, mais agudo.
Celina estava atrás dele.
Sua lâmina atravessou o centro de sua armadura, o clarão refletido nas pupilas do homem.
— Não se preocupe… — disse ela em voz baixa, retirando a espada. — Você ainda será útil… contra os verdadeiros inimigos.
O corpo caiu pesadamente, e o zumbido de metal da Cidade de Ferro retornou, como se o mundo retomasse o fôlego.
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