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Capítulo 83 - Adaptação
[ 4 de maio de 1922, Campo de Treinamento 1, 18:30h ]
— QUE LINDA VISÃO! QUATORZE CORPOS PERFILADOS SOB UMA CHUVA DE BLOCOS DE TERRA! HAAAHAHAHAAA…!!! Um belo castigo em forma de ensinamento para o último treino do dia, não é mesmo, Miyazaki?
— Tradicional, eu diria — respondeu Miya, impressionada com a obra de Yura.
O instrutor havia moldado o solo em uma montanha falsa que despejava toneladas de terra compacta num fluxo constante semelhante a uma imensa cascata, levantando poeira e gerando um barulho sufocante e contínuo.
Com suas respectivas técnicas, os alunos enfrentavam a enxurrada de blocos terrosos e quebradiços que sujavam os uniformes:
Desesperados, Sho e Aruni protegiam a cabeça; de pé, Nihara, Aya, Minoru e Kinyoku ignoravam os blocos que caíam de cima; em lótus, Kyoko, Mayumi e Hikaru buscavam o foco; tremendo de irritação, Teruo e Rin contavam os segundos para que aquele tormento chegasse ao fim; já Kentaro limitava-se a risos zombeteiras perante a desgraça alheia.
Mas entre os impactos da terra, alguém testava aprendizados.
Akemi, apesar das expressões de esforço, suportava a queda utilizando a posição do cavalo. À sua esquerda, Nikko balançava de leve com as mãos unidas atrás; o incômodo silencioso com a sujeira que se acumulava sobre a pele testava sua tolerância, entretanto, não havia dano físico nela, e aparentemente, o mesmo ocorria com Kentaro à direita.
Nikko queria conversar. — Sabe por quê a Miya não treina conosco? Ela fica de papo com o major como se também fosse uma instrutora, mas o que exatamente eles estão conversando?
Suportando a dor, Akemi respondia: — Sobre eles estarem conversando… eu não sei. Mas Miya não treina por cortesia do Yura, como se ele… venerasse a linhagem dela… Agh! — Um bloco de terra esfarelou-se em sua cabeça, o peso esmagador para um corpo áurico recém treinado levavam suas pernas ao desgaste.
Nikko notou a dificuldade do amigo, e incisiva, orientou: — Ei! Cuidado, você está usando só força bruta, isso tá te desconcentrando. Lembre-se do que falei, deixe a energia fluir, distribua o peso pelo corpo inteiro. Se concentrar só nas pernas, vai desabar.
O foco sob porradas sucessivas na cabeça e a poeira que dificultava a respiração certamente exigia mais do que força de vontade. A energia áurica consumida por completo nos treinos do dojo no dia anterior cobrava seu preço. Contudo, entre o cansaço e a dor, um caminho se desenhava para que aquela situação fosse contornada.
“Meu corpo está se esquentando, então, deve haver alguma energia tentando me alimentar. Talvez essa seja uma boa oportunidade pra testar minha aura sob efeito de uma energia do mundo real, assim como Masaru me pediu”, Akemi forçou a mente para que encontrasse uma solução. “A terra caindo gera impacto. Impacto gera… energia cinética! Que ao ser absorvida pelo meu corpo, gera calor, assim, esse calor me dá energia!”
Akemi canalizou os impulsos, alimentando a própria aura com o redirecionamento da energia cinética recebida a cada choque da terra.
Repentinamente, faíscas surgiram dos pés: pequenos relâmpagos amarelos que velozmente percorreram as pernas, quadril, costas e ombros, seguindo esse trajeto continuamente.
Contraído pela pressão extrema gerando pequenos impulsos elétricos naturais, Akemi era literalmente carregado pela cascata.
O desafio foi convertido em energia utilizável.
Vendo as faíscas, Nikko sorria. — Muito bem! Agora você entendeu.
Kentaro também aprovou. — Haha, você aguenta mais do que aparenta, cara. Ou vai me dizer que só está indo bem porque esse desafio é tão fácil quanto cair no sono!?
A maioria da turma duraria horas naquela cascata, contudo, uma pessoa estava disposta pela destruição do feito.
Como um vulto, Yura parou diante de Akemi, encarando-o no fundo da alma. — Olha só! O senhor ainda está de pé? Explêndido…! APOSTO QUE VAI DESISTIR EM SEGUNDOS A PARTIR DE AGOOORAAA!!!
Todos já sabiam o que viria.
— Desista, Zero Um — pediu Yura, voltando à sua vozinha nada convincente.
— Eu não vou desistir, senhor!
— O quêêê? Eu não ouvi direito — ironizou o militar.
— NÃO IMPORTA O QUANTO TENTE! NUNCA VOU DESISTIR!
O assunto pareceu pessoal.
— EXCELEEENTE!!! — Yura bateu uma palma. A cascata dobrou de intensidade.
Aruni desabou primeiro, gritando. Teruo caiu logo em seguida, sufocado.
— HAAAHAHAHAHAAA!!! MUITO BEM! ENQUANTO O ZERO UM NÃO DESISTIR, ESSA CASCATA FICARÁ CADA VEZ PIOR!
Akemi mantinha-se, intensificando suas faíscas juntamente da pressão da terra.
O instrutor aproximou novamente o rosto. — Vamos nessa de novo, Zero Um… DESIIISSSTAAAA!!!
— NUNCAAA! — Akemi tremia violentamente, seu sangue escorria pelo nariz. Mas a postura estava longe do fim.
— PERFEITO! — Palmas novamente. A cascata triplicou.
Sho caiu de bruços, soterrado, restando assim apenas os mais fortes fisicamente1.
Já Akemi, lutava para que um dia se colocasse ao lado deles, e por razões além do exercício, Yura o tomava como alvo: extraindo tremores, forçando sangramentos, desorganizando a respiração, sempre procurando todas as falhas possíveis. Ainda assim, nada era suficiente para que derrubasse o aluno — um detalhe que falava alto, muito mais do que qualquer exibição de força bruta.
O major percebia. “Negativo, este jovem nunca fora um peso morto ou um erro da turma.” A maioria apenas aproveitava do corpo fisicamente calejado; Akemi, transformava o próprio limite em ferramenta, e era exatamente ali em que se enxergava valor. “Corpos fortes quebram quando a força se esgota… mas corpos que convertem dor em recurso, atravessam guerras, eras e sistemas inteiros”, refletiu o instrutor, sorrindo contidamente.
A implicação não era somente para que um jovem fraco à primeira vista fugisse da academia, e sim, superasse além dela.
— OUÇA, ZERO UM! MINHAS ORDENS SERVIRÃO COMO LÂMINAS! E COM ELAS, RASPAREI SUAS CAMADAS PODRES ATÉ QUE ALCANCEMOS ESSE NÚCLEO QUE GUARDAS! SE RESISTIR SOB A TERRA, EXAUSTÃO E MEDO, RESISTIRÁS A QUALQUER FUTURO QUE O MUNDO ÁURICO DESPEJAR SOBRE TI! MAS PARA ISSO… TERÁS DE CHORAR SAAANGUE!!! — Mãos aos céus, e de bruscamente, toda a força da cascata convergiu para um único ponto.
Akemi desapareceu sob a enxurrada sem fim. Apenas o barulho da terra despencando era audível.
Três segundos. Cinco segundos. Dez segundos.
Nikko gritou. — Instrutor! Assim você mata ele!
Yura permaneceu imóvel.
Quinze segundos. Vinte segundos.
— É o bastante — uma voz feminina soou fria. Era Miya, que ao lado do instrutor, demonstrava sua serenidade diante de uma cena que não a agradava.
Yura sequer virou o rosto. Bastou uma palma, e a enxurrada acabou.
Quando a terra parou de cair, todos olharam o mesmo ponto.
Como se tivesse sobrevivido a uma explosão, Akemi mantinha a posição do cavalo. As faíscas já eram, mas a determinação seguia mais firme do que nunca.
Após uma análise minuciosa e duradoura, Yura virou-se com as mãos para trás e seguiu caminhando rente à turma. — ZERO QUATRO, ZERO CINCO, QUATORZE E QUINZE! Francamente, REPROVARAM DENOOOVO!!! MAL SABEM VOCÊS DO TERROR QUE LHES ESPEEERAM!!!
Em paz, Akemi finalmente desabou.
Nikko ajoelhou-se ao lado, tomada pela urgência. — Você tá bem!? — Todavia, antes que ajudasse de fato, uma claridade cruzou seu campo de visão: uma borboleta cintilante, batendo suas asas prateadas, refletiu a luz em tons delicados e arregalou os olhos da garota no mesmo instante. — Hãããn! Uma Blumera Albina! Que linda! Volta aqui! — Sem que pensasse duas vezes, a distraída rapidamente foi atrás do inseto reluzente.
Tosses empoeiradas e um sorriso franco foram a prova de vida.
Miya aproximou-se, oferecendo a mão. — Tornou-se insistente no embate, hein.
Akemi aceitou a mão, levantando-se cambaleante.
O orgulho alegrou ambos.
— Bom trabalho — elogiou Miya — mas agora, você terá de se recuperar o mais rápido possível — dado o aviso, ela se afastou.
Exausto, Akemi sabia que o dia estava longe do fim. Só lhe restava risos nervosos. “Haha, é claro que não acabou.”
[ Dojo, 21h30 ]
— Postura do arco — anunciou Miya, demonstrando a postura:
Perna direita adiantada com o joelho dobrado num ângulo reto; perna esquerda esticada para trás; torso ereto, braços estendidos à frente em posição de guarda.
Akemi a imitou.
— Essa postura representa avanço controlado — explicava Miya, circulando seu aluno — você projeta força para frente e mantém a estabilidade atrás. É ataque e defesa ao mesmo tempo — ela tocou o joelho dele, ajustando milimetricamente. — Se ultrapassar a linha do pé, você perde equilíbrio. Se a perna de trás dobrar, você perde potência.
Dez minutos foram suportados…
— Próxima! — Miya abaixou-se ao limite, dobrando uma perna completamente enquanto esticava a outra para o lado oposto. O movimento lembrava um agachamento lateral extremo, onde a guarda simulava a ferocidade de um leopardo. — Esta postura é útil para desvios baixos, esquivas rápidas e contra-ataques inesperados. Exige flexibilidade no quadril e força nas coxas.
Akemi tentou uma réplica: desceu… desceu… e parou a meio caminho. — A-agh! Não consigo descer mais…
— Coragem!
Uma forçada e a agonia se espalhou pelas coxas. Mais alguns centímetros abaixo foram alcançados, e então…
— Suficiente por hoje. Com o tempo, você alcança. Próxima postura — Miya cruzou as pernas fluidamente, posicionando um pé atrás do outro de forma que os joelhos quase se tocassem. — Postura cruzada, usada para transições rápidas, mudanças de direção e giros. Parece instável, mas quando dominada, é a postura mais versátil de todas.
Desequilibrado, Akemi cruzou as pernas.
— Devagar — corrigiu Miya — primeiro, encontre o centro, depois, cruze.
O rapaz levantou-se, respirou fundo, concentrou-se no ponto de equilíbrio, cruzou as pernas novamente, e manteve-se.
O sorriso discreto da garota valeu mais que mil palavras. — Muito bem. Quando dominar todas estas posturas, iremos usá-las em movimento. Por hoje é só, irei para a minha cama. Fique à vontade para fazer suas tarefas, hihi.
Às 21h30, após o treino, Akemi retornou ao Salão de Fogo.
“Malditas tarefas…”
Reunido todos baldes, o jovem os encheu com a água da torneira que funcionava milagrosamente bem.
“Pronto, começaremos por ali!”
Seis cordas grossas, cobertas de poeira, teias e manchas escuras que pareciam mofo ou quiçá sangue antigo.
“Vamos lá.”
O primeiro balde foi jogado.
A água escorreu pelas fibras, levando um pouco da sujeira, o que nunca seria o suficiente. Era preciso erguê-las, esfregar, secar.
Akemi agarrou a primeira corda com ambas as mãos e tentou movê-la, grunindo. — Uuugh! Impossível ser tão pesada! Argh — ele soltou o peso — caramba, deve haver alguma forma.
Os treinos de resistência de peso com Yura foram lembrados.
“Tsc, posso ir além disso”, sem gritos ou cobranças imediatas, a mente ficava mais limpa. Ainda assim, as cordas adiante continuavam pesadas demais para um corpo magro. O limite físico prevalecia, ou seja, a resposta estaria em outro lugar: no extraordinário, no sobre-humano, na aura.
A eletricidade percorreu os braços em pequenos estalos. O calor subiu sob a pele. “Ainda bem que exercícios esquentam o meu corpo. Se eu aumentar a intensidade desses impulsos elétricos nos meus músculos, talvez eu consiga…” Por meio da eletricidade armazenada, o fluxo sanguíneo intensificado entregava mais energia mecânica. Só faltava o teste definitivo.
Com a eletricidade correndo continuamente e reforçando-se a cada contração, Akemi, num só puxão, colocou-se abaixo da primeira corda, sustentando o peso bruto acima das costas. O movimento repentino tirou o ar dos pulmões por um instante, e seria pior se Yura não o tivesse ensinado a maneira correta de como se efetua o levantamento de peso acima da cabeça. Embora a dificuldade, o corpo sustentou.
Em uma das aulas teóricas de Masaru pela manhã, foi ensinado que a energia química, armazenada principalmente na molécula de ATP (adenosina trifosfato), se entende pelo “combustível” direto para a contração das fibras musculares. “Ou seja, senhores, quando você levanta um objeto, corre ou até mesmo pisca, o ATP é quebrado para liberar a energia necessária para o movimento. Portanto, sim, ela serve diretamente para a força.”
“Uff, agora posso compreender melhor. Quando a energia química do corpo vira energia mecânica, o resultado é força! E a minha aura elétrica como condutor, só acelera e intensifica o processo… Uff… Mas eu tô morto, desse jeito meus ossos podem se partir a qualquer momento. Preciso acabar logo. Não posso exagerar na dose de energia áurica.”
Abaixo da mascada da calma, o suor dava sinais de esforço absurdo. O trabalho exigia a finalização mais rápida possível antes que o pior acontecesse.
O esfregão na mão livre limpava da parte de baixo das cordas de ponta a ponta, afastando toda a poeira. O balde molhava, o sabão purificava, e o pano secava.
O calor corporal gerado queimava, uma consequência inevitável por parte da energia extravasada. Faíscas saltavam pelo antebraço, acompanhando o ritmo da respiração. As cordas já não pareciam obstáculos impossíveis, eram só mais um sistema resistindo à vitória do trabalho duro.
Meia hora depois, a última corda caiu de volta.
“Todas limpas!” Não me imaginava com essa força. Meus músculos ainda doem, mas não é mais como antes… Posso seguir por mais!” afirmou Akemi, convicto de sua breve vitória.
Próximo desafio: o grande casco de tartaruga.
Akemi observava e analisava aquela forma. A ideia resultou-se na mesma.
Do solo, o jovem atirou a água do balde para dentro do casco, causando uma reação inesperada:
O casco inteiro girou, bambeando sobre a base como se fosse o objeto mais leve do mundo.
“Vamos começar pela parte de fora.”
A limpeza externa mostrou-se surpreendentemente prazerosa. Espalhada pelo esfregão, a água e o sabão levavam a poeira acumulada. Os movimentos repetitivos tornavam aquela parte do trabalho tranquila, a mais agradável de toda a sala.
“Olha só isso, é verde como jade! Consigo até ver o meu reflexo!”
Finalizado o serviço inicial, o problema real se destacou.
“Mas e agora? Como vou lavar a parte de dentro? Hmmm… Ah! Talvez isso possa funcionar!”
Palmas das mãos grudadas na estrutura esverdeada giraram o casco três vezes, inclinando a “cabeça” da tartaruga o suficiente para que servisse de apoio. A estrutura era relativamente leve, mas o material transmitia uma solidez resistente.
Na última girada, o balanço desceu a cabeça na altura ideal, e num salto rápido, o jovem se agarrou, puxou o próprio corpo e, recorrendo ao equilíbrio treinado no dojo, encontrou estabilidade sobre a superfície plana.
Dali, enxergava-se o interior.
Assim como a cabeça, outras quatro saliências planas formavam um padrão que lembrava patas. No centro, um buraco profundo.
“Definitivamente um teste de equilíbrio. Se eu mexer um músculo, tudo gira. Imagino que quem treinava aqui precisava ficar em pé enquanto o casco balançava e rodava… Bom, é o que eu acho.” Akemi voltou ao solo, encheu dez baldes de água, despejou tudo dentro do casco, e quando, com um esfregão em mãos, acessou o centro do objeto, percebeu que a água acumulou até a altura da canela.
A limpeza começou de dentro para fora, rodando o casco pouco a pouco enquanto a água era espalhada por todo o arredor.
Mantendo equilíbrio, o garoto se ajustava a cada inclinação causada pelos giros.
Totalmente limpo, o casco reluzia em verde.
Akemi sorriu, suspirando de exaustão. — Haaah, só faltarão os bonecos. Amanhã termino.
- Nihara, Minoru, Kinyoku, Mayumi, Hikaru, Kentaro e Nikko[↩]

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