Capítulo 653 - Yandou
Assim que o rapaz pálido pensou que a coisa o pegaria, Raul apareceu bem ao seu lado, com os dois braços abertos.
“Você é meu, grandalhão!” O sujeito moreno gritou, quando se agarrou ao bicho, como um carrapato, apertando-o.
“Graak!” O enorme sapo-gigante esbugalhou os olhos quando sentiu uma dor forte em seu torso esquerdo, então começou a se debater, tentando soltar-se do aperto.
Fernando deixou-se cair para trás, aproveitando-se do impulso anterior para cair de bunda no chão um pouco afastado dos dois, enquanto observava a cena bizarra à frente, de Raul erguendo o Sapo-Bronze para o alto, tirando-o completamente do chão, enquanto o segurava lateralmente, ao mesmo tempo que a coisa lutava violentamente para se libertar.
“Hahahaha! Não vai escapar!”
Vendo Raul rindo de forma bizarra, enquanto erguia o Sapo monstruoso, Fernando ficou boquiaberto e acabou relembrando de como Raul tinha matado uma Tenente em Mil Flores de uma forma similar, mostrando que seu título de Urso Tirânico não era à toa.
Swish! Boom!
De repente, após erguer o sapo, o Capitão moreno o arremessou com força contra o chão, deixando a coisa atordoada com o impacto.
“Ainda não!” Sem esperar que o sapo reagisse, o agarrou novamente, erguendo-o acima da cabeça, então mais uma vez jogou a coisa, que era tão grande quanto um boi, contra o chão, como se estivesse lidando com um saco de batatas.
Bam!
Na segunda vez, a criatura não reagiu, permanecendo imóvel.
Vendo isso, Fernando levantou-se, se aproximando com cautela, enquanto observava a cena. Lembrando-se da força e velocidade daquilo, seu coração ainda palpitava. Mesmo um Tenente como ele não seria nada além de um almoço para esse Sapo.
“Está morto?” perguntou.
“Não, apenas coloquei ele para dormir. Ninguém mata um Sapo-Bronze, exceto se não tiver outra alternativa. Soltando essa coisa você tem a chance de encontrar mais minérios no futuro.” O sujeito explicou, enquanto habilmente pressionava o joelho contra a cabeça da coisa, garantindo que não fugiria. Após isso olhou para suas mãos, cheias da lama negra vinda do fundo do pântano, que estava impregnada na pele da coisa. “Ruiva, se apresse, essa coisa tá fedendo!”
Lerona calmamente avançou, com um olhar apático no rosto. Em sua mão não estava sua lança, mas uma faca de tamanho médio.
“Qual a pressa? Assim você pode entender como me sinto quando você está por perto.” A Capitã falou, em tom de zombaria.
“Vai se ferrar, eu cheiro a suor e masculinidade!” Raul exclamou, indignado.
Ignorando as palavras do sujeito, Lerona olhou para Fernando.
“Me ajude com isso.”
Ouvindo o pedido, o rapaz pálido se apressou, ficando ao lado dela. Só então ele pôde ter uma visão clara das costas da enorme coisa.
Na parte de trás do sapo havia uma grande rocha presa, de diversas cores. Estava fixa ali, como se fosse uma espécie de tumor nascido de seu próprio corpo.
“Nada bom, parece que tem vários tipos de minérios, isso vai dificultar a venda.” Lerona disse, ao identificar algum bronze e prata misturados, bem como outros metais sem grande valor. Então, com a mão firme, aproximou-se com a faca. “Vou começar a cortar fora e você segura. Vamos ser rápidos, não quero ficar perto do Pântano Negro por muito tempo.”
Apesar de nunca ter feito isso, Fernando não hesitou quando colocou ambas as mãos no enorme emaranhado de minérios, segurando-o firmemente. Porém, assim que o fez, pôde sentir de perto um forte odor de podre, vindo da lama negra no sapo. Isso o fez virar o rosto por um instante, mas aguentou firme.
Logo a faca na mão da mulher fincou-se entre a pele da criatura e o minério, o que a fez o enorme sapo tremer, mesmo inconsciente. Sem qualquer piedade, Lerona continuou cortando, fazendo o sangue da coisa derramar-se, conforme o minério era desgrudado da pele.
Quando a última parte colada finalmente foi separada, Fernando puxou a enorme peça de minérios, com quase um metro, de uma única vez.
“Afastem-se!” Raul gritou, quando tirou o joelho de cima da cabeça da coisa.
Apesar de não entender, Fernando fez como foi dito, indo para uma distância segura, a Capitã ao lado fez o mesmo.
Logo, o enorme sapo, que parecia inconsciente, tremeu-se por inteiro, quando saltou de uma única vez.
Splash!
A coisa afundou no Pantano Negro, desaparecendo nas profundezas.
“Estava fingindo?” O jovem Tenente perguntou, surpreso com a inteligência do monstro.
“Sapos Bronze já estão acostumados a terem seus minérios removidos, então ele sabia que eventualmente seria solto. Estava apenas esperando a oportunidade.” Lerona explicou.
Raul logo se aproximou, olhando a enorme peça de minérios.
“Que porcaria, parece que não demos sorte dessa vez. Não parece ter nenhuma parte de ouro nisso.” falou, analisando o material, parecendo um pouco decepcionado. “Que seja, pelo menos deve render algumas moedas de prata, isso já faz o esforço valer a pena!”
Após coletarem o minério na Pulseira de Armazenamento de Raul, os três se afastaram do Pantano Negro e se lavaram com água armazenada em suas Pulseiras de Armazenamento.
Que droga é essa? Fernando pensou, ao lavar suas mãos com uma jarra de água e sabão e ver que o cheiro horrendo não saia de forma alguma.
“Aqui, moleque. Passa isso.” Raul falou, ao jogar um frasco, contendo um estranho líquido amarelo. “Não vai tirar totalmente o cheiro, mas deve amenizar.”
O jovem Tenente pegou o item, então derramou em suas mãos, esfregando com água, então sentiu o forte odor de podre diminuir.
“Está funcionando. O que é isso?” perguntou, olhando para o frasco.
“Mijo de Bulai.” O sujeito respondeu, com um sorriso. “É ótimo para tirar odores fortes ou mascarar seu cheiro.”
“…”
Algum tempo depois, o trio percorreu todo o caminho do Pântano Negro e quando chegaram ao topo de uma colina, finalmente puderam ver uma cidade ao longe.
“Finalmente chegamos, esta é Yandou!” Raul declarou.
Vendo a enorme cidade, Fernando tinha uma expressão estranha.
“Afinal, o que tem de tão especial nesse lugar, para termos que vir tão longe?” perguntou.
“Não é o que tem nesse lugar, moleque, mas o que não tem.” respondeu, com um leve sorriso.
“Está falando do controle das Legiões, não é?” Lerona deduziu, com uma leve carranca.
“Hahaha! Exatamente! Diferente de outras cidades, Yandou não é controlada por uma Legião, mas por uma associação de Guildas Mercantes.”
Ouvindo isso, Fernando ficou em dúvida.
“Mas o que muda nisso?”
Lerona e Raul olharam para o rapaz com olhares estranhos.
Como alguém que só esteve em cidades comandadas por Legiões, o jovem Tenente desconhecia a situação de outros locais.
“Você vai ver por si mesmo.” O sujeito moreno falou, sem dar grandes detalhes. “Vamos andando, precisamos seguir para o norte, lá pegaremos a rota mais longe para a cidade. Se tentarmos entrar diretamente pelo portão Sul, isso levantaria muitas suspeitas, então vamos pelo portão Oeste. Ah, e tirem suas armaduras e insígnias, será melhor se não souberem de onde somos nem nossa força.”
Após todos mudarem para armaduras comuns, de couro para não atraírem a atenção de algum saqueador, sem qualquer brasão ou insígnia, seguiram em frente.
Em pouco tempo o trio chegou à rota principal do leste e por coincidência, se depararam com uma pequena caravana à frente, com cerca de vinte homens fazendo a proteção e um pequeno grupo ao centro.
Os guardas da caravana logo notaram a presença do trio, mas não se aproximaram ou tentaram qualquer contato, apenas mantiveram alguma cautela e distância. Alguns até mesmo demonstraram alguma hostilidade, sacando espadas e arcos.
“Qual o problema deles?” Fernando perguntou, com uma leve carranca.
“Devem achar que somos saqueadores.” Raul explicou, de forma despreocupada. “Saquear caravanas é algo bem comum na zona divergente e é extremamente lucrativo. Eles também tem motivos para desconfiar de nós, afinal, apenas três pessoas cruzando uma rota comercial é algo realmente estranho. E olhe bem, a formação deles parece estranha e alguns têm armaduras danificadas. Provavelmente já foram atacados antes, então estão em alerta.”
Ouvindo isso, o rapaz finalmente entendeu. Olhando com mais atenção, realmente notou os danos e sangue nas armaduras de muitos dos guardas.
Lerona olhou de forma estranha para Raul, parecendo surpresa pelo sujeito conseguir notar esse tipo de coisa tão facilmente. Mesmo ela, uma Capitã bem treinada, demoraria para perceber esses tipos de detalhes.
“Vamos manter alguma distância. Estamos perto da cidade, se não mexermos com eles, não devem fazer nada.” O Capitão disse para os dois.
Ambos os grupos andaram em direção à Yandou, enquanto se observavam mutuamente. Em meio ao grupo comercial, uma garota, de cabelos azuis-escuros, semi cobertos por um manto, não pôde evitar dar algumas espiadas para trás, parecendo interessada.
“S-senhorita, não encare demais, não queremos mais problemas.” Uma mulher, com um manto branco, apressadamente falou, ao lado.
“Magnólia, você se preocupa demais. Olhe direito, eles nem são de uma Legião e se forem saqueadores, são muito burros de esperarem até estarmos tão perto da cidade para atacar.”
A mulher de meia-idade tinha uma expressão estranha.
“Jovem senhorita, você é muito nova e não entende algumas coisas. Mesmo que estejamos próximos da cidade, aqui é uma cidade neutra. As tropas de Yandou não se envolvem em conflitos fora da cidade. Se formos emboscados aqui, ninguém virá nos ajudar.”
Ouvindo isso, compreensão se mostrou nos olhos azuis da garota, mas, apesar disso, ela não parecia preocupada.
“Se isso acontecer, só precisamos acabar com todos eles.” respondeu, cheia de confiança.
Vendo a atitude inflexível da menina, a mulher chamada Magnólia suspirou, parecendo desistir de explicar mais alguma coisa para ela.
Os dois grupos seguiram próximos, mas sempre mantendo alguma distância segura entre si.
De repente, Fernando ouviu barulho de água trazida pelo vento, assim como sentiu um cheiro de umidade no ar, quando notou um pequeno corpo d’água distante ao norte. Parecia ser algum tipo de lago, sua água cristalina reluzia sob a luz do sol, emitindo uma visão esplendida.
Vendo aquela visão incrível, o rapaz sentiu-se maravilhado. Cheirando suas mãos percebeu que ainda estava com algum mau cheiro persistente, então pensou em algo.
“Poderíamos aproveitar para tomar um banho ali.” disse, apontando para longe.
Lerona e Raul olharam para o enorme lago longínquo, então voltaram seus olhares para o rapaz pálido, com um pouco de medo da ignorância dele.
“Moleque, você tem merda na cabeça?! Eu sei que você não entende muito desse mundo, já que só chegou aqui há pouco tempo e sequer chegou a completar o segundo mês do seu treinamento padrão, mas você deveria ter um senso comum um pouco melhor.” O Capitão moreno falou, parecendo aborrecido. “Droga! De repente estou com a sensação de que você vai morrer algum dia de uma forma idiota…”
“O quê? Por quê?” Fernando perguntou, levantando uma sobrancelha.
Essa era a primeira vez que ele via um lago em Avalon. Lembrando-se dos seus tempos na Terra, quando ele e seu irmão pequeno, Fausto, costumavam nadar nos rios e pequenos lagos usados para a irrigação de sua cidade e nas plantações das fazendas, sentiu alguma nostalgia persistente do seu passado.
“Tenente… esqueça isso.” Lerona falou, suspirando. Mesmo ela, quando chegou em Avalon aos seus dezesseis anos, não era tão sem noção quanto o rapaz. “Aquele é um corpo d’água natural, não foi construído pela cidade.”
O jovem Tenente parecia confuso, não entendendo quão a lógica envolvida.
“E que diferença faz?”
“Se fosse feito por pessoas, elas nunca fariam tão fundo e com certeza haveria matrizes em volta protegendo o lugar, para nenhum ser estranho se instalar lá. Lagos, rios, pântanos, manguezais e mares geralmente são áreas proibidas para Humanos. Você nunca sabe o que espreita no fundo da água.”
“Qualquer coisa mais funda que o joelho, é morte certa.” Raul complementou, ao lado. “Pense bem, se já existem tantas coisas perigosas em terra e é tão difícil sobreviver, o que dirá de lutar com algo na água, em seu habitat natural?
Ouvindo isso, a expressão de Fernando mudou, não imaginando que havia algo assim. Mas ao pensar em algo o puxando para o fundo enquanto nadava, sentiu um certo calafrio na espinha.
Na Terra, não havia tantos predadores aquáticos que representavam um perigo aos Humanos, mas em Avalon, onde havia todo tipo de monstro em cada pedacinho desse lugar, era óbvio que na água não seria diferente. Na verdade, era até pior, já que mesmo na Terra, a água era o local com maior concentração de biodiversidade do planeta. Isso o fez perceber o quão idiota estava sendo.
O rapaz também percebeu que no caminho de Garância até ali, não havia visto grandes corpos d´água, apenas pequenos riachos que usaram para se lavar, o que indicava que Raul havia propositalmente evitado esse tipo de lugar.
Mesmo assim, como as cidades fazem para manter a canalização e abastecimento? pensou, ao perceber que nem em Vento Amarelo, Garância, Belai e muitas outras cidades ele havia visto qualquer lago, ou rio próximo.
Apesar da dúvida em sua mente, teve que deixar os pensamentos de lado.
Logo puderam avistar as muralhas da enorme cidade, bem como seus portões.
“A partir daqui, vocês dois não falam nada, deixa que eu lido com tudo.” Raul alertou, com uma expressão séria.
Fernando e Lerona apenas assentiram, já que o sujeito parecia ter seus motivos.
Um pequeno grupo de Soldados saiu da cidade, a caravana a frente foi a primeira a ser inspecionada. Algumas pessoas saíram para conversar com eles e após isso foram rapidamente liberados, quando os enormes portões foram abertos.
Raul deliberadamente os fez ficar a uma certa distância da caravana, para mostrar que ambos não faziam parte do mesmo grupo.
Meia dúzia de guardas logo se aproximou, cercando o trio. Um homem alto, de bigode escuro e uma espécie de elmo que cobria o topo da cabeça parecia estar na liderança.
“O que querem em Yandou? Qual o seu objetivo aqui?”
Raul logo deu um passo a frente, colocando um sorriso no rosto.
“Só viemos para visitar a cidade a negócios, ficaremos poucos dias.” declarou, de forma educada e respeitosa, parecendo muito diferente do seu habitual. Ao ponto que Fernando e Lerona se entreolharam, parecendo surpresos.
O sujeito olhou de forma desconfiada para eles, principalmente ao não verem qualquer brasão em suas armaduras ou indicação de afiliação.
“A qual organização pertencem?”
“Isso importa?” Raul falou, de forma despreocupada. O que fez o sujeito apertar os olhos em desconfiança. Mas logo seu olhar recaiu sobre Lerona, quando sorriu ao ver o corpo da mulher.
“E você, garota, qual seu nome?” falou, enquanto seus olhos recaiam sobre os seios fartos dela. Mesmo com a armadura de couro, o volume não poderia ser escondido.
Vendo isso, o Capitão moreno logo entrou na frente, ficando entre Lerona e o guarda.
“Nomes? Quem precisa de nomes hoje dia? Há coisas muito mais atrativas, certo?”, falou, abrindo as mãos, então se aproximou do sujeito de bigode, quando moveu o pulso, tirando algumas moedas de prata, ofertando a ele. “Viemos aqui para negócios, apenas isso. Se é que me entende.”
O sujeito franziu levemente a testa com a interrupção do flerte, mas ao ver o dinheiro, sua expressão logo amenizou-se, quando tomou rapidamente as moedas da mão do homem moreno, guardando-as para si.
Os outros guardas ao redor não pareciam surpresos com isso.
“Sejam bem vindos a Yandou, a cidade comercial.” disse, quando moveu o pulso, tirando três papéis. “Essa é uma licença de permanência temporária, tem validade de sete dias. Caso sejam abordados pela guarda da cidade, apresente-as e não a percam, ou vocês estarão em maus lençóis.”
Após o alerta, o sujeito de bigode fez um sinal com a mão para os outros Guardas ao longe, indicando que não havia problemas.
Com o caminho livre, o trio rapidamente começou a andar em direção à cidade.
“Ei ruiva, se não quiser acabar tendo que dormir com alguns desses caras, é melhor dar um jeito de esconder esse par de canhões.” alertou, enquanto olhava para seus seios de forma despreocupada.
Ouvindo isso, Lerona cobriu rapidamente a área do peito, parecendo descontente com o comentário e olhares rudes de Raul.
Vendo a forma ríspida e pouco educada de falar do Capitão moreno, Fernando não pôde deixar de suspirar.
De alguma forma, isso parece mais com ele. pensou, ao compará-lo com o ‘Raul educado’ de momentos antes.
Logo eles chegaram ao portão, com a liberação do Guarda, eles conseguiram atravessar sem quaisquer problemas.
Assim que entraram na cidade, não precisaram ir muito a fundo, quando a expressão de Fernando mudou completamente.
Que porra de lugar é esse?

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