Índice de Capítulo

    Logo na entrada da cidade havia várias crianças e mulheres aguardando, todas haviam se reunido ali após ouvirem o barulho de abertura do portão. Muitas das garotas estavam usando roupas reveladoras e outras mais ousadas até estavam com os seios de fora.

    “Senhor, senhor, eu posso te servir, eu só cobro 50 moedas de bronze por noite!” Uma das mulheres se adiantou ao aproximar-se de Fernando e pegar sua mão.

    “Não ouça ela, ela está tentando te enganar, eu cobro a metade do preço!” Outra falou, tentando empurrar a primeira para o lado.

    “N-não, desculpe, eu sou casado!” O jovem Tenente falou apressadamente, rejeitando as mulheres e evitando olhar para a área de seus seios nus.

    De repente, Fernando notou algo, uma das mulheres, que ainda segurava persistentemente sua mão, enquanto outras tocavam seu peito e outras partes do corpo, tentou lentamente remover sua Pulseira de Armazenamento.

    A garota era hábil e suas mãos tão leves que qualquer pessoa comum sequer perceberia o que ela estava fazendo, porém, Fernando era diferente. Possuindo sua Habilidade Disparo Neural que mesmo inativa, ainda ampliava suas sensações e sistema nervoso, sentindo o menor dos toques em sua pele, notou rapidamente o que a mulher estava tentando fazer.

    Então é isso…

    Ao perceber isso, o rapaz pálido, que até então estava um pouco perplexo com a estranha situação, finalmente compreendeu tudo.

    Fernando também pensou que se fosse um ano antes, quando ele era totalmente inexperiente, certamente teria caído nesse truque, mas agora ele já era um homem com alguma experiência e até tinha uma esposa.

    Além disso, apesar das mulheres serem relativamente atraentes e possuírem várias etnias diferentes, com algumas delas sendo pardas, brancas e negras, todas pareciam ter algo em comum. Todas estavam demasiadamente magras, em algumas, era até possível ver as marcas de suas costelas e outros ossos.

    O jovem Tenente então entendeu que elas estavam fazendo aquilo não apenas para ganhar dinheiro e lucrar, mas para sobreviver. Como alguém que já havia passado por diversas dificuldades e tendo sentido a dor da fome por si próprio, ele entendia o quão desesperadora a sensação era.

    No entanto, apesar de sentir alguma empatia por essas pessoas, ele também não poderia se deixar ser roubado. Sua Pulseira continha muitas coisas importantes, incluindo vários de seus segredos.

    Logo o rapaz pálido segurou a mão da mulher num movimento rápido, parando-a.

    “Eh… Senhor, eu só estava…” A garota disse, assustada, ao ser pega no flagra.

    Fernando apenas balançou a cabeça, em sinal de negativo, indicando que ela não deveria tentar mais nada.

    A garota tinha olhos arregalados, quando deu um passo para trás, as demais, que até então estavam tentando chamar a atenção do rapaz pálido, também o olharam com cautela.

    Enquanto isso ocorria, algumas das crianças ficaram em torno de Lerona.

    “Tia, me dá algum dinheiro, estou com fome!”

    “Eu também! Eu também!”

    A Capitã tinha uma expressão estranha, mas não amoleceu. Mesmo que ela não estivesse muito habituada a viajar por aí, já tinha visto esse tipo de cena mais vezes do que poderia contar, então as ignorou, passando por elas.

    Uma das mulheres semi-nuas também tentou se aproximar de Raul e estava prestes a tocá-lo, quando o sujeito moveu seu braço, agarrando seu rosto, empurrando-a para longe com força, fazendo a garota rolar pelo chão e bater a cabeça fortemente no chão, caindo inconsciente.

    “Vaza!” O Capitão moreno gritou, de forma ríspida e com um olhar cheio de violência.

    “Ah!” Todas as mulheres e crianças rapidamente se afastaram do trio, arrastando a garota desmaiada, enquanto os observavam de forma apática e desconfiada.

    Fernando e Lerona tinham expressões estranhas, parecendo desaprovar a forma que o sujeito lidou com isso, mas ficaram em silêncio. Estava claro que muitas dessas pessoas tinham segundas intenções.

    “Não deem mole, essa molecada consegue arrancar sua Pulseira de Armazenamento, anéis e até partes de armadura sem que percebam. Tenham certeza de manterem suas mãos longe de vocês.”

    Você poderia ter avisado isso antes… O jovem Tenente pensou, suspirando.

    As mulheres e crianças ainda os observavam, mas não se atreviam mais a chegar perto, tendo entendido que o trio de viajantes não era o tipo que eles podiam provocar.

    O jovem Tenente olhou para trás, os Guardas apenas observavam a cena a partir da entrada do portão, sem intenção de interferir. Era como se isso fosse apenas mais um dia normal para eles.

    Parece que as coisas aqui funcionam assim. concluiu, ao finalmente entender o que Raul e Lerona queriam dizer com uma cidade dominada por forças não-legionárias.

    Eles mal haviam cruzado o portão, mas o ambiente já se mostrava tão agressivo e extremo, com mulheres e crianças famintas roubando o que podiam e algumas delas até se prostituindo por alguns trocados.

    “Vamos andando.” O Capitão moreno falou, sem sequer olhar para trás, parecendo estar habituado a esse tipo de ambiente.

    Fernando deu uma última olhada para essas pessoas e pensou em apenas seguir seu caminho, mas o incômodo em seu peito falou mais alto. Após um instante de hesitação, se agachou, então moveu o pulso. Logo uma enorme pilha de alimentos apareceram no chão, assim como algumas moedas de latão e bronze.

    Os alimentos eram compostos de carnes de monstros que ele havia caçado no caminho até ali, bem como alguns pães secos, temperos e algumas outras coisas que ele tinha guardado para emergências extremas.

    Eram alimentos com gosto terrível, principalmente as carnes de monstros, que chegavam a ter um sabor e odor piores do que as rações que Raul havia trazido. Porém, para aqueles que estavam famintos, até o pior dos sabores se tornava delicioso.

    O grupo de mulheres e crianças, que eram mais de dez, ao verem aquilo, tinham expressões chocadas. Alguns dos garotos e garotas mais novas estavam babando ao ver a pilha de alimentos.

    Fernando tinha uma expressão calma ao ver aquilo. Ele não disse nada, apenas levantou e afastou-se.

    Ao ver isso, as mulheres, que pareciam cautelosas, entenderam o gesto.

    “Vão, vão, antes que outros cheguem!” Uma delas falou, apressadamente.

    Rapidamente o grupo atacou a pilha de comida, cada um pegando punhados, enquanto outros optaram por levar as moedas, ignorando a carne e pães.

    Rapidamente a enorme pilha de coisas desapareceu, com as crianças e mulheres correndo em direções diferentes, como se tivessem planejado esse tipo de ação desde o princípio.

    A garota que tentou roubar Fernando deu uma última olhada em sua direção. O rapaz pálido pôde ver alguma vergonha em seus olhos, assim como um pedido de desculpas, quando se foi, junto aos demais.

    Nesse momento, a voz de Raul soou, parecendo irritado.

    “O que você pensa que está fazendo, pivete?” 

    Lerona, ao lado, também balançou a cabeça, mas não comentou nada.

    “Eu só estav-” Fernando estava prestes a se explicar, quando Raul avançou, dando um forte soco em seu estômago, fazendo-o ficar sem fôlego. Então puxou sua cabeça para perto dele.

    “Moleque, me escuta com atenção. Aqui não é o território dos Leões Dourados ou de qualquer outra Legião. Você vai ver muita merda nesse lugar, mas nem pense em bancar o mocinho. Se ficar ajudando desconhecidos como acabou de fazer, vai ferrar nós três. Bondade nesse tipo de lugar é sinal de fraqueza e fraqueza significa morte. Olhe em volta!” sussurrou em seu ouvido, de forma agressiva.

    Apesar da dor, o jovem pálido cerrou os dentes, então fez como foi dito, analisando o ambiente ao redor.

    Muitas pessoas, nas ruas laterais e becos, tinham olhares frios em direção ao trio. Alguns até pareciam estar cheios de cobiça ao ver que carregavam muita comida e dinheiro.

    Nesse momento o rapaz pálido entendeu que se continuasse agindo assim naquele lugar, seria como um prego brilhante, esperando para ser martelado e logo se tornaria alvo de ladrões, saqueadores e talvez até dos próprios Guardas da cidade.

    “Se você entendeu, é melhor fazer o que eu digo daqui para frente. Para começar, andando!” Raul ordenou, de forma bruta.

    Apesar de não gostar disso, Fernando apenas assentiu.

    Ele havia ajudado essas pessoas apenas por alguma empatia, porém ele também sabia que não era nenhum bom samaritano ou se achava algum tipo de herói. Se ele pudesse ajudar alguém, não se importava de fazê-lo, mas se isso colocasse sua vida em risco, a história seria totalmente diferente.

    Logo o grupo partiu, seguindo Raul pela cidade.

    O jovem Tenente finalmente pode observar o ambiente ao redor.

    Havia velhas casas e prédios por todos os lados, as ruas também eram mal feitas, alternando entre pedras mal colocadas e terra. Além disso, havia mendigos sentados em vários dos becos, observando com atenção aqueles que passavam.

    Até os transeuntes, que pareciam ter uma condição econômica melhor, tinham roupas desgastadas. Muitos deles olhavam para aqueles nos becos com aversão e até uma pitada de medo.

    Não importa como se olhasse para tudo isso, era um ambiente extremamente hostil.

    Esse lugar… Definitivamente não é uma cidade comercial. Fernando pensou, sem entender que tipo de cidade era essa.

    Quando ouviu sobre Yandou ser administrada por uma associação de comerciantes, ele pensou que seria um lugar voltado para o comércio, cheio de riquezas e coisas do tipo, mas o cenário era o extremo oposto do que imaginou.

    Enquanto caminhavam, o trio se deparou com o grupo comercial que haviam visto antes. Vários mendigos e outros pedintes estavam em torno deles, pedindo por esmolas, enquanto os guardas os afastavam.

    No meio de tudo isso, uma garota jovem com um manto, distribuía alguma comida para alguns deles, com um sorriso no rosto.

    Diferente do trio solitário, como estavam num grupo grande, alguns dos ladrões que observavam ao longe não pareciam interessados em se arriscar. Mas, ainda, sim, havia alguns mais ousados com olhos cobiçosos sobre o grupo comercial.

    “Idiotas.” Raul falou, com desdém.

    Enquanto passavam por eles, o olhar de Fernando e da garota de manto se cruzaram por um breve momento. Foi apenas por um instante, mas o rapaz pálido sentiu uma sensação incômoda vindo dela.

    Mesmo que ambos parecessem ter idades semelhantes, ele sentiu uma sensação de ‘perigo’ em seu olhar. Era difícil saber que força a outra parte possuía, mas claramente estava confiante.

    Após andarem por mais algum tempo, Raul parou de repente.

    “Escutem, eu preciso encontrar alguém e também vou vender os minérios que conseguimos do Sapo-Bronze, então vamos nos separar aqui. Sigam adiante por mais algum tempo e vão encontrar uma hospedaria, é uma das poucas confiáveis nesse esgoto. Consigam alguns quartos para nós.” Raul disse, enquanto acenava para Lerona e Fernando ao se afastar. “E se aquele fodido do dono causar problemas, digam que conhecem Raul. Ou talvez não seja uma boa ideia…” falou, murmurando a última parte.

    Após dizer isso, o sujeito partiu, sem dar mais explicações.

    Fernando e Lerona se entreolharam, confusos com suas palavras, mas seguiram adiante.

    Enquanto caminhavam viram uma ou duas brigas no caminho e até um corpo jogado ao relento, coberto por um pedaço de pano velho.

    Por todo lugar havia uma sensação de desolação e falta de esperança que causava incomodo a quem visse.

    Eu sempre pensei que a administração das Legiões era péssima, mas isso… Fernando pensou, cheio de indignação e raiva com o descaso da administração da cidade com as pessoas. Ao mesmo tempo, também havia um pingo de alívio interno. Isso o fez pensar sobre o que teria acontecido com ele se tivesse chegado em Avalon nesse tipo de lugar.

    “E-ei, não, devolve!” 

    Enquanto caminhavam, os dois viram um homem agarrar os pertences de uma mulher e fugir por um dos vários becos.

    A garota olhou em volta, mas não se atreveu a perseguir, então se voltou na direção da dupla. Ao verem suas armaduras, sua expressão mudou, parecendo aliviada.

    “Vocês dois, são Soldados, não é? Por favor, me ajudem! Ele levou todas as minhas economias!” pediu, apontando para o beco escuro, que se misturava a vários outros.

    A Capitã ruiva olhou para o rapaz pálido, acreditando que ele tentaria se envolver, mas para sua surpresa, Fernando apenas observou a cena com um olhar calmo.

    “Vamos embora.” disse, passando diretamente pela mulher, a ignorando completamente.

    Lerona seguiu de perto, fazendo o mesmo.

    “Desgraçados egoístas, não vão ajudar? Qual o problema de vocês?!”

    O jovem pálido parou ao ouvir isso, então olhou para o lugar que o criminoso havia fugido e então de volta para a garota.

    “Você quer que eu persiga ele e entre ali, certo?” indagou.

    “É claro, você é um Mercenário ou Soldado, não?” disse, olhando para as armaduras de couro. “Eu te dou metade de tudo que tiver como recompensa, então se apresse, ou ele vai fugir!” A mulher falou, com urgência em sua voz. Mas o que ela ouviu a seguir a fez congelar no lugar.

    “Tudo bem, eu até posso ir lá.” Fernando respondeu, com uma voz calma. Lerona franziu o cenho e estava prestes a repreendê-lo, mas ele logo continuou. “Mas se eu entrar ali, vou ter certeza de matar cada um dos seus amigos que estão me esperando e depois de fazer isso, vou voltar aqui e fazer o mesmo com você.” declarou, com um olhar gelado.

    “Q-quê? Eu não sei do que está falando! Eu não tenho amigo nenhum!” afirmou, com uma voz trêmula.

    “Hm, será?” O rapaz pálido perguntou, encarando-a, quando deu um passo em sua direção.

    A mulher travou no lugar por um breve momento, quando virou as costas.

    Tch! Vai se foder!” gritou, quando correu para o lugar que o suposto ladrão fugiu, desaparecendo nas vielas estreitas.

    Lerona olhou para o rapaz, impressionada.

    “Como você sabia que eles estavam juntos?”

    O jovem Tenente olhou para a mulher de forma estranha. Era um truque tão óbvio que mesmo ele que não tinha muita experiência pôde notar com um único olhar.

    “No meu país natal isso é um tipo de golpe bem comum.” respondeu, de forma honesta. Fernando sempre via esse tipo de coisa nos noticiários, então era fácil perceber.

    Mesmo que ele fosse inexperiente sobre assuntos de Avalon, ele havia morado numa das metrópoles mais perigosas do mundo, então saber uma ou duas coisas sobre isso era algo básico.

    “Oh, entendo.” A mulher ruiva falou, enquanto olhava para o jovem pálido de forma diferente.

    A Capitã sempre achou que alguém como ele havia vindo de um lugar tranquilo, já que aparentava ser tão inteligente, presumiu que o rapaz havia nascido em uma família rica, mas não parecia ser o caso.

    Seguindo pelas ruas de Yandou, logo chegaram na pousada que Raul havia indicado. Era um prédio extremamente velho e mal cuidado e do lado externo tinha uma enorme placa escrita ‘Recanto Esquecido’.

    A situação do local era tão precária que Fernando sentiu que todo lugar poderia desabar a qualquer momento, até o nome estranho parecia combinar perfeitamente com aquela visão, parecendo ter sido abandonado há muito tempo.

    “Esse… supostamente deveria ser o lugar?” A Capitã perguntou, com uma expressão de incomodada.

    “Bem… Acho que sim.” O jovem pálido respondeu, dando de ombros. “Vamos entrar primeiro e dar uma olhada.”

    Swish!

    O rapaz pálido estava prestes a passar pela entrada, quando sentiu algo.

    Ele rapidamente ativou seu Disparo Neural ao máximo, quando se jogou para trás, desviando por pouco de uma faca arremessada numa enorme velocidade, passando a poucos centímetros de sua bochecha.

    “Quê? Eu errei dessa distância? Que merda! Odeio ficar velho!” Uma voz rabugenta soou, quando um sujeito velho e levemente gordo, de óculos escuros, com cabelos longos levemente grisalhos, uma espécie de tiara em sua cabeça e usando um roupão, apareceu na entrada. “Eu não sei quem são, mas é melhor darem o fora daqui, enquanto estou de bom humor, seus desgraçados.”

    Fernando franziu o cenho, quando uma veia surgiu em sua testa. Que tipo de pessoa ataca seus clientes sem mais nem menos?!

    A Capitã ruiva percebeu isso e lembrando de como o rapaz era quando perdia a cabeça e resolveu lidar com isso quando deu um passo à frente.

    “Nós não queremos problemas, apenas alguns quartos.” disse de forma seca.

    “Heh, quartos?” murmurou, olhando para o rapaz pálido que mal tinha vinte anos e então para a mulher ruiva, com curvas bem delineadas. “Aqui é uma pousada, não a porra de um motel! Caiam fora, não tenho quartos para coelhos como vocês!”

    Vendo que o sujeito estava dificultando as coisas, Fernando lembrou-se do que Raul havia dito, para mencionar seu nome caso o dono causasse problemas.

    “Nós não somos um casal.” esclareceu, com as sobrancelhas franzidas. “Um amigo nosso recomendou o lugar. Seu nome é Raul.”

    Ao ouvir isso, a expressão do dono do lugar mudou.

    “Raul? Você tá falando do Raul Garcia?” perguntou, parecendo perplexo.

    Vendo que o homem realmente o conhecia, Fernando suspirou de alívio, assentindo.

    “Isso mesmo, ele…” O rapaz estava prestes a dizer algo quando o sujeito tirou mais uma enorme faca.

    “Fodam-se seus desgraçados, vocês são amigos daquele maldito golpista! Me paguem! Me paguem com seu sangue!” gritou, quando novamente arremessou a arma em direção à dupla.

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