Mais um dia dava espaço para uma noite estrelada nos céus de Lyberion.

    O capitão da guarda real estava cavalgando no porto, onde a economia do reino girava. Várias embarcações eram vistas ao longo do litoral sendo carregadas com frutas, carnes e tecidos. Sam viu alguns donos de comercio e trabalhadores do porto se questionando o que seria feito a respeito do ataque. Eles se questionavam se a postura sempre pacifista e passiva de Lyberion não contribuiu para os inimigos se sentissem confiantes em atacar sem se preocupar com retaliações.

    Os comentários logo cessaram quando a presença do capitão foi notada. Alguns guardas que vigiavam as cargas ao verem Sam na armadura prateada com a capa azul esvoaçante o cumprimentaram com leves acenos de cabeça. Mesmo que o mercado naval fosse a maior fonte financeira de Lyberion, Sam não estava lá para supervisionar os carregamentos. Nessa noite em específico o capitão estava procurando Blando.

    Mesmo que Blando fosse conhecido em todo o continente por suas habilidades de colher e vender informações ele jamais era visto por seus clientes. Ele havia virado uma sombra impossível de ser encontrada e sempre que alguém tinha negócios a serem tratados com o traficante, ele era quem estabelecia contato primeiro.

    Sam havia espalhado pelo reino que a coroa lyberiana tinha assuntos a serem tratados com Blando. A resposta do traidor veio bem mais rápido do que o capitão esperava. Em poucas horas um bilhete havia surgido na fivela que segurava a bainha de sua espada, que orientava o capitão a encontrar Blando a noite em um dos cais do porto.

    Sam se manteve alerta enquanto continuava a cavalgada pelo porto, seu olhar perscrutando cada sombra e movimento ao redor. A brisa marinha trouxe consigo o aroma salgado do oceano, mas também uma tensão palpável, como se cada onda trouxesse consigo murmúrios de incertezas e medos. Ele sabia que o ataque à Fonte da Liberdade não era apenas um ato de agressão, mas uma declaração de intenções mais amplas.

    Enquanto cavalgava entre as embarcações, uma voz familiar ecoou em sua mente, cortando através do silêncio da noite.

    “Olá, Sam.”

    A voz de Blando reverberava dentro da cabeça do capitão, uma presença fantasmagórica que contrastava com a quietude ao seu redor.

    “Finalmente veio tratar de negócios em vez de me caçar?” — A voz de Blando continuou, imperturbável.

    Sam olhou rapidamente ao redor, buscando o rosto do traficante entre as sombras das velas acesas nos mastros das embarcações.

    “Achei que você jamais tratava de seus assuntos pessoalmente.” — Respondeu Sam com a mente enquanto continuava a cavalgar.

    “Eu não estou necessariamente presente aqui, e também não poderia perder a chance de rever um dos melhores soldados que receberam o título de Capitão da Guarda Real. Diga-me, ao que posso ser útil?”

    “Não vai dar as caras?” — Perguntou o capitão.

    “Prefiro evitar ficar cara a cara com O Olho da Tormenta.” — Disse Blando, a voz parecendo se divertir com aquilo — “Você sabe meu preço.”

    A resposta de Blando veio envolta em um tom de zombaria, mas Sam sabia que, por trás da máscara de sarcasmo, havia um negociante calculista e conhecedor dos segredos mais obscuros do continente.

    Sam sabia que Blando cobrava caro. O homem se interessava por dinheiro, mas acima disso ele valorizava o que vendia: informações. O pagamento, pelo que o capitão fora informado no bilhete, eram centenas de moedas de ouro ou uma informação equivalente a obtida.

    “Eu trouxe o ouro.” — pensou Sam.

    O capitão pegou um baú que estava amarrado na sela do cavalo e o abriu, o brilho dourado das moedas de ouro entrou em contraste com a escuridão prateada na noite.

    “E eu pensando que você me daria ao menos os horários de seus guardas.” — Provocou o traficante – “Não que eu já não saiba.”

    “Quem atacou o reino e o que queriam.” — Pensou o capitão ignorando a provocação de Blando.

    A tensão no ar aumentou enquanto aguardava a resposta de Blando. A noite silenciosa era interrompida apenas pelo suave balançar das embarcações ancoradas e o farfalhar das velas.

    “Obviamente ossuianos. Mas isso eu sei que você já deduz, a dúvida de um capitão da guarda nessas horas é se foi um ataque oficial vindo da imperatriz ou se foi um grupo terrorista independente.”

    Sam apertou os olhos, ponderando as implicações dessa revelação.

    “Eu colhi informações sobre os homens que morreram na invasão. Eram Kullen e Bones soldados oficiais do exército menor de Ossuia.”

    Essa informação era apenas a confirmação do inevitável. Um ataque dessa magnitude em um dia sagrado era claramente um ato de guerra.

    “Então eles declararam guerra por fim.” — Pensou Sam esquecendo de que alguém o ouvia.

    Ele sentiu a responsabilidade pesar em seus ombros, enquanto considerava as implicações de um conflito em potencial entre Lyberion e Ossuia.

    Durante anos, até mesmo antes de ser capitão, Sam patrulhou as fronteiras sob as Montanhas de Patrock para evitar qualquer tipo de conflito com outros povos, principalmente com Ossuia. A Grande Celebração a Deusa Terramara era uma das poucas vezes que o capitão ficava ausente dos assuntos da fronteira para se focar única e exclusivamente a Lyberion e a família real. Um período perfeito para executar um ataque.

    “Sim e não.” — Respondeu Blando. — “Eles atacaram a fonte porque havia algo lá em baixo. Nem mesmo eu sei exatamente o que era. Mas minhas fontes indicam que eles atacaram como último recurso, estão desesperados por algum motivo, a nível de cometerem um ato de guerra.”

    “O que isso quer dizer?” — Perguntou o capitão.

    “Que algo está vindo, Sam, algo grande.” — Respondeu Blando, a voz pesada, como se ainda se preocupasse com seu antigo lar.

    O capitão Haras ficou tenso com a possibilidade de um conflito. Muitos morreriam se os reinos se enfrentassem. Mais do que nunca Sam precisava saber onde estavam os ossuianos que haviam atacado Lyberion.

    “Isso já é outra informação.” — falou Blando na mente do capitão — “E pelo visto você não trouxe mais ouro.”

    A voz subitamente desapareceu junto com o baú de ouro.

    Nota