Havia um tempo desde que Helick lera tanto.

    Tály e Redgar quase dormiam em cima dos livros e o príncipe continuava lendo fervorosamente. Helick só sabia que havia escurecido por causa dos candelabros acesos com velas de cera.

    — Como vai indo? — perguntou Rose, a velha bibliotecária enquanto servia uma bebida quente, negra e energética.

    — Durante muitos anos eu li bastante coisa sobre os Armamentos de Guerra Mágicos e deixei de lado a história antiga do reino — falou Helick tomando um gole do líquido forte. — Mas o passado da humanidade é bastante interessante.

    Era tarde da noite e Rose não parecia nenhum pouco cansada e se manteve sentada ao lado do príncipe enquanto esperava ele compartilhar as descobertas que tinha feito.

    — Um fato histórico interessante foi quando a humanidade decidiu se dividir em dois reinos após a tão sonhada liberdade — continuou o príncipe, pegando um livro de capa vermelha que estava à sua direita, sobre a mesa de madeira. — Depois que o líder da rebelião dos humanos derrotou os reis e imperadores das outras raças, ele conjurou uma barreira em volta do continente que perdura até os dias de hoje.

    “Quando o líder morreu, os ex-escravos se viram divididos em dois pensamentos: uns queriam continuar a vida, esquecer a era de sofrimento e viver em prosperidade, enquanto outros temiam o dia em que a proteção da barreira chegasse ao fim e decidiram se armar, formando uma sociedade preparada para a guerra que, um dia, chegaria.
    O povo que queria paz fundou o Reino de Lyberion, e o povo que quis viver pronto para a guerra fundou Ossuia.”

    — Sim, há quem diga que os humanos não foram feitos para viver em harmonia, pois até na paz eles se dividem e lutam — falou Rose, também bebendo de uma xícara.

    — O mais surpreendente dos fatos é que os anões lutaram junto com os humanos na guerra e ficaram no continente. Eles também ajudaram a construir o Reino de Lyberion e o Império Ossuiano e, logo após, se estabeleceram nas Montanhas de Patrock — falou Helick, entusiasmado com as novas descobertas.

    — Isso foi uma conveniência muito boa para nós, humanos, já que, para um ARGUEM ser despertado, é necessário o uso das artes de forja dos anões — comentou Rose. — E sobre a fonte? Encontrou algo?

    — Nada que diga a origem — respondeu Helick, diminuindo sua empolgação. — Os livros só contam as histórias após a fundação de Lyberion, não falam sobre sua construção inicial. Além disso, dizem apenas que Helisyx, o primeiro rei, fundou uma cidade para os humanos no local onde hoje é Lyberion.

    — Bom, se você quer saber sobre histórias anteriores à fundação do reino, só conheço um lugar que pode ter tal conteúdo — disse Rose com um sorriso brando.

    De repente, a mente de Helick se clareou.
    — As paredes do palácio! — exclamou o príncipe, levantando-se abruptamente.
    Quando Helick se virou para seus guardiões, percebeu que eles realmente haviam caído no sono.

    — Quer que eu os acorde? — perguntou Rose.

    — Não, deixa eles — respondeu Helick, tranquilo. — A vida militar rouba várias horas de sono deles, deixe que descansem. Quando acordarem, diga que fui direto para o palácio.

    O príncipe saiu às pressas de dentro da biblioteca. Ele desceu pulando os degraus da escadaria da biblioteca e correu quando chegou a rua plana de pedras brancas de Lyberion.

    Na imponente sala do trono do Reino de Lyberion, o ambiente estava carregado de tensão. As altas colunas de mármore refletiam as tochas que iluminavam o local, lançando sombras vacilantes pelas paredes. Mais uma vez, o capitão da guarda real, Sam Haras, se encontrava diante do rei Aquiles e seu irmão, Agnus. O peso da informação que Sam trazia sobre o encontro com Blando, o ex-capitão traidor, parecia sufocar o ar, e ele sabia que as consequências poderiam ser imprevisíveis. O relatório era delicado demais para ser passado por escrito. Aquiles tinha que ouvir tudo pessoalmente.

    — MALDITOS! — rugiu o rei Aquiles, interrompendo os pensamentos de Sam. Num movimento brusco e furioso, o monarca arremessou sua taça de vinho ao chão. O som do vidro estilhaçando ecoou pela vasta sala, cada fragmento brilhando sob a luz das tochas enquanto o silêncio opressor preenchia o ambiente.

    O coração de Sam disparou. Ele sabia que o temperamento de Aquiles era volátil, especialmente diante de ameaças ao reino. Olhou de relance para Agnus, que permanecia impassível, apenas observando a explosão de seu irmão.

    — Se é guerra que querem… — continuou o rei, sua voz ainda carregada de fúria, mas com uma frieza calculada agora permeando suas palavras.

    Sam sabia que tinha que intervir. Embora sua posição exigisse respeito e prudência, ele também conhecia o lado sombrio de uma guerra desnecessária. Respirou fundo e deu um passo à frente.

    — Vossa Alteza, acalme-se! — disse ele, sua voz firme, mas com uma nota de preocupação. — Uma guerra não seria benéfica para ninguém. Como eu disse, Blando afirmou que eles estão desesperados por algo. Esse ataque pode não ser o que parece.

    Aquiles olhou para Sam, seu rosto endurecido, mas havia uma hesitação em seus olhos. O rei era um estrategista por natureza, e mesmo em sua fúria, ele sabia que cada ação tinha repercussões que poderiam mudar o destino de seu reino. Porém, a menção de Blando, o homem que ele um dia confiou, só fazia o sangue de Aquiles ferver ainda mais.

    — Nenhum dos nossos morreu, — interveio Agnus, sua voz calma contrastando com o temperamento explosivo do irmão. — E desde o ataque, não tivemos mais notícias. Seja lá o que eles queriam, matar os nossos não parecia parte do plano.

    A sala caiu em um silêncio pesado novamente. Aquiles se virou lentamente e caminhou até a mesa de mármore, onde uma série de documentos estavam dispostos. Com movimentos calculados, ele pegou uma pena, mergulhando-a no tinteiro próximo. O som da pena riscando o pergaminho era agora o único a quebrar o silêncio, cada traço da escrita ecoando como um martelo de sentença.

    Sam sentia o suor frio escorrer por sua nuca. A apreensão em seus olhos era visível, e ele lutava para manter a postura firme diante do rei. Havia muito em jogo, e a reação de Aquiles poderia selar o destino de muitos. Ele observava cada movimento do rei, temendo qual seria sua decisão.

    — Tomarei as providências necessárias para esta situação, — afirmou Aquiles, sem levantar o olhar do pergaminho. Seus traços eram firmes e decididos, como se sua mente já tivesse calculado os próximos passos.

    Agnus, que conhecia bem o irmão, percebeu o que estava acontecendo. Ele estreitou os olhos e cruzou os braços, aguardando que Aquiles revelasse suas intenções.

    — O que pretende fazer, Aquiles? — perguntou ele, sua voz carregada de uma leve suspeita. Ele sabia que, quando o irmão tomava a caneta, decisões importantes e, muitas vezes, arriscadas eram colocadas em ação.

    Sam manteve o olhar fixo no rei, esperando, ansioso pela resposta.

    — Vou mandar uma carta para a Imperatriz de Ossuia, convocando-a para vir a Lyberion, — disse Aquiles, com uma calma que contrastava com a tensão que pairava no ar. Ele selou a carta com cera quente e pressionou o anel de seu dedo anelar sobre o selo, marcando-a com o símbolo real. — Chamem um mensageiro

    Agnus ergueu uma sobrancelha e deu um passo à frente.

    — Rhyssara jamais viria para Lyberion em situações convencionais, — lembrou Agnus, sua voz carregada de cautela. — Imagine agora, se ela realmente ordenou esse ataque. Você sabe que ela não aceitaria um simples convite.

    Aquiles levantou os olhos e fitou o irmão por um momento, antes de falar com uma confiança fria.

    — Ela simplesmente não poderá recusar. — O rei dobrou a carta com precisão. — Avise Cassian e mande uma carta para os anões das Montanhas de Patrock.

    Sam, que havia permanecido em silêncio durante esse breve diálogo entre os irmãos, sentiu um aperto no peito. Ele sabia o que o rei estava prestes a fazer, mas a implicação disso o deixou apreensivo. Respirando fundo, ele deu mais um passo à frente, hesitante.

    — Vossa Majestade, por acaso não pretende… — começou Sam, mas foi prontamente interrompido pelo rei.

    — Cassian me odiará por isso, — admitiu Aquiles, sua voz firme e resoluta. — Mas é a única forma de obrigá-la a vir aqui.

    O peso dessas palavras caiu sobre Sam como uma pedra. Ele conhecia o rei há tempo suficiente para entender o quão longe Aquiles estava disposto a ir para proteger o reino, mas usar Cassian como uma peça nesse jogo diplomático seria arriscado. Cassian, o filho rebelde do rei, seria a chave para essa jogada.

    — Espalhem a notícia, — continuou Aquiles, sua voz ecoando pela sala. — Daqui a duas semanas, o herdeiro despertará seu ARGUEM.

    O silêncio que se seguiu foi ainda mais opressivo do que antes, à medida que as palavras do rei eram absorvidas por Sam e Agnus. O destino do reino estava em jogo, e a próxima jogada do rei poderia mudar tudo.

    Nota