Índice de Capítulo

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    Os olhos da fera encontraram os de Helick.

    O príncipe manteve a lâmina de gelo pressionada contra a carne úmida e escorregadia da criatura, mas o Kraken resistia. Forte demais. Antinatural demais. O corte congelava camadas da pele monstruosa, mas não a fazia recuar.

    Ele olhou para o lado e seu estômago afundou. Cassian estava desacordado, a cabeça tombada, o corpo mole… mas a mão ainda segurava a espada, como se até a inconsciência respeitasse aquele instinto de soldado.

    Helick precisava agir. Agora. Ou ambos estariam mortos em minutos.

    O fôlego já se esgotava. O ar queimava no peito, e a visão começava a embaçar nas bordas. E, enquanto o vórtice girava, a força da criatura aumentava, arrastando-os para as profundezas.

    A mente gritou. O instinto berrou. Helick sentiu a mana se incendiar em suas veias. Então, ele gritou sob a água, um grito silencioso, sufocado e desesperado, canalizando tudo o que possuía na lâmina.

    O frio respondeu. Um surto gélido explodiu da espada, correndo pelo rio como fissuras brancas, ameaçando transformar toda aquela correnteza em um túmulo de gelo.

    Mas o Kraken rugiu um som abafado e grotesco que reverberou por toda a extensão do rio.

    Num movimento brutal, a criatura girou o corpo, criando um redemoinho que os engoliu e… os lançou para fora da superfície.

    Helick e Cassian foram lançados como bonecos, cuspidos pelo monstro. Seus corpos romperam a superfície com violência, cortando o ar antes de despencarem pesadamente sobre a grama úmida da margem do Rio Vida.

    O som foi ensurdecedor seguido pelo baque surdo de corpos molhados colidindo contra o solo. O impacto quebrou o silêncio da tarde inesperadamente fazendo o restante do grupo despertar num pulo.

    Tály foi a primeira a se levantar. Seus olhos arregalados logo encontraram os corpos dos príncipes estirados à beira do rio, encharcados, feridos, ofegantes.

    — Pelo Deus Primordial… — sussurrou Kadia, ainda se levantando.

    — Cass! Helick! — gritou Tály, já correndo. Se ajoelhou ao lado do herdeiro desacordado, desesperada. — O que aconteceu?! O que pela Mãe da Terra aconteceu com vocês?!

    Ela encostou o ouvido no peito esquerdo de Cassian, buscando o batimento.

    Kadia a afastou com firmeza, mas sem grosseria. A maga pôs as mãos sobre o tórax do príncipe e aplicou compressões precisas. Após alguns segundos tensos, Cassian arquejou. Tossiu violentamente, cuspindo água como um afogado. Seus olhos se abriram de súbito, arregalados.

    — Ele voltou! — exclamou Kadia, aliviada, enquanto se afastava.

    Rhyssara, mais contida, se aproximou de Helick, que mal conseguia ficar de joelhos, ainda arfando.

    — O que foi que aconteceu lá embaixo? — perguntou ela, séria.

    Helick tentou falar, mas quem respondeu primeiro foi Cassian, ainda tentando limpar a garganta.

    — A merda de um Kraken! — arfou, cuspindo mais um jato de água. — Nem ferrando que eu fiquei frente a frente com aquela criatura debochada e irritante!

    — Debochada? — Rhyssara franziu o cenho. — O que quer dizer com isso?

    Cassian se apoiou nos cotovelos e olhou em volta, como se precisasse garantir que todos estavam ouvindo.

    — O desgraçado ria enquanto afogava a gente… e ainda ficou falando. Disse que o mundo estava fodido se dependesse de nós dois.

    O grupo congelou por um instante.

    Morgan foi o primeiro a se manifestar.

    — Espera. Primeiro: é impossível ter um Kraken dentro do continente. A barreira de Helisyx impede a entrada de Bestas Míticas como ele nos nossos rios.

    — E como assim ele… falou? — questionou Suzano, cruzando os braços, a voz mais grave. — Falou… como? Com palavras?

    Cassian assentiu com veemência e virou o rosto para o irmão.

    — Você ouviu, não ouviu, Helys? A voz irritante daquele polvo gigante, como se estivesse ecoando dentro da nossa cabeça!

    Helick ainda recuperava o fôlego, e por um momento parecia hesitante. Por fim, respondeu:

    — Não. Na verdade… eu não ouvi nada.

    Cassian se virou com força para o irmão, ainda escorrendo água pelos cabelos.

    — Como assim você não ouviu nada?! — a voz saiu em uma mistura de incredulidade e indignação. — A coisa estava falando dentro da nossa cabeça! Era impossível não ouvir!

    Helick passou a mão no rosto, limpando a água dos olhos, e respondeu com firmeza, embora ainda arfasse:

    — A parte do Kraken é real. Eu vi tudo… o monstro, os tentáculos, o tamanho absurdo. Mas não ouvi voz nenhuma. Só o silêncio… e o pavor. Mas teve uma coisa que me marcou.

    Ele respirou fundo.

    — Na testa dele… havia uma joia. Verde. Brilhava como esmeralda viva. E eu não sei como explicar isso… mas eu sabia. Era isso que estávamos procurando.

    O silêncio que se seguiu foi cortado pela voz de Morgan, que se virou imediatamente para Rhyssara com expressão dura.

    — Mais uma joia? Isso é impossível! — Ele deu um passo para trás, como se a lógica estivesse ruindo em sua mente. — Se fosse real, o detector teria identificado. Aquele radar mapeia toda a mana não humana do continente. Apontou uma em Lyberion… uma, e agora temos três?

    — O detector pode falhar. — murmurou Kadia, cruzando os braços com semblante pensativo.

    Morgan balançou a cabeça, ainda perturbado.

    — Aquele equipamento foi criado pelo Departamento de Pesquisa e Estratégia justamente pra evitar surpresas como essa. Inicialmente só servia pra rastrear produtos mágicos vendidos pelos anões como armaduras, poções, ferramentas encantadas, mas com o tempo… virou algo muito mais útil. Detecta qualquer coisa que emane mana que não seja humana.

    — E mesmo assim, não detectou o Kraken? — murmurou Tály, franzindo o cenho.

    Suzano, que escutava tudo calado, deu um passo à frente, a mão massageando a barba de seu queixo, a expressão mais reflexiva do que surpresa.

    — Isso não é impossível, na verdade — disse, e todos se voltaram para ele. — O Rio Vida é coberto por mana em estado bruto. Um fluxo contínuo, ativo, denso. Se o Kraken estava há muito tempo submerso e imóvel… ou mesmo integrado de alguma forma com o rio… pode ter confundido o radar. A assinatura mágica dele seria diluída, como uma gota de vinho num balde d’água. O sensor não detectaria uma anomalia em meio ao caos natural. Isto é, se não é a joia e o Kraken que não dão esse aspecto mágico a água.

    — Então a joia estava escondida o tempo todo ali? — perguntou Rhyssara, mais para si mesma.

    — Ou estava adormecida — completou Suzano. — E acordou com a presença deles… ou com as espadas.

    Todos ficaram em silêncio, processando a informação.

    Helick olhou para a palma da própria mão, ainda sentindo o resquício da energia gélida que invocara.

    — Não foi só a nossa presença. Foi quando nossas espadas tocaram a água… foi isso que a acordou.

    Cassian assentiu, já mais calmo, embora ainda visivelmente abalado.

    — Então quer dizer que… se a gente quiser aquela joia… — ele engoliu em seco — vamos ter que enfrentar o Kraken?

    Rhyssara cruzou os braços e olhou para o rio como se pudesse enxergar a criatura adormecida abaixo.

    — Parece que sim.

    Morgan resmungou baixo:

    — Que maravilha.

    Marco, que até então permanecia calado e observador, deu um passo à frente e quebrou o silêncio com a voz firme:

    — As vozes que Cassian ouviu… isso não pode simplesmente passar batido.

    Cassian ergueu os olhos para o aliado, ainda secando os cabelos com a borda da própria camisa. Ele parecia aliviado por alguém finalmente levar a sério o que tinha dito. Mas Morgan logo rebateu, prático e debochado como sempre:

    — Ou pode, sim. Talvez o príncipe só tenha entrado em choque pelo afogamento. Falta de oxigênio mexe com o cérebro.

    Marco apenas o encarou, sereno, sem alterar o tom.

    — Ou talvez… justamente por estar à beira da inconsciência, ele baixou a muralha mental sem perceber. E, com isso, um contato psíquico foi estabelecido. Um vínculo direto, mesmo que por breves segundos.

    Um silêncio desconfiado pairou no ar. Todos se entreolharam.

    A afirmação de Marco não era apenas uma teoria lançada ao acaso. Vinha embebida da convicção de quem entende a mana como se fosse parte de seu próprio corpo. E aquilo soou mais como uma constatação do que como uma suposição.

    — Eu mesmo… — continuou ele, com a mão no peito como se sintonizasse algo invisível — consigo sentir as palavras do rio tentando entrar na minha mente. Como tentáculos longos e esguios, deslizando em espiral, procurando por uma brecha. Mas minha muralha os repele. Como vidro temperado, firme e translúcido. Vocês não sentem?

    Rhyssara arqueou uma sobrancelha, os olhos se estreitando ligeiramente. Como se, só então, ao ouvir Marco verbalizar, ela percebesse algo que estava ali o tempo todo, sutil, quase imperceptível.

    — Agora que menciona… sim. Existe algo. Fraco, distante… como um eco abafado. Quase como um sussurro submerso.

    — Exato — confirmou Marco. — Mas em Cassian, não houve resistência naquele momento. Ele foi puxado para dentro. E o Kraken… falou.

    Suzano coçou o queixo, pensativo. Tály e Kadia se entreolharam, mais alertas.

    — Então ele ouviu… porque as defesas caíram — concluiu Rhyssara, com a voz mais baixa e ponderada. — O monstro usou a própria mana do rio para se comunicar… com quem estivesse vulnerável.

    Cassian franziu o cenho, ainda visivelmente incomodado.

    — Aquele desgraçado zombou da gente. Disse que o mundo estava ferrado se dependesse de nós. Como se ele… soubesse o que está acontecendo.

    — E talvez saiba — disse Marco, olhando novamente para o rio. — E talvez, por isso, esteja guardando essa joia. Como um teste… ou um aviso.

    A tensão ficou mais densa. O sol já havia quase sumido atrás das árvores, e o Rio Vida parecia mais escuro do que antes como se também escutasse.

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