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Capítulo 140 — Onde Tudo Termina
Depois de dez meses de insistência paciente, olhares roubados entre tarefas e conversas sussurradas nos corredores do castelo, Cassian finalmente havia conquistado a confiança e o coração de Tály. Não com promessas vazias, mas com presença. Ele a esperava após os treinos, dividia o pão quando achava que ela estava com fome, aprendia a ouvir quando o mundo apenas a mandava calar.
E foi numa noite clara de inverno, quando o céu parecia feito de vidro e as estrelas ardiam como fogueiras distantes, que os dois escaparam silenciosamente dos alojamentos. A neve havia parado horas antes, deixando o ar frio, mas tranquilo. Cassian a levou até uma pequena praia nos fundos do reino, onde ele costumava ir quando queria fugir do peso da nobreza.
— Tá tudo bem… — sussurrou, ao estender o casaco para ela se sentar sobre a pedra fria. — Ninguém vem aqui essa hora.
Ela sorriu, hesitante. O silêncio entre os dois era cheio de algo que não precisava de palavras.
Sentaram-se lado a lado, os ombros se tocando. Falaram sobre tudo e sobre nada. Sobre o futuro, sobre as estrelas, sobre o que fariam se pudessem simplesmente desaparecer juntos dali. Como seria o mundo se ele não fosse príncipe e se ela não fosse plebeia. Se eles fossem apenas… pessoas em um mundo sem hierarquias.
— Cass… — ela murmurou de repente, o nome saindo com naturalidade e afeto, como se sempre tivesse sido assim.
Ele virou o rosto pra ela, e o brilho dos olhos dela o atravessou como um corte limpo.
— Nunca me chamaram assim, sabia? — ele respondeu, sorrindo de canto. — Só o Helys. Agora você também pode. Mas, se for justo…
Ele tocou a ponta do nariz dela com o indicador, brincando.
— …vou te chamar de Tata.
Tály riu, baixinho, o som mais bonito que ele ouvira naquele dia. E ali, sob aquele céu profundo, deitados sobre a pedra fria, com as mãos entrelaçadas pela primeira vez, eles se beijaram. Um beijo sem pressa, sem promessas, só cheio da verdade que os dois carregavam no peito.
Foi ali que passaram a noite juntos pela primeira vez. Não como príncipe e serva. Mas como dois jovens que haviam encontrado, um no outro, o que jamais ousaram procurar sozinhos.
Porém, após aquela noite sob as estrelas, algo em Cassian mudou ou talvez tenha apenas voltado a ser como sempre fora. A delicadeza que mostrara, o cuidado com cada gesto e palavra, evaporaram como se nunca tivessem existido. Ele retornou ao posto de príncipe herdeiro com a pompa e os vícios de antes, cercado por sorrisos vazios, atenções compradas, e mulheres que viam nele apenas o brilho do título.
Tály, por sua vez, permaneceu em silêncio. A chama acesa dentro dela naquela noite não se apagou se retorceu. Queimava diferente. Doçura deu lugar ao amargor, e o que antes era ternura virou um nó no estômago toda vez que o via rir com outras.
Não foi o ciúme que a corroeu. Foi o desrespeito.
Foi perceber que, para ele, talvez aquela noite tivesse sido apenas mais uma. Que seu carinho, tão cuidadosamente cultivado por meses, havia sido tratado como conquista e não como conexão.
Cassian, cego em sua arrogância, jamais percebeu o que havia feito. E mesmo que percebesse, talvez não soubesse o quanto doía.
O amor que Tály nutria por ele não morreu de imediato. Foi se quebrando aos poucos. Rachaduras silenciosas em uma estrutura que ela pensava ser sólida. Até que, ao fim, restava apenas um sentimento áspero, que ela não ousava nomear, mas que era vizinho do ódio.
— Pare! — Tály gritou. A voz reverberou pelas paredes de pedra do casarão de Suzano.
Seus olhos estavam vermelhos, as lágrimas insistiam em se formar mesmo quando ela as negava com todas as forças.
— Não me faça ver essas coisas! E desde quando você consegue entrar na mente das pessoas? — Tály estava em um misto de emoções.
Se coração batia forte e apertado. Forte como se quisesse sentir aquele amor de novo, mas apertado com a lembrança de como ele fora pisado e descartado.
Seria essa só mais uma tentativa de Cassian de conquista-la já que Morgan havia demostrado interesse? Ele se sentiu ameaçado e queria reivindica-la como uma propriedade que?
— Não, não é isso! — Cassian respondeu.
De alguma forma ele realmente ainda estava na cabeça de Tály.
— Sai da minha cabeça! AGORA! — Ela gritou.
Na fração de segundo seguinte, dentro da conexão mental ainda ativa, Cassian viu as manoplas em brasas das muralhas mentais de Tály esmagarem uma águia de fogo nas mãos. As chamas se extinguiram como se nunca tivessem existido.
Ele foi lançado para fora da mente dela com um estalo invisível. A conexão se rompeu.
Tály virou-se para ir embora, mas Cassian a segurou gentilmente pelo braço.
— Desculpa! Eu juro, eu não sei como fiz aquilo… Mas esse nem é o ponto.
Ela parou, olhando-o como se cada parte dela estivesse em guerra com a outra. Havia esperança em seu olhar. Mas também mágoa. Tanta mágoa que doía de ver.
— Esse sentimento… o que eu senti naquela época — ele disse, mais baixo agora — eu não sabia o que era. Eu me perdi. Tive medo. E fugi.
— E depois voltou como se nada tivesse acontecido! — ela rebateu, a voz embargada. — Você me deixou, me apagou como se eu fosse só mais uma. E depois eu tive que ver você, dia após dia, brincando com outras, se deitando com elas como se aquilo não tivesse significado nenhum…
Cassian não respondeu. Em vez disso, fechou os olhos.
E abriu a porta.
Tály sentiu. Não sabia como, mas sentiu quando o convite veio. Quando algo nela foi puxado de volta, não com força, mas com… intimidade.
Em segundos, ela se viu diante da muralha mental de Cassian: as asas de fogo cruzadas diante de correntes negras que giravam em espiral. Era colossal. Três vezes maior que a dela.
— O que é isso…? — Tály sussurrou, boquiaberta.
As asas se descruzaram.
Abriram-se lentamente, como cortinas num palco antigo.
— Apenas entre, — Cassian disse, a voz vinda de dentro da mente dele.
Ela foi.
Não com os pés, mas com a alma. Seu corpo ali ainda tremia. Mas sua mente agora estava em outro lugar.
Uma sala dourada se abriu diante dela, com paredes de luz e colunas de mármore enlaçadas por raízes de mana viva. Ao centro, um trono elevado sobre degraus finamente entalhados. Uma mesa longa dominava o salão, onde um banquete era servido.
Na ponta da mesa, Cassian, ainda adolescente, falava com o rei Aquiles.
Era uma lembrança.
— Pai, — o jovem Cassian dizia, tocando de leve o copo de suco de uva — posso conversar com o senhor?
Helick e Aquiles estavam terminando de se levantar, mas pararam, surpresos com o tom inusitado.
— Mas é claro. — disse o rei. — Helick, vá.
Helick se despediu com um aceno, lançando um olhar curioso a Cassian.
Agnus apenas ergueu uma sobrancelha antes de se retirar em silêncio.
O rei então encarou o filho, cruzando os dedos sobre a mesa.
— Do que se trata, Cassian?
Cassian hesitou, depois falou:
— O senhor já ouviu falar de uma soldado no exército chamada Tály?
O rei arqueou uma sobrancelha.
— Claro. Agnus nunca me deixa esquecer o nome dos quatro “protegidos” de Sam Haras. Os “desajustados”, como ele gosta de chamar. A mineradora. A garota cujo pai tentou vender Diamante Negro para os anões da Fornalha Proibida, não é? O que tem ela? Fez algo que o incomodou?
Cassian olhou para baixo, girando o copo entre os dedos em silêncio. Quando enfim falou, sua voz saiu mais baixa:
— Não, pai. Pelo contrário.
Aquiles pareceu entender onde aquilo levaria e ergueu uma mão, interrompendo-o.
— Pode parar por aí. Você já sabe o que eu penso sobre camponesas e plebeias que se aproximam demais do trono. Nunca termina bem. No fim, você acaba se perguntando se algum dia ela realmente sentiu algo… ou se foi tudo apenas um jogo de interesse.
— Por favor… não fale assim da minha mãe. — Cassian sentiu o golpe, a indireta cravando fundo. A mulher que os abandonara — segundo o pai — agora era mais uma sombra em suas palavras. — Tály é diferente! Eu tentei comprá-la com ouro, joias, promessas de um trono… e ela recusou tudo. Só depois de meses, quando havia algo verdadeiro entre nós, é que aconteceu alguma coisa…
— Esqueça. Caso eu sequer sonhe que você está mantendo um relacionamento com essa soldado, ordenarei a execução dos pais dela. Assim, tenho certeza de que ela vai te odiar até o fim da vida.
— Você não faria isso…
Mas algo no olhar do rei dizia o contrário. Cassian não tinha certeza se era apenas uma ameaça.
As lembranças sumiram quando ele se deu conta de onde estava. Estava de novo no corredor de pedra do casarão de Suzano. E diante dele, Tály.
— Então o seu pai te ameaçou… e sua reação foi se deitar com o máximo de mulheres possíveis só pra me provar que não sentia mais nada por mim? É isso? Que patético, Cassian… — Tály parecia dividida entre o desprezo e a dor.
— Sim. Foi isso que pensei. Eu fui idiota, eu sei… mas durante essa viagem, estando perto de você de novo… percebi que esse sentimento não era algo que eu podia simplesmente enterrar.
— E o que você quer agora? Que eu esqueça tudo? Que confie que você não vai recuar de novo… ou se acovardar diante da reação do seu pai?
Cassian não conseguiu responder.
— Boa noite, Cassian.
Tály virou-se, deixando-o sozinho no corredor.
Só ele e seus arrependimentos.
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