Capítulos novos toda segunda, quarta e sexta. Segunda e sexta às 20:00 e quarta às 06:00!
Siga nosso Discord para ver as artes oficiais dos personagens e o mapa do continente!
Capítulo 146 – Desvio Noturno
A noite caiu devagar sobre Ossuia, tingindo as ruas de âmbar e sombras alongadas. Após um dia inteiro de caminhada, risos soltos e compras quase impulsivas, Any e Nastya retornaram à hospedaria com os pés cansados, mas os espíritos estranhamente leves — assim como seus bolsos.
A soldado, que por anos vestira apenas armaduras e fardas, agora se via com roupas comuns, sentada à mesa de madeira rústica de uma hospedaria simples, com um prato quente diante de si e uma companhia agradável ao alcance da voz. Era uma sensação nova ou esquecida há tempo demais.
Phill que não havia tido notícias delas desde manhã cedo pareceu respirar aliviado.
Jantaram juntas em silêncio por boa parte da refeição, não por falta de assunto, mas por um tipo de entendimento, como se aquele momento não precisasse de mais nada.
Depois da refeição, subiram as escadas de pedra com passos calmos. A madeira do chão rangeu sob os pés enquanto cruzavam o corredor até seus respectivos quartos. As lâmpadas da parede garantiam uma luz estável, garantindo luz naquele horário que já era tarde da noite.
Any se deteve diante da porta do quarto, a mão já na maçaneta.
— Foi um bom dia. — disse, sem se virar.
Nastya parou ao lado dela, com um leve sorriso nos lábios.
— Foi. Você precisava de um dia assim. Nós duas precisávamos.
Por um instante, o silêncio se impôs novamente. Mas agora, carregava algo diferente, algo que ainda não se mostrava por completo.
— Boa noite, Nastya.
— Boa noite, Any.
E as portas se fecharam.
Os dias que se passaram foram igualmente divertidos e cheios de passeios e momentos relaxantes. Cada dia mais frio, e cada dia novas peças de roupas eram adicionadas ao baú de viagem das duas jovens.
Até que, numa madrugada que chegou sorrateira, Any enfrentou o frio mais cortante de sua vida. Era como se o gelo tivesse se infiltrado em seus ossos, ignorando as camadas de pelagem e o abrigo de sua cama. Nem o calor do próprio corpo parecia resistir àquela noite implacável.
Ela estava usando um pijama felpudo marrom que havia comprado mais cedo que o vendedor excêntrico enfatizara que era feito especialmente contra o frio.
De fato, esquentava mais do que parecia, mas não era o suficiente para aquela geada. Olhando pro céu pela sua janela, ela percebeu que talvez nevasse antes do amanhecer.
O frio a incomodou ao ponto de ela colocar mais algumas camadas de roupas por cima do pijama. Uma calça e a jaqueta que ela havia comprado no primeiro dia foi acrescentado para protege-la do frio.
A soldado também se lembrou da lareira no salão da hospedaria, lá com certeza estaria bem quente.
Any então se dirigiu a sua porta e foi em direção aos degraus que levavam até o salão. Mas antes, ela se lembrou de Nastya. Ela também poderia estar congelando.
Um sentimento novo estava no peito de Any ao se lembrar da jardineira, era algo parecido com o que sentia com relação a Marco, Tály e Redgar, mas com Nastya era diferente, não estavam ligadas através de deveres, mas sim por amizade nascida naturalmente aqueles breves cinco dias.
Amizade.
Que palavra bonita que Any não sabia nem quando foram a última vez que havia sequer pensado.
Ela bateu de leve na porta de madeira do quarto de Nastya, mas nenhuma resposta veio de dentro do cômodo.
Normal, ela só poderia ter vencido o frio e dormido… Mas Any percebeu que a porta não estava trancada ao se escorar na maçaneta que se abriu.
A cama estava vazia. Nastya não estava deitada.
“Bom, ela deve ter tido a mesma ideia e foi se aquecer na lareira.”
A soldado saiu do quarto e, enfim, desceu para o salão.
Realmente ela não havia sido a única a ter a ideia de se esquentar na grande lareira da hospedaria. Vários hóspedes estavam acomodados, deitados sobre cobertas no salão.
Uma passada de olho rápida fez com que Any percebesse que a amiga não estava entre eles.
Estranho.
O vento frio que entrava pelas frestas das portas e janelas fez com que a soldado se aproximasse de uma janela que estava semi aberta para fecha-la.
Foi quando ela viu uma figura usando um manto verde musgo andando pela madrugada no lado de fora da hospedaria.
Aquele manto… Era certamente de Nastya. O que ela fazia a essa hora e nesse tempo do lado de fora da hospedaria?
Any puxou de leve um cobertor de um hóspede adormecido que, ao abrir os olhos, não reclamou ao ver o rosto pálido e ameaçador da soldado. Em silêncio, ela seguiu para a porta, o olhar fixo na figura que se afastava na noite.
Any apertou o passo, o cobertor apertado contra os ombros, sentindo o ar frio que cortava como lâminas finas no rosto. Se fosse qualquer outra pessoa, teria pensado imediatamente em uma trama obscura, mas Nastya… Nastya era diferente. Até onde vira, não passava, no bom sentido, de uma simples jardineira. Uma boa amiga.
Talvez estivesse indo comprar algo para a noite… mas, a essa hora, o centro comercial da muralha externa estava morto. As tendas e lojas fechadas, as portas trancadas, e só o eco distante do vento ocupava as ruas. O único tipo de comércio que ainda funcionava nesse horário eram os bordéis, mas a soldado descartou a ideia de imediato. Não, Nastya não iria a um lugar assim, ainda mais depois de ter revelado sua afeição por Helick durante as conversas e passeios dos últimos dias.
Então… para onde?
Any sabia que poderia alcançá-la facilmente e exigir uma explicação, mas algo diferente se instalou dentro dela: curiosidade. Uma pontada quase infantil, como se seguir em silêncio fosse a única forma de conhecer um lado de Nastya que talvez não fosse mostrado de outra maneira.
As ruas estavam quase desertas, ladeadas por casas baixas e fechadas, cujas janelas deixavam escapar raros filetes de luz trêmula provocada por lareiras. Uma fina geada começava a tomar o solo, e o som suave de seus passos se misturava ao leve “crac” do gelo se partindo sob as botas. Pequenos flocos de neve flutuavam no ar, iluminados pelos lampiões solitários, que tremiam a cada rajada de vento.
Foi então que Any percebeu. Reconhecia aquele caminho.
Seus olhos se estreitaram.
Era a direção da arena.
Pela Mãe… por que Nastya iria para lá?
Any já havia anunciado seu desafio dois dias antes e um tal de Sincer teria o azar de enfrentá-la. Mas o que uma jardineira teria a ver com a arena, ainda mais no coração de uma madrugada tão gelada?
O manto verde-musgo de Nastya balançava levemente à frente, distante, mas visível o suficiente para guiar a soldado pelas ruas silenciosas. E, a cada passo, Any sentia a pergunta que queimava mais que o frio:
O que, afinal, Nastya escondia?
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.