Capítulo 16 – Centelha Mágica
por Felipe BahiaCassian finalizou seu banho e tomou uma poção medicinal para aliviar a dor latejante em sua cabeça. Menos de 24 horas restavam antes que ele fosse oficialmente integrado ao cenário político de Lyberion. O herdeiro vestiu uma de suas diversas roupas requintadas e luxuosas, com sua cor predileta, o vermelho levemente alaranjado.
Ansioso para voltar aos braços das funcionárias do segundo andar do Bar de Ciscer, Cassian saiu de seu quarto e seguiu pelos corredores do palácio, com Marco e Any ao seu encalço. Any não se importava com o local que iriam preocupando-se apenas em cumprir a missão que lhe fora atribuída: proteger o príncipe com sua vida.
Esse era seu propósito enquanto a ordem do capitão Haras ainda valesse, refletido em seus olhos verdes opacos com um leve toque de determinação.
Marco, por outro lado, sentia-se ligeiramente incomodado em sair com o príncipe para fora das paredes do palácio com uma assassina desconhecida à solta. Mas as ordens de Sam eram para que o acompanhassem aonde quer que fosse, e ordens são ordens.
Quando o grupo descia a escadaria dourada e curvada que ligava o segundo andar ao hall de entrada do palácio pelo lado esquerdo, avistaram o capitão da guarda real, Sam Haras, no centro do salão. Ao seu lado, um anão desviou os olhos de Sam para Cassian e começou a gritar calorosamente:
— Ora, se não é o herdeiro de Lyberion em carne e osso! — cumprimentou o anão ainda distante, a voz recheada de energia.
Cassian revirou os olhos, percebendo que aquele era o tal anão, mestre da forja, escolhido para lapidar seu ARGUEM. O príncipe herdeiro não pretendia perder mais um segundo sequer naquele palácio que, em poucas horas, tomaria sua liberdade.
Mas Cassian soube que isso seria inevitável quando viu Helick descendo a escadaria à direita do hall de entrada. Com toda certeza, Helick ficaria fervendo de emoção por finalmente conhecer um anão e começaria a falar como um lunático sobre ARGUEMs, arrastando inevitavelmente o irmão para o assunto.
Quando todos se reuniram no piso do salão, Cassian notou algo estranho no semblante do irmão. Helick parecia abatido, com os olhos distantes. Ele nem sequer demonstrou a esperada empolgação ao ver o anão presente.
O que não foi o caso do pequeno homem ao ver os dois príncipes à sua frente.
— Não posso acreditar! — falou entusiasmado Leonardrick. — Quase sinto magia vindo de vocês! Aposto que serão os mais poderosos que este reino já viu!
Helick ainda tentava digerir o que acabara de presenciar da torre mais alta do palácio. Não sabia o que aquilo significava e estava ciente de que contar a alguém, literalmente o que viu, seria algo difícil de acreditar.
— Está tudo bem, príncipe Helick? — perguntou Sam, percebendo a estranheza do jovem.
Helick piscou, tentando se concentrar.
— Sim, estou bem, Sam — mentiu, forçando um sorriso. — Só um pouco cansado.
— Um bom descanso vai resolver isso. — disse Leonardrick com entusiasmo. — Nada como uma boa noite de sono para revigorar a mente e o corpo. Mas, voltando ao que interessa, estou ansioso para começar a trabalhar no seu ARGUEM, Cassian.
— Sim, estou ansioso para ver o que você pode fazer — respondeu Cassian esboçando um sorriso forçado.
— O que exatamente você tem em mente para o seu ARGUEM? — perguntou Leonardrick, os olhos brilhando de expectativa.
Cassian hesitou, olhando brevemente para Helick antes de responder.
— Ainda estou decidindo.
Leonardrick assentiu vigorosamente.
— Entendo perfeitamente. Uma arma que ressoe com sua alma e amplifique sua magia. Tenho algumas ideias que podem se encaixar perfeitamente.
— E você, príncipe Helick? Já pensou no seu ARGUEM? — perguntou Sam, tentando desviar a atenção do desconforto evidente de Helick.
— Isso não faz diferença. — falou Helick ao balançar a cabeça. — Quando a Centelha Mágica é absorvida pelo Diamante Negro, o próprio metal define o que será, se moldando com a magia do portador.
— Bem dito, pelo que vejo temos um jovem estudioso e promissor aqui — falou Leonardrick sorrindo. — Nós anões apenas transformamos o metal no que tem que ser.
— Bem, se me permitem, estou de saída — falou Cassian se virando, Any e Marco o acompanhando.
— Espere, príncipe Cassian! — chamou o anão. — Não quero ser inconveniente, mas eu poderia ver a sua Centelha Mágica?
— O quê? — respondeu Cassian com um salto para trás. — Por quê?
— Só de estar na presença dos príncipes eu posso sentir que foram muito bem treinados e isso deve ter lapidado uma Centelha Mágica incrível. Eu gostaria muito de vê-la antes de você a passar para o Diamante Negro amanhã.
Helick por um momento esqueceu do que o preocupava e riu verdadeiramente da cara de assustado que o irmão estava fazendo.
— É Cassian, mostra sua Centelha Mágica aí. Aposto que como seu despertar será logo amanhã, você está preparado, não é?
O rosto de Cassian se cobriu com um rubor, indicando claramente que ele havia esquecido completamente da necessidade de conjurar a Centelha Mágica.
— M-mas é claro que estou preparado! — respondeu Cassian, em meio a uma tosse para disfarçar seus verdadeiros pensamentos. — Eu prefiro não fazer isso agora.
— Mas, porque? — falou Leonardrick, alterando totalmente seu semblante risonho para uma cara séria. A aura do anão havia mudado completamente enquanto ele continuava. — Não me diga que subestimou esse momento ao ponto de não fazer ideia de como o ritual acontece. Não me diga que você acha que, por ser o herdeiro, está acima da responsabilidade do ritual do despertar. Não, não. Você não seria tão tolo não é mesmo?
Cassian tremeu com a mudança do clima da conversa. O anão que parecia ser um bobalhão viciado em ARGUEMs, de repente exalava uma aura ameaçadora.
Até mesmo Sam se surpreendeu com a mudança de postura de Leonardrick. O capitão não esperava que o anão pudesse oscilar tanto assim entre suas emoções.
— Peço para que tome mais cuidado com o seu tom, por favor, lorde Leonardrick — advertiu Sam.
— Não, claro que meu irmão não seria tão irresponsável assim — interveio Helick, quebrando a tensão. — Como ele será rei um dia e tratará das relações comerciais e políticas com o reino dos anões, obviamente ele sabe como fazer. Claro que ele não seria tão desrespeitoso assim com o papel fundamental que os anões desempenham para toda a humanidade.
Sam respirou aliviado. Helick havia entendido perfeitamente que como Leonardrick era o líder de uma das quatro grandes guildas dos anões, onde a especialidade é a fabricação de ARGUEMs, Cassian não saber nada sobre o ritual seria um desrespeito imenso.
— Não entenda mal — continuou Helick. — Meu irmão só está evitando emergir a Centelha Mágica por motivos triviais. Afinal de contas, quando a emergimos ela vira quase um objeto físico. Se ela for perdida o tolo que a perdeu fica sem mana e jamais poderá despertar um ARGUEM na vida.
O semblante carrancudo de Leonardrick mudou subitamente, e voltou aquela expressão animada e entusiasmada.
— Peço perdão pelas minhas palavras, príncipe Cassian! Era de se esperar que o herdeiro seria cuidadoso com algo tão importante! — falou o anão reverenciando Cassian. — Mas não posso deixar de insistir. Já que Cassian está sendo tão cuidadoso, poderia então, o segundo na linha de sucessão me mostrar sua Centelha Mágica?
Helick ficou surpreso com o pedido, mas respondeu tranquilamente.
— Claro. Seria uma honra mostrar minha Centelha Mágica para o grande lorde ancião Leonardrick, o líder da guilda Centelha Ardente.
Helick olhou para o irmão como se dissesse mentalmente para que prestasse atenção. Em seguida, o príncipe mais novo do reino de Lyberion fechou seus olhos e assumiu uma postura totalmente ereta. Seus braços dobraram sutilmente para que suas mãos semiabertas ficassem na altura do peito, paralelas uma à outra, e ele começou a se concentrar.
Devido aos riscos de emergir a Centelha Mágica, Helick havia feito isso poucas vezes, a última sendo a quase um ano, mas a sensação ele lembrava bem.
Era como se ele fosse para uma outra realidade, onde só existia ele mesmo. Uma leve brisa gelada o atingia e ele via uma pequena centelha de mana irradiando dentro de si, de um azul tão claro que beirava o branco. Isso soou estranhamente familiar para Helick, mas ele não se desconcentrou.
Ele se via, nessa outra dimensão, caminhando até a Centelha e a pegando em suas mãos. E então ele abriu os olhos.
Entre suas mãos estava a Centelha Mágica, mana pura e maleável.
— Estupendo! — vibrou Leonardrick com lágrimas nos olhos, profundamente emocionado com o que via. — Isso sim é pureza mágica! Você deve ter trabalhado durante anos, não só física, mas também mentalmente para atingir um nível de magia tão requintada. Pelo grande Dungrim! Não vejo isso desde que forjei o ARGUEM de Rhyssara!
— Alguém falou meu nome? — Uma voz feminina ecoou pelo hall de entrada do palácio.
Sam e as sentinelas que acompanhavam Cassian se puseram em prontidão a frente dos príncipes quando viram a estranha mulher que nem se quer havia sido anunciada.
— Não pode ser você é… — Começou Sam incrédulo, seus olhos quase saltando para fora.
A mulher exuberante que entrou no salão abriu um sorriso malicioso quando respondeu:
— Eu sou a grande Imperatriz do Império de Ossuia, — afirmou a mulher com imponência, balançando seus cabelos vermelhos como sangue — Rhyssara BloodRose.