Capítulo 47 — Escadaria
O grupo avançava pela floresta das árvores andantes, seus passos cuidadosos enquanto desviavam das raízes espessas e dos troncos que pareciam se inclinar na direção deles, como se a floresta estivesse atenta aos seus movimentos. A vegetação era densa, um emaranhado de plantas de folhas largas que pareciam sussurrar entre si, e flores exóticas com pétalas translúcidas que brilhavam em tons de roxo e azul sob a pouca luz que atravessava o dossel. Era como se o próprio chão sob seus pés se movesse com eles, pulsando de vida em silêncio, o que deixava todos inquietos e em alerta.
As árvores, de troncos largos e retorcidos, moviam-se lentamente, quase como em uma dança hipnótica, mas sempre o suficiente para fechar qualquer abertura ou caminho que o grupo tentava seguir. O ar era denso, carregado de um cheiro úmido, quase doce, misturado ao musgo que revestia grande parte dos troncos. Aqui e ali, pequenas criaturas surgiam por entre as plantas – insetos de asas transparentes que brilhavam como prismas ao se moverem, sapos com peles de tonalidades vívidas e improváveis, e pássaros com olhos curiosos, que piavam baixo e desapareciam em meio à folhagem ao menor movimento humano.
Enquanto avançavam, Cassian agachou-se próximo a uma planta rasteira cujas folhas se retraíam ao toque, encolhendo-se de forma quase tímida. Nastya, notando o interesse dele, explicou em voz baixa:
— Isso é uma Recualília. Ela se esconde ao toque, mas suas folhas apontam para o norte quando estão relaxadas. Ossuia fica para o norte, então seguimos para onde ela aponta.
Cassian assentiu, tentando absorver cada detalhe, enquanto Helick, ao lado, olhava fixamente para as copas altas das árvores que pareciam tocar o céu.
No entanto, o que realmente os desconcertava era o comportamento das árvores maiores, de raízes grossas e troncos irregulares. A cada poucos passos, uma ou duas pareciam deslizar, mudando de lugar com o mínimo de som. O grupo mantinha um silêncio profundo, sentindo o ambiente apertar-se ao redor enquanto o caminho que tinham percorrido se distorcia e se fechava atrás deles, transformando-se em um labirinto denso e sufocante.
Any, com seus sentidos aguçados e passos firmes, observava atentamente qualquer sinal que pudesse indicar o rastro de Redgar. Mas cada pista que encontravam parecia se dissolver com o movimento das árvores, deixando rastros ilusórios que desapareciam como pegadas na areia à beira-mar. À medida que o grupo se aprofundava na floresta, até os sons começavam a se alterar – um farfalhar de folhas, sussurros distantes que soavam quase como palavras, mas que se desvaneciam antes de serem compreendidas.
A vegetação ao redor parecia ganhar vida própria, com plantas que, de repente, estendiam trepadeiras na direção deles, apenas para retraí-las como se estivessem os avaliando. Em certo momento, Helick pisou em algo macio, e um leve tremor percorreu o chão. Ele afastou o pé, revelando uma flor que se fechou imediatamente, emitindo um brilho esverdeado antes de mergulhar na penumbra. Nastya aproximou-se, tocando a planta com cuidado. — Cada coisa aqui… — murmurou ela. — Tem sua própria maneira de reagir a nós. É como se a floresta estivesse viva, observando e julgando nossa presença.
Horas passaram e, mesmo atentos, começaram a sentir o peso da floresta em suas mentes, com uma sensação de desorientação que os fazia duvidar de estarem avançando. As árvores retorcidas pareciam cientes de seus pensamentos e, como em resposta, mudavam de posição, bloqueando qualquer avanço claro. O grupo se entreolhou, trocando expressões de cansaço e determinação.
Então, após mais alguns passos cuidadosos, o ambiente ao redor começou a clarear, e uma visão peculiar emergiu em meio à bruma. No centro de uma clareira sombria, uma escadaria erguia-se, cortando o verde intenso da vegetação. Ela parecia deslocada, como uma relíquia esquecida em meio ao caos da floresta, e chamava a atenção por seu contraste ao ambiente.
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A escadaria, embora coberta de musgo e ervas daninhas, ainda mantinha um ar de antiguidade. Seus degraus eram largos, de pedra cinzenta e maciça, mas estavam trincados em diversos pontos, como se o tempo tivesse cobrado seu preço. Fendas profundas cortavam os blocos de pedra, e musgo grosso preenchia as rachaduras, esverdeando o cinza da rocha e tornando cada degrau escorregadio e traiçoeiro. Ao redor, pequenas flores de pétalas escuras se amontoavam nas beiradas, enquanto líquens azulados e vermelhos tingiam a superfície irregular das pedras.
Cada degrau parecia erguido com uma precisão incomum, mas terminava abruptamente em meio ao vazio, sem qualquer destino aparente. Em seu topo, não havia nada além da continuidade do céu entre as copas das árvores, que, por um momento, pareciam ceder e abrir espaço ao redor. O vento ali parecia mais forte, esvoaçando as roupas e cabelos do grupo, enquanto eles permaneciam estáticos, fascinados e intrigados pela estrutura enigmática.
Cassian avançou hesitante, tocando o primeiro degrau com os dedos, sentindo a rugosidade fria da pedra sob o musgo úmido.
— O que uma escadaria faz no meio do nada? — ele murmurou, sua voz ecoando levemente na quietude.
Rhyssara aproximou-se, seus olhos atentos deslizando por cada detalhe da estrutura, mas ela manteve o silêncio, como se não quisesse saber as respostas para suas dúvidas.
Helick subiu dois degraus, olhando ao redor, e percebeu pequenas gravuras esculpidas ao longo das laterais da escadaria – símbolos antigos que ele não reconhecia, mas que pareciam contar uma história perdida. Ele estendeu a mão para tocar um dos entalhes, apenas para hesitar ao ver que, ao menor toque, uma fina camada de pó escapava da pedra, esvaindo-se como uma lembrança há muito esquecida.
Ao erguer o olhar em direção ao último degrau, Helick percebeu uma silhueta no horizonte. Sua respiração travou por um instante: era Redgar, ou ao menos parecia ser ele. A imagem era vaga, como uma miragem que flutuava à beira da realidade, desfocada e etérea, como se Redgar estivesse em algum lugar além daquele espaço. A figura se movia de leve, mas não parecia realmente presente, e sim uma visão projetada de outro lugar, ou talvez um eco distante de algo que ele precisava entender.
Helick piscou, tentando focalizar melhor, mas a imagem oscilava, ameaçando desaparecer. O príncipe sentiu o impulso de subir os degraus para alcançar a silhueta, uma urgência que quase o fez lembrar um sentimento antigo. O mesmo sentimento que ele havia sentido nos jardins do palácio de Lyberion.
Os pelos de seus braços se arrepiaram de baixo de suas vestes, um calafrio percorria toda a sua espinha e sua visão parecia se abrir para além daquele ambiente conforme as escritas antigas na escadaria começavam a brilhar como uma luz translúcida.
De repente ele se viu em um novo local, observando de cima a Floresta das Árvores Andantes, mas ela parecia mais jovem, parecia ser mais serena e amigável, sem toda aquela névoa misteriosa. Helick se viu no que parecia ser um bosque.
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Ele viu uma mulher e um anão. A mulher ele reconheceu como Terramara com seus cabelos ondulados como rios e olhos verdes como uma densa floresta.
O anão estava vestido uma armadura cósmica como se o reflexo do espaço estivesse encrustado no metal. Ele era o mesmo anão que havia aparecido na visão anterior de Helick, ele era o Deus da Criação Celestial, Dungrim.
O anão cortejava Deusa humana e a desejava, mas ela o rejeitava por ele não ser como ela. Ela queria um igual para ser seu companheiro. O Deus da Criação Celestial então invocou um raio cósmico vindo dos céus que o transformou em um homem e assim Terramara aceitou seu cortejo e eles se amaram ali mesmo.
A visão de Helick avançou, como um salto no tempo, e a Deusa Terramara estava dando à luz a seus primeiros filhos, sete anões, quatro meninos e três meninas.
A Deusa nascida da terra ficou horrorizada com seus filhos a ponto de os considerar aberrações. Mas ela não os odiou, ela odiou as mentiras de Dungrim que havia dito que havia se tornado um homem. Então ela o amaldiçoou e abandonou as crias ali, naquele local.
A visão de Helick terminou com a imagem dos sete anões bebês, cada um envolto em uma aura emocional única e inquietante. O primeiro possuía um semblante enraivecido, como se a ira tivesse nascido com ele. Mesmo em sua pequenez, seus punhos estavam cerrados e seus olhos, já semicerrados, ardiam com uma fúria primitiva e incontida. Ele se movia de forma abrupta, contorcendo-se como se o próprio ar ao seu redor o irritasse.
Ao seu lado, um segundo anão chorava, mas não de forma comum. Suas lágrimas escorriam em um fluxo incessante, e seus soluços soavam profundos e angustiantes, como se desde o nascimento carregasse toda a dor do mundo. Seus olhos, vermelhos e marejados, revelavam um desespero que parecia não encontrar alívio, um pesar que parecia maior que sua própria existência.
Outro anão, menor e com olhos que refletiam um brilho ardiloso, olhava para os irmãos com um misto de ciúme e desejo. Suas pequenas mãos se estendiam em direção a qualquer coisa que outros possuíssem, como se cada objeto, por menor que fosse, devesse pertencer a ele. Seu olhar era penetrante, cheio de um desejo constante e insaciável.
Ao seu lado, um anãozinho permanecia imóvel, sua expressão pacífica e plácida, com olhos serenos e respiração leve. Ele observava tudo ao redor com uma calma imperturbável, como se nada pudesse abalar sua paz. Ele não chorava, nem reclamava; apenas existia, envolto em uma tranquilidade quase intocável, como se o peso do mundo fosse nada mais que uma brisa suave.
O próximo anão irradiava uma alegria incontrolável. Ele soltava risadinhas, batendo as mãozinhas como se estivesse celebrando algo invisível, uma felicidade espontânea e constante. Seu rosto, mesmo recém-nascido, já exibia um sorriso travesso e genuíno, como se ele tivesse encontrado a alegria pura no simples ato de viver.
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Outro anão olhava fixamente para os irmãos, seus olhos brilhando com uma ternura comovente, uma expressão de amor tão profunda que parecia abraçá-los a todos. Mesmo sem palavras, ele estendia as mãos em gestos suaves, buscando tocar seus irmãos, como se quisesse confortá-los e protegê-los desde o primeiro momento.
Por fim, o último anãozinho bocejava preguiçosamente, seus olhos meios fechados, indiferente a tudo que ocorria ao redor. Seus movimentos eram lentos, como se qualquer esforço fosse um fardo pesado demais para carregar. Ele parecia envolto em uma exaustão tranquila, imerso em sua própria quietude sonolenta, desconectado dos outros, como se o sono fosse sua única realidade.
A visão de Helick começou a se dissipar devagar, as imagens desbotando até se perderem em uma névoa suave e silenciosa. A risada e o choro dos anões recém-nascidos desapareceram, e o ambiente ao seu redor retomou seu peso familiar. Ele piscou, atordoado, enquanto sentia a floresta das Árvores Andantes voltando à sua percepção. Aos poucos, o brilho das gravuras ao longo da escadaria se apagou, e a atmosfera onírica cedeu lugar ao ar úmido e denso da floresta.
Por um momento, Helick apenas ficou ali, respirando fundo, sentindo o cheiro terroso e a umidade do lugar. Ao seu redor, seus companheiros se aproximavam em silêncio, atentos ao seu semblante ainda confuso. Ele os via vagamente, como se ainda estivesse preso entre a visão e a realidade, mas o rosto de cada um parecia trazer-lhe de volta aos poucos.
Ele balançou a cabeça, tentando se recompor, e finalmente murmurou, com a voz baixa e suave:
— Eu… vi algo.
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